segunda-feira, 13 de março de 2017

BRASIL: PERSPECTIVAS ECONÔMICAS


BR 163 no centro da meta ou a economia política da circunstância

Por André Araújo

A maior contribuição de Lord Keynes para o pensamento econômico foi expor a noção de que a regência da economia não se pode dar por receitas prontas e sim por ferramentas adaptadas às circunstancias. Acusado de inconsistente,  é famosa a frase  de Keynes “When the events change, I change my mind, what do you do, sir?" -  “Quando os fatos mudam eu mudo meu pensar, o que o senhor faria?”.

Keynes era um economista ortodoxo quando trabalhava no Tesouro inglês, e já na assessoria da delegação britânica à Conferencia de Versalhes em 1919 mostrava seu gênio ao derivar para análises de circunstâncias fora dos modelos-padrão dos economistas burocráticos. De sua observação na Conferência escreveu seu primeiro clássico, “As Consequências Econômicas da Paz”, onde via muito mais longe que seus colegas convencionais - que se limitavam ao papel simplista de punir a Alemanha, e ponto.
Albert Hirschman, o grande economista do desenvolvimento do pós guerra, judeu alemão de formação cultural  francesa e que depois  seria um dos pais do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Princeton, (pregava que): "Os economistas não podem prescrever o mesmo remédio quando as doenças são diferentes, a mesma receita para males distintos, os economistas precisam se ajustar à realidade e não a realidade se ajustar a eles”.
No instituto de Princeton conviviam Albert Einstein, George Kennan e Albert Hirschman, entre muitos outros pensadores excepcionais de nossos tempos. Sua teoria do “possibilismo” era uma variante da economia politica das circunstâncias de Keynes “Não há padrões, a economia deve dançar conforme a realidade, esta não deve se adaptar a uma fórmula pronta”.
F. Scott Fitzgerald tem uma frase para esse requisito da flexibilidade mental, raríssimo entre economistas em geral e impossível entre os “economistas de mercado”:
“O melhor teste para um cérebro de primeira ordem é poder trabalhar com duas ideias opostas ao mesmo tempo e ainda assim manter a capacidade de funcionar”.
Hjalmar Schacht, outro dos grandes economistas do Século XX, formado em filosofia, um tanto demonizado pelos seus serviços a Hitler, foi o  artífice do fim da hiperinflação alemã de 1923, como Comissário da Moeda da República de Weimar e depois presidente do banco central alemão, o Reichsbank.  Seu plano conhecido universalmente como Plano Schacht, debelou em seis meses uma hiperinflação de 100.000% ao ano e o modelo foi exatamente repetido pelo Plano Real, que é uma cópia carbono do Plano Schacht, lembrando que o plano alemão foi a tese de doutorado do economista Gustavo Franco nos EUA;  todo o mecanismo alemão foi aqui reproduzido pelo Plano Real, incluindo a moeda de transição  URV.
O mesmo Hjalmar Schacht que zerou a inflação alemão criou dez anos depois o mais heterodoxo plano monetário para financiar o rearmamento alemão sob Hitler, que incluía uma moeda gráfica, os MARCOS DE COMPENSAÇÃO, e um bônus rotativo para pagar os fabricantes de material bélico, os MEFO BONDS,  ferramentas que os economistas de manual de hoje achariam uma trapaça completa na visão ortodoxa.  Para combater o desemprego, que estava em 40% na Alemanha quando Hitler chegou ao poder, Schahct conseguiu financiar com dívida pública não só o rearmamento mas também a implantação de uma rede de super estradas, as AUTOBAHNS, e grandes projetos de construção civil, que em DOIS ANOS acabaram com o desemprego na Alemanha; nesse sentido Schacht foi mais bem sucedido do que Roosevelt nos EUA, que levou muito mais tempo para terminar com a recessão. 
Os MARCOS DE COMPENSAÇÃO foram um instrumento tão engenhoso e eficiente que os estatutos do FMI proíbem EXPRESSAMENTE  o uso desse tipo de instrumento porque ele desafia o controle centralizado da moeda mundial pelo Federal Reserve americano e pelos organismos de Bretton Woods.
Essa é a grande questão dentro da qual se vê o modelo de METAS DE INFLAÇÃO, um remédio fixo para situações mutáveis que necessitam de FLEXIBILIDADE MONETáRIA para ter seus problemas enfrentados com o uso de todas as ferramentas de que um Estado dispõe.
Ficar amarrado a um grilhão fixo como as METAS DE INFLAÇÃO em um mundo em constante e cada vez mais rápida mutação geopolítica, que se reflexa na reorganização permanente dos fluxos monetários e comerciais, é optar pela prisão quando se pode ser livre.
Um Estado não pode operar dentro de camisas de força monetárias como METAS DE INFLAÇÃO. Um mecanismo que faz da estabilidade monetária o único eixo da politica econômica, quando esta deve ser compatível também com a prosperidade e o pleno emprego, como é aliás o mandato estatutário do Sistema de Reserva Federal americano. Fazer toda a politica  econômica girar apenas em função de meta de inflação é um objetivo muito pobre, medíocre, não exige muito trabalho e nem esforço mental, é tarefa de um banco central preguiçoso, improdutivo e descompromissado de obrigações  para toda a população.
E agora uma derivação das METAS, o ORÇAMENTO com teto regido pela inflação, outra anomalia que vai na contramão da flexibilidade de uma politica monetária que tem que atender mais do que um objetivo apenas; a politica econômica é um conjunto de objetivos.
O modelo de METAS atende hoje exclusivamente aos interesses do mercado financeiro às custas da  economia produtiva, aquela que dá os empregos e o abastecimento.
A recessão brasileira, HOJE JÁ DEPRESSÃO, só acabará com LARGA EXPANSÃO MONETÁRIA, o que exige o fim do regime de METAS DE INFLAÇÃO,  um aprisionamento incompatível com as circunstancias atuais da economia brasileira, que requer o uso de instrumentos monetários  e cambiais pro-crescimento, prioridade maior que uma mera estatística de inflação.
A depressão só acabará com GRANDE INVESTIMENTO PÚBLICO, que só pode ser pago com emissão de moeda. Pelo nível de ociosidade do aparelho produtivo do Pais e da imensa massa de desempregados, uma injeção de DOIS TRILHÕES DE REAIS na economia poderá causar alguma inflação, perfeitamente administrável. É um preço barato a pagar para o pais voltar a andar.  A moeda é um instrumento da prosperidade, não é um fim em si mesmo, não é um totem ou um fetiche; a moeda serve para as pessoas viverem de forma razoável, uma moeda estável que não está no bolso da população de nada adianta, é a paz do cemitério.
O CUSTO DA ESTAGNAÇÃO é infinitamente maior do que dois trilhões de reais a injetar na economia. Cada dia com fábricas paradas e mão de obra ociosa de milhões de homens aptos a trabalhar CUSTA MUITO MAIS EM TERMOS DE PERDA ECONÔMICA REAL do que qualquer risco de inflação, perfeitamente suportável no curto prazo, até sair da estagnação.
Se a inflação sair do controle é muito mais fácil trazê-la de volta à estabilidade do que suportar por mais uma década a ESTAGNAÇÃO atual. Um novo plano alemão acaba com a inflação em seis meses e pode ser executado em clima de economia funcionando e baixo desemprego.
A massa de desempregados por uma década VAI DESTRUIR O TECIDO SOCIAL DO PAÍS por uma geração. Não são só os 13 milhõs de desempregados, são mais 20 milhões de jovens em idade de procurar o primeiro emprego e que não o encontrarão em um ambiente de estagnação. Um caldo de cultura semelhante produziu o nazismo na Aleamanha e pode colocar abaixo governos e sistemas políticos em grandes países.
Medidas paliativas modestas sequer fazem cócegas no desemprego, produzem micro ou nenhum efeito: liberação de FGTS, concessões e privatizações, nada disso  terá qualquer impacto na escala do atual nível de desemprego e de estagnação da atividade econômica.
Enquanto isso, o País sofre com uma ABSURDA CARÊNCIA DE INVESTIMENTO PÚBLICO, tendo todos os meios físicos para realizar grandes obras, temos fabricas de cimento trabalhando com 70% de ociosidade, usinas de asfalto, portos de areia, pedreiras, fábricas de tubos, temos todo o CAPITAL FÍSICO para um grande plano de obras, falta apenas a POLÍTICA ECONÔMICA para por em funcionamento um grande plano de infraestrutura, NÃO FALTAM MEIOS FÍSICOS.
A tragédia de milhares de caminhões atolados na rodovia BR-163 e em outras rodovias amazônicas demonstra o absurdo da PERDA REAL DE VALOR na economia brasileira, por falta de investimento físico para o qual o Pais dispõe de amplos meios de realizar. Temos um imenso parque de máquinas para construção rodoviária e todo o material necessário para consolidar uma essencial rede de rodovias federais, sem as quais a produção não sai do lugar.
E por que não se faz? Porque se fizer pode afetar o atingimento das METAS DE INFLAÇÃO.
No momento em que o Pais afunda no lodaçal das rodovias, uma equipe econômica de anões se congratula porque a inflação atingiu o CENTRO DA META, ao fundo o Brasil se desintegra.  -  (Fonte: aqui).

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Segundo muitos, o problema reside no fato de o Brasil, com a volta da inflação descontrolada, vir a ser rebaixado ainda mais pelas agências de risco, resultando em "perda de confiança", afastamento de investidores/fuga de capitais (mesmo com eventual aumento de juros) e consequente risco de ataque de "abutres" (como se viu na Argentina), o que certamente comprometeria o alcance do superávit primário e o serviço da dívida. O serviço da dívida, como se sabe, é intocável, e, ao fim e ao cabo, deu causa ao chamado ajuste fiscal, além de ser a 'justificativa' para as reformas na tributação, no trabalho e na previdência - sem contar a 'entrega' de bens públicos, uma vez que a crise econômica avilta o preço do patrimônio.

Enquanto isso, pontos cruciais, como sonegação fiscal - leviatã que consome cifra astronômica a cada ano -, são deixados de lado, em parte porque o cipoal da legislação emaranha o cenário, em parte porque se revela mais viável recorrer a outras alternativas. 

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