domingo, 5 de junho de 2022

RESUMO DO APOCALIPSE DOS ÚLTIMOS DIAS


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Moradores escrachados, casas metralhadas com as famílias ainda dormindo, sangue vertendo pelas escadarias, cadáveres retalhados por tiros e facadas. A violenta operação policial na Vila Cruzeiro, Zona Norte do Rio de Janeiro, resultou na morte de 23 “suspeitos”, nenhum deles julgado pela Justiça.

Familiares das próprias vítimas tiveram de carregar os corpos até o IML mais próximo, que precisou montar uma força-tarefa para atender à inesperada demanda. Com as geladeiras do necrotério lotadas, os sacos pretos foram acomodados no chão. 

Na mesma semana, as cenas do brutal assassinato de Genivaldo de Jesus Santos, asfixiado até a morte em uma câmara de gás improvisada em uma viatura da Polícia Rodoviária Federal, correram o mundo. Por conta de uma prosaica infração de trânsito – conduzir uma moto sem capacete, algo que um certo capitão não se cansa de fazer –, o motociclista de 38 anos foi parado pelos agentes em Umbaúba, litoral de Sergipe, e resistiu à autuação. Foi o que bastou para ser espancado, algemado e atirado no camburão.

De nada adiantaram as súplicas de conhecidos, que alertaram os policiais que o homem possuía transtornos mentais e tomava medicamentos controlados. Enquanto um agente da PRF espremia as pernas do preso com a tampa traseira da viatura Chevrolet Trailblazer, o outro arremessou uma bomba de gás lacrimogêneo para dentro do carro. Após dois minutos de suplício, a vítima parou de se debater.

A morte de Genivaldo ocorreu exatamente dois anos após o assassinato de George Floyd por um policial branco de Minneapolis, nos EUA, observou o britânico The Guardian. É provável que as últimas palavras também tenham sido as mesmas: “Não consigo respirar”.

A barbárie policial, tanto no Rio quanto em Sergipe, escandalizou o mundo. Mas nem todos se comoveram no Brasil. Bolsonaro e seus devotos, certamente não. Ao contrário, o ex-capitão incorporou a chacina na Vila Cruzeiro ao seu espólio eleitoral.

A todo momento, aliados de Bolsonaro tentam arrastar Lula e perfis ligados à esquerda para o centro do debate, uma forma de engajar a militância e as redes do próprio ex-presidente em suas narrativas.

Em meio ao banho de sangue, Bolsonaro e seus aliados estão de olho nos votos dos 686 mil profissionais de segurança pública na ativa, segundo o IBGE e o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021. Existem ainda cerca de 1 milhão de vigilantes, sendo 51% deles formalmente inativos. Trata-se de um apoio eleitoral nem um pouco desprezível, ainda mais se considerarmos o voto potencial de familiares e amigos mais próximos.

Além disso, o ex-capitão sabe que uma parcela expressiva da sociedade acredita piamente que o problema da violência se resolve na bala, como nos faroestes hollywoodianos ou como pregam os programas policialescos na tevê aberta."



(De Ana Flávia Gússen, repórter da revista CartaCapital, texto intitulado "No Brasil, a morte rende votos", escolhido para liderar a campanha de apoio - direto ou mediante assinatura - da citada publicação. Aqui).

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