quinta-feira, 19 de outubro de 2017

QUATRO AUTORES ESQUECIDOS


Quatro autores esquecidos pelo país dos modismos

Por Carlos Motta

Neste país destroçado pela realidade da injustiça, desigualdade social, interesses dos poderosos e impunidade para os verdadeiros criminosos, refugiar-se na ficção talvez seja uma atitude, se não sábia, ao menos compreensível, e de certo modo paliativa para as dores provocadas por este momento trágico.

Devorador de livros desde o primeiro que meus olhos de criança avidamente percorreram, o imortal "A Ilha do Tesouro", de Robert Louis Stevenson, tive outro dia a vontade irrefreável de encontrar, entre as pilhas ocultas num armário, algumas obras de determinados autores brasileiros, lidas há um bom tempo, mas que nunca fugiram da memória.

Por fim, não sei quantos minutos depois, lá estavam elas, devidamente separadas de tantas outras de boa e má literatura, que voltaram ao seu semiesquecido lugar: "O Amanuense Belmiro", de Ciro dos Anjos, "Saltimbancos", de Afonso Schmidt, e "O Professor Jeremias", de Leo Vaz, três edições da inesquecível Coleção Saraiva, que ousou, com o Clube do Livro, popularizar a leitura num Brasil que deixava os traços rurais, lá pelos anos 40, 50 e 60 do século passado.
As três são obras de alto nível artístico, embora seus autores sejam hoje praticamente ignorados pela indústria livreira e pelo minúsculo público que a movimenta.
De maneiras distintas, nos dão uma ideia de como era o Brasil de quase um século atrás, de como viviam as pessoas comuns - funcionários públicos, artistas mambembes -, com seus pequenos dramas e aflições, pequenas tragédias que se tornam imensas tal a incapacidade de seus indefesos protagonistas lutarem contra elas, e que os subjugam a uma existência na qual as minúsculas conquistas são celebradas como vitórias magníficas.
Animado pela experiência de reler esses clássicos menosprezados pelos modismos, fui atrás de outro autor do mesmo quilate, que encontrei nesses admiráveis sebos virtuais, Galeão Coutinho, outra estrela da Coleção Saraiva.
E dele li "Vovô Morungaba", obra de prosa ágil, coloquial, cheia de humor, um bom exemplo da literatura picaresca, que, como os outros três, pinta um retrato precioso do Brasil dos anos 1930, e mais especificamente, da São Paulo que iniciava a sua trajetória para se tornar a assustadora e problemática metrópole de hoje.
É uma pena que esses quatro autores - como tantos outros - tenham sido apagados do cenário artístico brasileiro, seguindo a lógica de uma indústria cultural que visa apenas o lucro fácil das estrelas fugazes.
Mas, como se sabe, tudo isso não tem nenhuma importância neste país em que a ignorância é posta num altar e a inteligência é perseguida como inimiga a ser destruída.  -  (Fonte: aqui).

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"...tive outro dia a vontade irrefreável de encontrar, entre as pilhas ocultas num armário, algumas obras de determinados autores brasileiros, lidas há um bom tempo, mas que nunca fugiram da memória." 

Confesso: essa vontade também me ocorre, e também a lembrança de lugares em que procurava o que ler, como o Arquivo Público, mantido pela prefeitura de Piracuruca-PI, cidade onde eu e familiares vivemos anos felizes. Antes, havia ganho de presente, de meu pai, a chave da estante de casa;  no Patronato Irmãos Dantas, onde estudei, tinha acesso a bons - porém escassos - livros. Mas os gibis, sempre presentes, em momento algum perderam a magia. (A propósito, "A ilha do tesouro", livro que marcou o cronista Motta, foi vertida para os quadrinhos...).
Após os 'anos felizes', e da entrada em cena da imprensa alternativa, jornalões e revistonas, dos livros técnico-jurídicos, eis que irrompe no horizonte a tal internet - e com ela a submissão quase total deste escriba, ainda mais nesses tempos tão conturbados.

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