segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

UM POUCO DE HISTÓRIA: PINHEIRO MACHADO E A COMISSÃO DE VERIFICAÇÃO DE PODERES DO SENADO


Pinheiro Machado e as regras do Poder

Por André Araújo

O Senador José Pinheiro Machado foi um dos homens fortes dos primeiros tempos da República. Gaúcho e veterano da Guerra do Paraguai, formou-se em Direito em São Paulo. Tinha paixão pelo poder e o exerceu de tal forma que dominou politicamente dois períodos presidenciais: Nilo Peçanha (vice que sucedeu na morte de Afonso Pena) e Hermes da Fonseca, especialmente neste último, período que vai de 1909 a 1914. Pinheiro Machado fundou o primeiro partido nacional, o Republicano Conservador, quando o modelo da época eram os partidos regionais.
Pinheiro descobriu um formidável instrumento político, que manejou com maestria: a Comissão de Verificação de Poderes do Senado, casa que presidiu. A Comissão tinha a prerrogativa de examinar a ficha dos deputados, senadores e governadores depois de eleitos. Não havia à época Justiça Eleitoral. Se achasse algum defeito legal que a seu juízo impedia a posse, a Comissão fazia a "degola", da qual não havia recurso. Com isso só se empossava quem Pinheiro Machado quisesse. A quem protestasse Pinheiro dizia que malandros não poderiam governar e nem representar a população. A moralidade como desculpa, velho truque manejado por todos aqueles que querem ter poder de mando sobre outros.
O modelo está sendo reconstituído hoje por regras inventadas além da Constituição de 88. Mentes sagazes à semelhança de Pinheiro Machado montam  barreiras de natureza extra-constitucional, que a pretexto de moralidade criam impedimentos para alguém assumir e exercer o mandato. E quem maneja essas regras? O Poder não eleito, nesse sentido pior ainda do que nos tempos de Pinheiro Machado, que pelo menos era Senador eleito.
A desculpa dessas regras é preservar a moralidade na política, velhíssima arma manejada desde a Inquisição Ibérica para, a pretexto da pureza, eliminar os inimigos.
A Constituição de 1988 DEFINE precisamente os impedimentos para alguém ser eleito e assumir cargos decorrentes dessa eleição, como Presidente da República, da Câmara e do Senado. O modelo de acesso e manutenção do Poder no Estado é o ponto mais alto do edifício constitucional e também o mais delicado.
As regras do Poder devem ser precisas e específicas para que o Estado tenha capacidade funcional. Nenhum Estado pode funcionar em crises permanentes decorrentes de movimentos provocados por contínuos inquéritos, delações, processos e liminares.
TODAS as alterações de regras constitucionais para criar impedimentos aos dispositivos constitucionais do Poder são ilegítimas, sejam por lei ordinária, sejam por decisão judicial e da decorrente jurisprudência de força vinculante.
São um perigo e um atentado à vontade do constituinte mudanças nas regras do Poder que, na tendência que se faz no Brasil, transferem poder dos eleitos para os não eleitos.
Nesse sentido são ILEGÍTIMAS a Lei de Ficha Limpa e a decisão judicial de que réus não podem ocupar cargos na linha sucessória. São alterações extra-constitucionais porque as regras de acesso aos cargos de Presidente e seus eventuais substitutos, incluindo seus impedimentos, estão precisamente definidas na Constituição e não podem ser redefinidas fora dela.
O Presidente não pode ser réu? Mas não há nenhuma regra para que os que possam suceder o Presidente não possam ser réus. A Constituição não diz isso e ninguém pode interpretar além da Constituição. Se, e quando, forem alçados à Presidência a regra se aplica, antes não. O Supremo não pode inventar impedimentos que não existem na Constituição. Nada na Constituição diz que o Presidente do Senado não pode ser réu. Durante seu mandato ele pode ser réu e deixar de ser, isso em nada afeta a Presidência mesmo porque a hipótese dele suceder o Presidente não está posta todo dia e quando for o caso ele estará impedido, mas NÃO ANTES.
As regras inventadas para criar impedimentos a eleitos são um velho truque da República. Com as regras visando a barrar "sujos" se controla o Poder no País.
A própria regra do Presidente réu já é em si absurda. Réu não é um cidadão julgado e condenado, é um mero figurante de um processo que se cria por vontade de um procurador e um juízo. com boas razões ou não, pode ser alguma bobagem, a escolha é subjetiva.
O impedido apenas está com um processo em curso, isso nunca deveria ser uma barreira, especialmente porque a Constituição não tematizou o delito. Alguém pode ser réu por lesões corporais culposas em um acidente de trânsito, em que isso impede o exercício de um cargo eletivo?  Se o sujeito é empresário ou fazendeiro a chance de ter processos na vida é enorme. Só pode ser imaculado funcionário público, cartorário ou professor, pessoal de  classe media que não opera no mundo dos conflitos. Um sujeito como o Presidente eleito Trump tem 75 processos de todos os tipos, não vai tomar posse?
Mas o perigo maior, de natureza política, é que essas sub-regras transferem poder dos eleitos para os não eleitos, qual seja para juízes e promotores. São estes que atribuem aos eleitos a condição de réu e estes também desqualificam os eleitos para exercer cargos, como fez a liminar do Ministro Marco Aurélio.
Quer dizer, o Poder Judiciário controla todas as fases do processo de retirada de direitos do eleito e do acesso aos cargos políticos. É uma transferência completa de Poder dos representantes da soberania popular para o poder sem voto, ferramenta que é inteiramente manejada pelo Poder Judiciário. Através do controle dos inquéritos e das denúncias pode-se governar o País, uma nova forma da Comissão de Verificação de Poderes.
Ao fim do dia transfere-se comando de fato do Poder Legislativo, com todos seus defeitos um poder aberto e eleito, para o Poder Judiciário, poder não eleito e fechado, (que) passa a decidir o destino de todos os eleitos porque tem a chave dos processos e, com eles, dos acessos.
Restabelece-se de fato a famosa Comissão de Verificação de Poderes do Senado Federal, instrumento do qual dependia a posse de quem fosse eleito, a grande arma do Senador Pinheiro Machado para mandar na República. (Repetindo:) O Senador encontrava algum defeito na vida do eleito e com isso fazia a chamada "degola", só entrava quem ele queria. Pinheiro Machado foi o Condestável da Republica especialmente nas Presidências de Nilo e Hermes, este último deveu sua vitória sobre Ruy Barbosa a Pinheiro. Sua influência e poder duraram desde quando foi Presidente do Senado, em 1903, e só acabaram com seu assassinato, a punhal, por Manso de Paiva, na porta do Hotel dos Estrangeiros onde morava, crime até hoje sem mandante conhecido - mas pode-se imaginar quais foram e por que razões.
A população ingenuamente não percebe quando ocorre esse jogo e no fim o País acordará comandado por não eleitos, donos dos instrumentos jurídicos que inabilitam qualquer cidadão para o cargo para os quais foram votados, afinal eles têm a espada que corta a cabeça do eleito. E a simples ameaça que essa espada representa já lhes dá o controle do Governo e do Congresso, tudo isso disfarçado do "combate à corrupção", velha bandeira que armou o braço de incontáveis tiranias pela História.
Lenda ou verdade, conta-se que Hermes da Fonseca, ao dar posse a Wenceslau Braz no Palácio do Catete, disse: "Olha, o Pinheiro é tão bom amigo que chega a governar pela gente".
Traduzindo: Quem controla o acesso ao Poder, controla o Poder.
(Fonte: aqui).

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"Olha, o Pinheiro é tão bom amigo que chega a governar pela gente".

Em consequência, aos bons amigos, tudo; aos inimigos... (as convicções cabais condenatórias... as omissões providenciais... as distorções propositais... etc etc).

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