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A mensagem abaixo foi 'preparada' por este Blog ANTES do desfecho do caso, que resultou favorável ao Brasil, digo, aos brasileiros que aprovam os atos praticados pelo Ministro Moraes, com o respaldo do STF. Estamos publicando só agora, mesmo assim, tendo em conta a qualidade da análise produzida por Carlos Affonso.
A ação movida pela Rumble, uma plataforma de vídeo, e a Trump Media & Technology Group Corp (TMTG), que desenvolve a rede social Truth Social, contra o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes em uma corte distrital da Flórida estremece as fronteiras entre o público e o privado, entre o Direito e a política.
Quando uma empresa do grupo Trump processa um ministro da Suprema Corte de um outro país, faz isso em defesa dos seus interesses, mas a ação soa como um ato oficial, quase que de governo.
O governo e as empresas
E talvez seja essa mesma a estratégia. A ação movida pela Rumble poderia existir por si só, mas a adição da Trump Media como parte autora parece ser uma espécie de super trunfo para elevar o tom.
As autoras alegam que as ordens judiciais do ministro Moraes sobre bloqueio de contas em redes sociais e aplicativos violariam as leis norte-americanas, já que elas miram pelo menos um usuário (identificado como Dissidente Político A), que atualmente reside nos Estados Unidos.
Empresas privadas têm todo o direito de processar quem lhes cause dano. Contudo, quando a sua empresa 1) leva o nome do atual presidente; 2) processa uma autoridade de outro país; e 3) nem parece estar tão relacionada assim ao mérito da ação, as especulações sobre os motivos dessa ação começam a se avolumar.
Em especial quando, no pedido da ação, é requerido que o tribunal determine que as ordens de Moraes não tenham qualquer efeito sobre as partes autoras (empresas americanas), deixando ainda à discrição da corte adotar outras medidas que entenda cabíveis. E que medidas poderiam ser essas?
Ao longo da petição, os advogados afirmam que a atuação de Moraes se assemelha a de juízes do Tribunal Penal Internacional, que acabaram de ser alvo de congelamento de bens e proibição de viajarem aos EUA, de acordo com medida imposta por Trump.
Caso o tribunal decida nessa direção, por exemplo, não seria uma medida direta do governo Trump proibindo o ministro Moraes de entrar no país, mas sim uma ordem judicial proferida a partir de uma ação movida por uma empresa.
Moraes além das fronteiras
A Internet é uma rede global descentralizada, diferente dos tribunais nacionais, que aplicam lei local a partir de situações que atraem a sua jurisdição. O tilt entre os efeitos nacionais da jurisdição e o aspecto global da rede vem gerando confusões nas últimas décadas. Em 2000, uma corte francesa decidiu que o Yahoo! naquele país não poderia exibir páginas de site de leilão contendo memorabília (Nota deste Blog: 'memorabília': Coleção de objetos que pertenceram a uma pessoa física/jurídica famosa) nazista. O juiz do caso chegou a reunir um painel de especialistas para saber se seria possível que a decisão dada em um país não atingisse outros. A resposta foi limitar o efeito da decisão a todos os usuários da rede que acessassem o Yahoo! a partir de um IP francês.
Mais recentemente, no debate sobre a implementação de um direito ao esquecimento na Europa, o Tribunal de Justiça europeu decidiu que a medida deveria ser aplicada apenas no velho continente.
A discussão é importante, uma vez que, caso o juiz de um país pudesse impor a sua lei para o resto do mundo, legislações bastante restritivas à liberdade de expressão passariam a nivelar por baixo o que pode ser dito na rede global, impondo a todos nuances culturais e jurídicos que são estritamente locais.
O caso das decisões do Ministro Moraes ganha um detalhe adicional porque se está falando de um brasileiro residente no exterior, que usa plataforma estrangeira, mas que posta em português mensagens dirigidas ao público brasileiro. Os efeitos do que é dito repercutem do lado de cá, tornando o cabo-de-guerra jurisdicional mais complexo do que simplesmente atentar para a nacionalidade das plataformas envolvidas.
Como os Estados Unidos oferecem uma tutela mais ampla para discursos, que no Brasil não seriam protegidos pela liberdade de expressão, além de ter regras que dão uma imunidade muito mais abrangente para plataformas digitais do que ocorre no Marco Civil da Internet, por exemplo, é possível que as partes autoras busquem a concessão de uma medida liminar, que antecipe alguns dos efeitos de uma decisão definitiva.
Ao argumentar que o Ministro Moraes extravasa as suas competências, as empresas alegam ainda que ele deliberadamente evita usar os canais diplomáticos, como o estabelecido no Acordo de Assistência Judiciária entre EUA e Brasil para matérias criminais, além de outros instrumentos como cartas rogatórias.
Vale lembrar que, pelo menos no que diz respeito ao acesso a dados localizados no exterior, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que o Judiciário brasileiro pode fazer requisições diretas às empresas de tecnologia estrangeiras, a partir de uma interpretação do artigo 11 do Marco Civil da Internet. Esse detalhe não apareceu na petição inicial.
Como tudo o que diz respeito ao encontro das águas entre tecnologia, política e direito, a petição está recheada de elementos de geopolítica, como diversas citações retiradas do recente discurso de J.D. Vance na Conferência de Segurança de Munique. O vice-presidente reiterou "o compromisso dos EUA em defender a liberdade de expressão contra o excesso judicial e medidas autoritárias disfarçadas sob o pretexto de combater a 'desinformação' ou o 'discurso antidemocrático'."
Não dá para ler a petição inicial sem ter um olho nos interesses privados e outro em um debate sobre o papel das autoridades em seus respectivos países. Da mesma forma, não só os debates jurídicos explicam a motivação e o peso que se procura dar à petição, que precisa ser lida através da política. - (Aqui).
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