domingo, 6 de maio de 2018

'O RIO' E OUTROS POEMAS DE POH PIN CHIN (E UM 'HAICAI' INCIDENTAL)

.
OS HAICAIS
EXPRESSAM
NOSSOS AIS

Cuyahoga.

'O rio' e outros poemas de Poh Pin Chin

Por F. Ponce de León

Desde 2006, mais de duas dezenas de poemas do poeta macaense Poh Pin Chin (1909-1984) já foram reproduzidas no blogue Poesia contra a guerra. Nos últimos dias, porém, após quatro deles terem sido publicados pelo Jornal GGN (ver ‘Quatro poemas de Poh Pin Chin’), colegas me escreveram pedindo outros haicais (haicus) daquele autor.
Estilo poético japonês, cujas versões traduzidas são tradicionalmente estruturadas em três versos (dois deles pentassílabos e um, o segundo, heptassílabo), os haicais usufruem hoje de alguma popularidade entre nós. Dois exemplos (ambos extraídos do blogue Poesia contra a guerra), em traduções de Manuel Bandeira (1886-1968) e Carlos Freire, respectivamente:

A cigarra
Matsuo Kinsaku [Bashō] (1644-1694)

A cigarra... Ouvi:
Nada revela em seu canto
Que ela vai morrer.
*
Um relâmpago
Sengai Gibon (1750-1837)

Com que comparar a nossa vida?
Com um relâmpago, com uma gota de rocio...
Assim penso – mas já não mais existe.
*
Caberia notar, no entanto, que Poh Pin Chin não era bem um adepto de haicais. A origem do mal-entendido talvez seja o fato de alguns poemas dele serem bem concisos, com um número mínimo de versos e palavras, mas a maioria não é assim. Espero que os exemplos reproduzidos abaixo sejam suficientes para ilustrar o que estou dizendo (para outros poemas, ver o blogue Poesia contra a guerra).

Calendário
Poh Pin Chin

Verão:
Noites curtas,
dias longos.

Inverno:
Noites longas,
dias curtos.

Mas o que diz
o calendário
quando noites
e dias encurtam?
*
O rio
Poh Pin Chin

Ora caudaloso,
ora inclemente,
brota manso
entre rochas
e corre ligeiro
sobre o cascalho.

O peso da água
e o cheiro do ar
dão trabalho e
distraem o capitão
que é também
o único passageiro.

Na foz, águas
turvas e sonolentas
encontram por um
instante o clarão do sal
antes de se entregarem
ao ruidoso vazio do mar.

Marcas, dores,
fortunas e troféus
ficaram para trás e estão
agora no fundo do rio,
o mesmo cujo percurso
barco algum jamais refez.
*
Luz de estrela
Poh Pin Chin

Luz de estrela
tão distante
que me alcança aqui
sozinho
após viajar infinitos quilômetros
e atravessar o entrefolhas
da minha amendoeira favorita –
o que a faz assim tão certeira?
*
Cada folha, individualmente
Poh Pin Chin

Quem passa
pela estrada
aqui embaixo
a essa hora
do dia
vê apenas
colunas de vapor
e montanhas
de cumes esverdeados
em volta do vale.

É preciso subir
para chegar
mais perto
da floresta e então
apreciar melhor
as árvores
que estão de pé,
seus ramos e
as folhas
que as recobrem.

Cada folha,
individualmente.

Pois
não são as folhas
que a névoa fina
toca e molha;
que o sol
ilumina e dilata;
que as mandíbulas
rasgam e trituram?
Não são as folhas
que esverdeiam a floresta?

Não são as folhas
que depois
de secas e soltas
dançam com o vento
e a gravidade
e terminam
sobre a terra
viva e escura,
onde a próxima geração
ainda dorme?
....
(Fonte: Aqui).

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