quarta-feira, 7 de março de 2018

SOBRE EQUÍVOCOS JUDICIAIS


"Conheci pessoalmente a ministra Cármen Lúcia, hoje presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), em uma reunião com o governador Itamar Franco, contra a privatização do setor elétrico, que voltou à baila com o governo Temer. Ela era procuradora-geral do Estado de Minas Gerais e teve uma posição progressista naquele tempo. 
A grande imprensa interpretou uma recente declaração da ministra dizendo que a Justiça é inquestionável de acordo com o ritual estabelecido pela lei. Ora, a crítica às decisões judiciais, seja lá de que instância forem, juiz singular ou colegiado, é um direito democrático dos cidadãos e é intelectualmente natural, não apenas no contraditório jurídico formal, mas nos campos filosófico e político. A corporação dos juízes não é dona da verdade. Comete erros, como historicamente pode ser comprovado. 
No Brasil, na década de 1930, houve o famoso caso dos irmãos Naves, condenados à prisão sem terem cometido crime, objeto de um filme de longa metragem de Luis Sergio Person, em 1967.
Os dois irmãos, Sebastião José Naves e Joaquim Roza Naves, ainda jovens, confessaram, sob tortura, ter cometido um assassinato que não ocorreu. Eram pessoas pobres. O delegado de polícia tinha convicção sem provas. Naquele tempo, não havia o aforismo da convergência, mas havia indícios apontando para eles. Os irmãos, embora inocentes, pois o suposto assassinado reapareceu vivo anos depois, ficaram presos por oito anos por erro da Justiça.
No século XIX, na França, o capitão judeu Dreyfus foi vítima de uma condenação por alta traição, acusado de revelar segredos militares em uma carta para os inimigos alemães. Indignado, Émile Zola escreveu o livro J’accuse defendendo Dreyfus, que ficou na prisão por cinco anos. Tardiamente, sua condenação foi revista, constatando-se sua inocência.
Nos Estados Unidos, na década de 1970, Angela Davis, professora de filosofia, comunista e militante do movimento negro, foi acusada de conspiração no estado da Califórnia e presa por um ano e meio, depois absolvida por um júri popular. Seu caso causou uma reação popular e de intelectuais progressistas.
Foi ainda mais dramático o caso do engenheiro judeu Julius Rosenberg e da sua esposa Ethel, na década de 1950, nos EUA. Foram condenados pela Justiça e executados na cadeira elétrica, sob a acusação de terem repassado o segredo da bomba atômica aos soviéticos, jamais comprovada. Entre outros, Albert Einstein se manifestou em defesa do casal. Pesava contra eles o estigma de serem comunistas e ligados à União Soviética, que, de ex-aliada dos EUA na Segunda Guerra Mundial, tornou-se arqui-inimiga na Guerra Fria que se seguiu.
Naquela época, houve uma atuação anticomunista estimulada pelo senador Joseph McCarthy, que liderou a Comissão de Atividades Antiamericanas no Congresso, perseguindo pessoas com posição de esquerda, prendendo-as ou fazendo-as perder o emprego. Criou-se uma lista negra, inclusive de artistas de Hollywood. Entre outras críticas, houve o filme Boa noite e Boa Sorte, dirigido por George Clooney. Nestes exemplos de erros da Justiça no mundo, vemos preconceito contra os mais pobres, racismo, antissemitismo, anticomunismo, perseguição à esquerda.
Voltando ao Brasil, está em debate a chamada Lava Jato e operações similares da Justiça, com procuradores da República e a Polícia Federal. Um erro óbvio foi o que resultou na humilhante prisão de reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sem motivo relevante, o que levou ao seu dramático suicídio. 
O caso de maior repercussão política é o do apartamento triplex que o ex-presidente Lula teria recebido da empresa OAS como propina. Problema: o apartamento não é do ex-presidente, tendo sido colocado recentemente em penhora por uma juíza independente, Luciana Correa Torres de Oliveira, de Brasília, devido a uma dívida da OAS. Apesar disso, três desembargadores do Tribunal Federal da 4ª Região, com votos escritos idênticos, confirmaram o erro da Lava a Jato, condenando Lula.  
Aliás, um erro que beneficia muitos juízes e procuradores, inclusive da Lava a Jato, está no recebimento de auxílio-moradia sem direito moral a esse benefício concedido, por um erro do STF."





(De Luiz Pinguelli Rosa, post intitulado "É preciso questionar a Justiça para não repetir erros históricos", publicado no Brasil de Fato e reproduzido AQUI.
Luiz Pinguelli Rosa é mestre em engenharia nuclear, doutor em física e professor titular e emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro -COPPE/UFRJ-. É também Membro da Academia Brasileira de Ciências -ABC-, e foi presidente da Eletrobras entre 2003 e 2004.

Sobre o apartamento que não é do ex-presidente, foi ele, de fato, colocado recentemente em penhora por uma juíza independente, Luciana Correa Torres de Oliveira, de Brasília, devido a uma dívida da OAS - mas posteriormente o juiz Sérgio Moro emitiu despacho cancelando as medidas postas em prática pela referida juíza. É óbvio que após cerca de 270 páginas de uma sentença tirada a fórceps, da qual todos os fatos posteriores dependem, não se iria concordar em que alguém 'questionasse' o 'objeto' primordial de seu 'embasamento', não é mesmo?

Quanto à alusão ao mártir Luiz Carlos Cancellier de Olivo, reitor da UFSC submetido a flagelos inomináveis, clique AQUI para ver Acioli Cancellier de Olivo discorrer sobre as sinistras circunstâncias que marcaram o suplicio de seu irmão).

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