sábado, 6 de junho de 2015

EUA: O ATO PATRIÓTICO E A MANIPULAÇÃO DO MPF


O maior escândalo da história do Ministério Público Federal dos EUA

Por Diogo Costa

No dia 11 de setembro de 2001, houve o atentado contra as Torres Gêmeas e contra outros prédios nos EUA. A resposta ao terrorismo praticado veio na forma da promulgação do chamado Ato Patriótico, em outubro de 2001.

Esse ato permitiu uma escalada sem precedentes na flexibilização de direitos e garantias civis, ao abrir espaço para a interceptação telefônica e telemática sem autorização judicial, além de dar um verniz legal a práticas de tortura contra pessoas suspeitas de terrorismo. Houve também a quebra da Convenção de Genebra, em relação aos prisioneiros de guerra, e várias outras implicações.

O ato expiraria ao final de 2005, mas foi renovado pelo Congresso norte-americano, sendo promulgado pelo presidente George W. Bush em março de 2006. Nesta renovação do Ato Patriótico, entrou a mão de gato. Uma das cláusulas inseridas no texto pelo senador republicano Arlen Specter dava poder total ao Departamento de Justiça (similar ao Ministério da Justiça) e ao presidente para demitir e nomear procuradores federais a seu bel prazer, sem a anuência do Senado.

Essa cláusula passou despercebida, até que a rede ABC News mostrou e denunciou uma série de emails, em março de 2007, nos quais o principal estrategista político de George W. Bush, sr. Karl Rove, que o acompanhava desde os tempos de governador no Texas, aparecia trocando mensagens com Alberto Gonzales, então Conselheiro da Casa Branca.

Karl Rove era vice chefe do Estado Maior e Conselheiro Superior da presidência da república na época dos fatos. A troca de emails houvera sido feita em janeiro de 2005, e nela os senhores Karl Rove e Alberto Gonzales, além de outras figuras importantes do governo Bush, planejavam a troca de procuradores federais que não rezavam pela mesma cartilha do governo republicano.

Alberto Gonzales, que foi o principal responsável por justificar juridicamente as arbitrariedades do Ato Patriótico, chegou a colocar como pré-condição, para a sua chegada ao Departamento de Justiça e ao cargo de Procurador-Geral dos EUA (lá a função de Ministro da Justiça e de Procurador-Geral é exercida pela mesma pessoa), a possibilidade de demitir procuradores de orientação liberal, com vínculos políticos maiores junto ao Partido Democrata.

Dito e feito. Alberto Gonzales substituiu o antigo Procurador-Geral, John Ashcroft, em fevereiro de 2005. A partir de março de 2006, com o Ato Patriótico devidamente renovado, e contando com a cláusula "mão de gato" inserida no texto, Alberto Gonzales começou a colocar em prática o plano arquitetado em janeiro de 2005.

Uma ordem escrita revelou que, em março de 2006, Gonzales ordenou ao seu chefe de gabinete, Kyle Sampson, e à conselheira Monica Goodling a demissão de 135 pessoas tidas como inimigas políticas da administração George W. Bush. A demissão dos procuradores federais começou em dezembro de 2006. No total, foram demitidos oito procuradores federais e, a partir da denúncia da ABC News, o Congresso dos EUA iniciou as investigações.

O presidente George Bush, o Procurador-Geral e chefe do Departamento de Justiça, Alberto Gonzales, e o estrategista Karl Rove, foram acusados de utilizar de má-fé a cláusula inserida na renovação do Ato Patriótico, e de politizar o Ministério Público Federal para blindar membros do Partido Republicano de investigações que vinham sendo feitas pelos procuradores federais demitidos em dezembro de 2006.

O maior escândalo da história do Ministério Público norte-americano teve como consequências as saídas de Alberto Gonzales e de Karl Rove da administração de George W. Bush, em meados do ano de 2007.

Além de perder os seus dois 'braços direitos', Bush viu o Senado aprovar a supressão da "emenda mão de gato", ainda em março de 2007, por acachapantes 94 votos favoráveis e apenas dois contrários. Uma semana depois, com nova votação acachapante, a Câmara dos Deputados também aprovou a derrubada da cláusula que dava poderes ilimitados ao Departamento de Justiça e ao Procurador-Geral, com 329 votos favoráveis e apenas 78 contrários.

O texto final foi aprovado por sessão conjunta do Congresso, em maio, e em junho de 2007 o presidente da república se viu na iminência de promulgá-lo. E assim o fez. A aventura autoritária de dar plena liberdade para a nomeação e demissão de procuradores federais, por parte do presidente e do Procurador-Geral, enfim chegava ao seu término. Aventura que durou, felizmente, apenas um ano e três meses.

Hoje, como é de praxe na história dos EUA, os procuradores federais só podem ser nomeados ou demitidos com a anuência do Senado. Raras são as vezes em que há demissões de procuradores, muito menos demissões em massa. Até porque a vigilância do Senado é ferrenha, diferente da vigilância do Senado brasileiro, que pouco cumpre o seu papel de fiscalização.

Em linhas gerais este foi o caso mais emblemático e rumoroso da história do Ministério Público Federal dos EUA, quando um governo pretendeu politizar a categoria e demitir em massa procuradores federais não alinhados, além de blindar membros do partido dos eventuais plantonistas do poder.

A patranha durou pouco. Mas o suficiente para que o Congresso daquele país agisse rapidamente para estancar a aleivosia praticada.

Aqui no Brasil algumas pessoas imaginam que o presidente dos EUA manda e desmanda no Ministério Público. Em primeiro lugar, as estruturas de Brasil e EUA são diferentes.

Em segundo lugar, em que pese poder nomear o Procurador-Geral, o presidente dos EUA não tem poder direto sobre os procuradores federais. Estes, como no Brasil, têm autonomia de investigação. E só podem ser admitidos ou demitidos com a anuência do Senado, algo que raríssimas vezes ocorre, como foi dito anteriormente. (Fonte: aqui).

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Nos EUA, a politização e manipulação do MPF pelo governo Bush acabou dando com os burros n'água, e nem mesmo o argumento da segurança nacional foi capaz de 'justificar' a manobra praticada pelo Partido Republicano.
Quanto ao Ato Patriótico, o curioso é ver os correspondentes de canais brasileiros sustentando que a espionagem desbragada e fora de controle se restringia a alguns segmentos, quando há tempos é notório o conhecimento da ação ilimitada da inteligência americana no mundo inteiro (a propósito, por onde anda Edward Snowden? ). 'No papel', com o fim do Ato, a espionagem passará a depender de autorização judicial, caso a caso. Ao menos no território norte-americano...

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