quinta-feira, 19 de junho de 2014

SOBRE A SELEÇÃO E A PÁTRIA DE CHUTEIRAS


"O último programa Brasilianas.org, da TV Brasil, na segunda-feira passada, foi sobre a Copa do Mundo. Juntou os professores Fernando Abrucio e Rafael Alcadipani, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, e Ronaldo Helal, da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).

Uma das conclusões interessantes, levantada por Helal, foi a do fim da era da "pátria de chuteiras".

Há duas etapas de Copa do Mundo, explica ele, a etapa pré-globalização, que vai até o final dos anos 80, e a fase pós-globalização.

A ideia da "pátria de chuteiras" - consagrada por Nelson Rodrigues - é exclusiva da fase pré-globalização, na qual cada Copa do Mundo era uma guerra nacional, um momento de auto-afirmação nacional.

Tenho para mim que a cena de Didi na final da Copa de 58, pegando a bola no fundo das redes, no primeiro gol da Suécia, e levando-a até o meio campo, acalmando os companheiros, como o maior símbolo desse período. Expulsou do país o fantasma da fracassomania, reforçada pela derrota de 1950, em um momento em que o país começava a se abrir para o mundo.

Depois dos anos 80, tornou-se um torneio importante, comemorado, mas sem a dramaticidade dos anos anteriores. E, muitas vezes, menos emocionante para os torcedores do que os próprios torneios nacionais com seus times bem classificados.

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No meu caso, a última Copa em que o coração quase saiu pela boca foi a de 1982, da grande seleção de Telê Santana. Vibrei com 1994, com lances de Romário, Careca, mas sem a emoção anterior. E, nas Copas seguintes, sem tratar as derrotas como tragédia nacional.

Folgo em saber que foi um fenômeno geral, assim como o menor interesse nacional pelo futebol.

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Há um conjunto de explicações para isso.

Uma delas, é a internacionalização dos jogadores brasileiros, dificultando a criação de afinidades com a torcida. Outra, o próprio amadurecimento do país, que não precisa mais do futebol para firmar a auto-estima nacional. Neymar manteve-se ídolo devido à temporada no Santos. A partir de agora, é cidadão do mundo - e do Barcelona.

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Houve consenso dos debatedores sobre a pouca importância do resultado da Copa para as próximas eleições presidenciais. Mais importante é mostrar serviço na organização do evento, concluíram.

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A má comunicação do governo e o terrorismo criado pela mídia foram outros fatores relevantes.
Antes da Copa, uma das seleções convidadas mostrou-se temerosa de que a arena do Corinthians pudesse desabar, tal a quantidade de notícias terroristas divulgadas.

Essa intensa campanha negativa produziu o esperado efeito inverso: uma agradável surpresa da mídia internacional com a boa organização do torneio, com a qualidade dos estádios, com o aparato de segurança - nada de excepcional, mas um feito perto dos anúncios da mídia, de ataques terroristas do PCC e dos Black Blocs.

Mais importante que tudo, foi a exposição mundial do modo de ser brasileiro, a hospitalidade, a afetividade exuberante. E os momentos de intensa emoção em alguns jogos que entraram para a história - como o da Holanda e Espanha. São esses momentos de emoção que alimentam o turismo nos anos seguintes.

São os chamados ganhos intangíveis, de fixação da alma brasileira no mundo."



(Luis Nassif, jornalista, em post intitulado "A Seleção não é mais a pátria de chuteiras" - aqui.
De fato, o resultado da Copa do Mundo nas quatro linhas do gramado nada tem a ver com as eleições presidenciais. Mas o resultado da Copa em termos de organização, de 'clima', apresenta enorme importância para a imagem do Brasil, com repercussões em todos os quadrantes - com reflexos, sim, nas eleições presidenciais. Lembro-me perfeitamente de artigo assinado por Marina Silva, publicado há algum tempo no jornal Folha de São Paulo, no qual referida candidata expressava o entusiástico desejo de que durante a Copa do Mundo o Brasil voltasse a ser tomado por manifestações populares tão ou mais incisivas do que as verificadas em junho de 2013. Corrijo-me: Marina não se limitava a expressar o desejo, mas se dizia convicta de que isso iria acontecer. O sonho era singelo: ver o Brasil em chamas, conflagrado, a Copa comprometida, o Estado Democrático de Direito vilipendiado. 
Felizmente, a 'encomenda' pleiteada por dona Marina Silva não foi entregue).

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