sábado, 7 de janeiro de 2017

SOBRE A NÚMERO UM E SEU PADRÃO DE QUALIDADE VOCAL


Tautismo fonoaudiológico da Globo quer legitimar capitalismo de desastre

Por Wilson Ferreira

“O apresentador não pode representar as palavras. Tem de ser parcial e exprimir as ideias da empresa em que trabalha. Esse profissional tem de sentir a palavra na sua forma, mas a essência empregada vem da casa. Por exemplo, a palavra cadeira é dita da mesma forma por todo mundo, mas se ela é confortável ou desconfortável, é a empresa que vai dizer. Em qualquer emissora, os apresentadores são escravos, têm que parecer imparciais e, ao mesmo tempo, ser parciais, de acordo com a vontade da empresa”.
Essas palavras não foram ditas por algum semiólogo ou sociólogo da comunicação esquerdista que pretendia denunciar as manipulações na grande mídia. É a filosofia pragmática, dura e direta por trás do chamado “Método de Espaço Direcional” criado pela fonoaudióloga Glorinha Beuttenmüller - clique aqui.

Ela foi a preparadora da voz de mais de mil atores e atrizes do teatro e televisão. Mas, principalmente, foi a responsável pelo padrão da fala de repórteres, radialistas e âncoras da TV Globo.

Mais além, foi a responsável por aquilo que o publicitário Washington Olivetto, no documentário Brasil: Muito Além do Cidadão Kane (1992), chamou de substituição do português pelo “globês” – uniformizou a fala de repórteres e âncoras das afiliadas da Globo nas mais diferentes regiões do País, anulando sotaques e regionalismos.

Fonoaudióloga Glorinha Beuttenmüller

Em postagens recentes esse humilde blogueiro vem tentando fundamentar a hipótese de que a Globo foi acometida pela metástase do tautismo (autismo + tautologia): seja por defesa contra as ameaças externas (Internet e dispositivos móveis), seja como efeito do gigantismo e monopólio, a emissora fechou-se ao mundo exterior que existe do outro lado da sua cenografia, passando a interpretar a realidade a partir da descrição que a Globo faz de si mesma. 

(NOTA deste blog: Tautologiado grego ταὐτολογία "dizer o mesmo") é, na retórica, um termo ou texto que expressa a mesma ideia de formas diferentes. Como um vício de linguagem pode ser considerada um sinônimo de pleonasmo ou redundância. A origem do termo vem de do grego tautó, que significa "o mesmo", mais logos, que significa "assunto". Portanto, tautologia é dizer sempre a mesma coisa em termos diferentes.
Em filosofia e outras áreas das ciências humanas, diz-se que um argumento é tautológico quando se explica por ele próprio, às vezes redundante ou falaciosamente. Por exemplo, dizer que "o mar é azul porque reflete a cor do céu e o céu é azul por causa do mar" é uma afirmativa tautológica. Um exemplo de dito popular tautológico é "tudo o que é demais sobra". Da mesma forma, um sistema é caracterizado como tautológico quando não apresenta saídas à sua própria lógica interna. Fonte: aqui).

Destino manifesto


 Em postagem anterior constatamos que essa auto-imagem global fundamenta-se numa espécie de uma secreta crença num destino manifesto de que, se a História existe, é somente para criar acontecimentos para que a Globo possa transmiti-los. Mesmo que essa mesma História a contradiga, como no caso da “inesperada” vitória eleitoral de Donald Trump nos EUA e a resposta tautista da Globo em um processo de negação da realidade – clique aqui.

O tautismo contamina atualmente todos os setores da produção global: começou no telejornalismo das hardnews, para depois se expandir em metástase para a dramaturgia (clique aqui), jornalismo esportivo (clique aqui) e programas de entretenimento (clique aqui).

A dura franqueza profissional da fonoaudióloga Glorinha Beuttenmüller revela o início da relação tautista da Globo com a realidade: apresentadores não podem falar sobre a cadeira como ela é, mas como a empresa sente a cadeira - desconfortável ou não.

A novidade aqui é a descoberta das origens do tautismo na própria estética vocal: ressonância, ritmo, inflexão, velocidade da fala, qualidade vocal etc. O padrão Globo de qualidade vocal parece querer sempre comprovar o destino manifesto pelo qual a Globo se vê.

A estética vocal de apresentadores e locutores sempre parece sugerir o seguinte: “Vejam o que aconteceu, querido telespectador. Assim estava escrito!”. Como se os apresentadores da emissora apenas confirmassem algum destino há muito gravado com ferro e fogo na pedra da História desde tempos imemoriais.


Retrospectiva tautista


É sintomático que Cid Moreira, a referência vocal da emissora, tenha se tornado um apóstolo bíblico (gravou áudios de leitura da Bíblia para aplicativos de smartphones e vídeos da sua visita a Israel) e anunciou: “Vou levar o evangelho às pessoas até o último dia da minha vida”.

Um exemplo dessa inflexão de voz, por assim dizer, messiânica (o tautismo em delírio metastático) pode ser observada na chamada para a indefectível Retrospectiva 2016, com a voz do ator Milton Gonçalves.

 “Nasci em primeiro de janeiro já sob um ataque de mosquitos e fanáticos religiosos”, inicia a fala em tom de voz grave e impostado, com o acento vocal longo em artigos, principalmente “a” e “o”, no melhor estilo patibular de Cid Moreira.

O ano de 2016 já nasceu sob ataques, dando um tom profético do que aconteceria até o fim – “fim de uma era”, “perto de fim posso ver o fim da minha vida”, com voz como que embargada e vibrante, sempre no tom grave próprio da locução de sentenças, destinos e profecias.

É notório como ao longo do tempo as vozes de apresentadores globais vão se tornando cada vez mais graves, patibulares, lúgubres e soturnas ao longo do tempo na emissora. Seguindo, claro, o padrão canônico Cid Moreira.


Bonner, Waack e o capitalismo de desastre


William Bonner é um exemplo. Dos tempos de locutor da Rádio USP FM nos anos 1980 até tornar-se a nova voz da emissora no telejornal nacional da Rede Globo, seu tom assume uma progressiva gravidade na medida em que o projeto político da emissora prevê o abismo para o País – estética vocal obrigatória para narrar o projeto do chamado “capitalismo de desastre” (conceito criado pela jornalista canadense Naomi Klein) que ora se impõe ao Brasil como forma de exploração da crise mediante a renúncia forçada de direitos e conquistas trabalhistas e sociais.

William Waack é outro exemplo: dos tempos em que era um assustado correspondente internacional (chegou a ser feito prisioneiro por malvados iraquianos na Guerra do Golfo) até chegar à bancada do Jornal da Globo (local de arregimentação da moral da tropa oposicionista ao longo dos últimos anos), seu tom ficou cada vez mais lúgubre, grave e patibular na medida em que suas olheiras cresciam de tanto olhar de baixo para cima. Como se o tempo inteiro alertasse o incauto telespectador: “eu bem que avisei...”, variação do tautismo messiânico que contamina os jornalistas da casa.

Datena: locução também patibular, mas sem o verniz do "Método"

Outras emissoras tentam imitar o cânone global, porém sem o verniz do “Método”, descambando para o sensacionalismo popularesco de personagens como, por exemplo, José Luiz Datena, na Band: o olhar debaixo para cima entre injetado, esbugalhado e desconfiado com um tom de voz que não consegue chegar à gravidade religiosa global – ainda se perde na voz estridente protofascista do pânico que exige execuções sumárias.

Bonner e o cânone Cid Moreira são a estética mais bem aperfeiçoada do Método de Glorinha Beuttenmüller da narração aparentemente imparcial, cujas estratégias vocais subliminarmente transmitem a resignação própria do fatalismo e conformismo religiosos diante do desastre que é a “expressão das ideias da empresa” na qual trabalham  – o fatalismo do “assim estava escrito!” sobrepondo-se à simples e superada estética narrativa da “marcha das notícias” dos antigos cinejornais.

Dramaturgia da notícia


Cada vez mais a chamada das emissora estão sendo substituídas por atores, deixando de lado a voz padrão por décadas de Dirceu Rabelo – o que gerou protesto do sindicato dos locutores.

Em si, essa opção já é um sintoma do tautismo em expansão: a narração é substituída por uma espécie de “dramaturgia da notícia”.

Algumas vezes essa liturgia religiosa e messiânica da narração do capitalismo do desastre entra em contradição com a euforia de contentamento dos próprios jornalistas e apresentadores da emissora, felizes por, aparentemente, verem realizadas suas profecias infernais.

Eles riem do quê?

O final de ano de 2016 nas bancadas dos telejornais globais mostrou esse espetáculo constrangedor. Por exemplo, na última edição do ano do Bom Dia (?) Brasil Chico Pinheiro ensaiou passos de mestre sala no estúdio ao lado de uma efusiva Ana Paula Araújo. Enquanto num link ao vivo com o estúdio do SP TV víamos um Rodrigo Bocardi sem paletó e gravata,  contagiante, segurando com a mão o microfone de lapela e declamando cacos de alegria.

Todos rindo do quê, depois da pauta do capitalismo de desastre sempre em profético tom apocalíptico? Parece que o autocontentamento em ao mesmo tempo cumprir “as ideias da empresa em que trabalham” e ver a “realidade” confirmar suas narrações patibulares levaram a uma explosiva e incontida alegria.

Bem, pelo menos eles ainda têm emprego...  -  (Fonte: AQUI).

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Comentários interessantes sobre o texto acima podem ser lidos AQUI.

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A propósito, vale conferir:

(1)

JORNALISTA DEMITIDO APÓS CRITICAR GOVERNADOR DO AM JÁ VINHA SOFRENDO CENSURA

O jornalista Clayton Pascarelli, demitido na quarta (4) da bancada do Bom Dia Amazônia, já vinha sofrendo, desde o ano passado, pressão de dirigentes da filial da Globo para cessar críticas a políticos do governo estadual e da prefeitura da capital.
GGN confirmou que a saída de Pascarelli do programa que apresentava havia quatro anos teve dedos do governo José Melo, que não aceitou o comentário feito pelo jornalista durante o programa transmitido na edição matinal de terça-feira (3), um dia após a rebelião no Compaj, que deixou 56 mortos.
Melo convocara a imprensa para informar que adotaria um pacote de medidas duras para tentar controlar o sistema penitenciário. A primeira medida, segundo o governador do Pros, seria "acabar com as regalias dos presos".
No ar, a companheira de bancada de Pascarelli, Luana Borba, indagou se a expressão era adequada. O apresentador, por sua vez, finalizou a veiculação da matéria com a seguinte frase: "Deste governo, nada me assusta mais."
Pascarelli recebeu o aviso de que não mais apresentaria o Bom Dia Amazônia por volta das 19h daquele mesmo dia. Ele também foi avisado de que o diretor Aluísio Daou, diretor e vice-presidente da Rede, queria conversar, mas a agenda não aconteceu.
Um dos gerentes de Pascarelli deixou claro que a demissão se deu por conta dos comentários sobre política. 
(Para continuar a leitura, clique AQUI).
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(2)

Chico Pinheiro encerra 'JN' dando 'graças a Deus que hoje é sexta-feira'


O apresentador Chico Pinheiro encerrou o “Jornal Nacional” desta noite do modo que todo mundo se sente quando encerra o expediente ao fim de uma semana. “Graças a Deus que hoje é sexta-feira. É vida que segue”, disse o jornalista ao fim do noticiário em vez de usar o tradicional "boa noite".
O jornalista, que está na bancada do “Jornal Nacional” como substituto de William Bonner, costuma usar o bordão no “Bom Dia Brasil”, mas a saudação foi aprovada na web.

Além do "graças a Deus", Pinheiro também deixou o cenário do "JN" fazendo o sinal de "paz e amor". (AQUI).
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