sexta-feira, 31 de dezembro de 2021
ELES DISSERAM E/OU CANTARAM
A LEITURA DO CONSTITUCIONALISTA STRECK SOBRE O FILME "NÃO OLHE PARA CIMA"
O filme? Sem spoiler, cientistas descobrem um cometa que destruirá a terra. Sabem até o dia e a hora. Mas como contar isso ao mundo para que autoridades, mídia e a malta levem a hecatombe a sério? Como Cassandra deixa de ser?
Em tempos de narrativas, um cometa real, do tamanho do Everest, é transformado em meme. O caos vira brincadeira tik tok. Bem assim. Pior: como que a provar o acerto do filme, muitos néscios interpretam o filme como se desse razão aos negacionistas. Incrível. Uma espécie de "Roger-a-Gente-Somos-Inútil-Effect".
Como na vida real, tudo pode ser transformado em mercadoria, em laiques, em produto de influencers. Nota: aqui completo dez linhas. Quem não consegue ler mais do que isso, já antecipo um Feliz Ano Novo.
Para os demais, sigo. O sujeito está caindo sem paraquedas, é avisado disso e responde: "— isso é na sua opinião". A distopia de MacIntyre foi captada por McKay. O Know Nothing (Saber Nenhum) venceu.
Os negacionistas, mesmo diante dos dados científicos sobre o cometa assassino de planetas, dão a seguinte solução: "não olhe para cima". Pronto. Solucionado está. O que os olhos não veem, o cometa derruba. Mas é só não ver.
Vejam: há os cientistas que descobriram o cometa; e há os que pegaram carona na descoberta... Há os que vasculham telescópios; há os que não vasculham. Mas falam que vasculham. Enfim, como na vida real. No Direito também é assim.
Eis os tempos em que vivemos. O diretor do filme pegou bem o busílis. Pandemia? Aha, não vem como esse papo. Comprar vacina? Não, vamos usar cloroquina. Cloriquejandices.
Aliás, no filme, em vez de tentarem destruir o cometa (vacina), o maior empreendedor do mundo "convence" o governo de que ele pode resolver tudo com Inteligência Artificial (kit cloroquina). Pois é. Há ecos em outras áreas... Algo como o "FATOR NAVAH": em hebraico antigo, significa "dar existência a coisas que não existem" (e tornar inexistentes coisas que existem). Antes de Platão, ali já estava a denúncia de ficções e coisas fake.
Ciência? Para quê? Mais ou menos como os negacionismos no Direito. Por que um terraplanista não vai até a borda do mundo e tira foto para demonstrar sua tese? Simples: É que o terraplanista prefere ficar fazendo narrativas. Vive disso. Porque não há a realidade que diz que há. Se dois jornalistas discutem se está chovendo, cada um escreve seu texto. Mesmo que ambos saiam para verificar, um deles, molhado, volta e diz: "— A chuva é uma questão de opinião". Lembram de um jornalista quem disse que sete votos do STF não eram sete votos? Nem a matemática resiste ao narrativismo. Outra nota: para quem assistir o filme Não Olhe Para Cima, vai um aviso: depois dos letreiros, tem uma cena magnífica que ilustra isso que estou dizendo...!
Assim é no Direito. O meio ambiente vai sendo degradado. Bernd Rüthers denuncia isso com o nome de "degeneração". Mas o que importa é a narrativa. As prisões estão lotadas. Mas não adianta mostrar as prisões. A narrativa cobre tudo. Solução: vamos endurecer as leis. Em vez de investir na educação, aumentemos o orçamento das forças policiais. Não olhe para a Constituição. Não olhe para a educação. Olhe o programa do Datena. E do Ratinho. Tem que prender mais, matar mais. Porque sim. Dane-se a CF. Dane-se a Lei de Hume. Tiremos nossos "deve" de um "é". E não olhemos para cima.
Não olhe para a democracia — é filigrana (sic) — e para o Estado Democrático de Direito (só é bom se me serve; algo como a prescrição). Olhe para as redes sociais que querem a ditadura. Não olhe para livros complexos que tratam do Direito. Não "olhe" textos com mais de dez linhas. Olhe coisas tik tok. Olhe para os textos curtinhos que dizem que "garantias processuais são patologias". Isso dá laiques.
Do mesmo modo, lanço aqui um desafio. Todo o sujeito que estudou direito minimamente (mesmo que seja na faculdade do balão mágico) e que tenha alguma vez assumido a defesa de um algum cliente (mesmo sendo um parente chato e pro bono) está desafiado a mostrar sua petição ou a defesa que fez para seu cliente. Se não usou as técnicas processuais (preliminares de competência, prescrição, decadência, etc, alegação de ilicitude probatória, testemunha inidônea, parcialidade do juiz, negativa de autoria, exceção da verdade, etc) das duas uma: ou é um advogado charlatão que "entregou" seu cliente ou o processo, se criminal, foi declarado nulo (réu sem defesa). Tertius non datur.
Um Direito sem processo (tão odiado ultimamente) é como um médico que quer tratar seus pacientes com frutas e verduras... para doenças que exigem... antibióticos. Vacinas? São fruto de conspiração. Um cometa vem arrasar a terra? Isso é na sua opinião. Não olhe para cima. Não olhe para a ciência.
"— Não olhe para a Constituição, para o procedimento, para as garantias". O problema é que, quando for você precisando delas, talvez o cometa já tenha chegado.
Um recado para professores de Direito, bacharéis, jornalistas e jornaleiros: não existe democracia sem garantias processuais. No mundo todo. E, atenção: isso não é assim por que é minha opinião. Não. Isso é científico.
TEMPO DE INTEMPÉRIES
O IRÔNICO DESTINO MEDIA LIFE DO FILME "NÃO OLHE PARA CIMA"
Para a crítica especializada norte-americana, o diretor, roteirista e produtor Adam MacKey é o “profeta da raiva” – em seus filmes ele sempre parece estar furioso com o estado da nação. Por quê? Porque todos sempre parecem estar anestesiados ou indiferentes a alguma ameaça catastrófica que se aproxima. Todos parecem tão perdidos na exuberância da riqueza, poder, prazer ou nas suas teias de conflitos pessoais que simplesmente ignoram qualquer evento externo às suas bolhas.
Foi assim no filme A Grande Aposta (2015) no qual quatro clarividentes do mercado financeiro resolvem apostar contra a exuberância do mercado imobiliário, a bolha que iria explodir em 2008, sob a descrença generalizada de todos – como investir contra a instituição mais sólida do país?
Também é assim na série Sucession (2018- ): uma família está tão imersa nos conflitos familiares da sucessão do controle de um dos maiores e mais tradicionais conglomerados de comunicação, que simplesmente subestima ou não consegue compreender a ameaça das rápidas transformações tecnológicas que poderão destruir os negócios da família.
Da mesma forma é a corrosiva sátira Não Olhe para Cima (2021): um enorme cometa destruidor de planetas se aproxima em rota de colisão da Terra, mas todos estão tão imersos na cultura de clickbaits, memes, celebridades e polarizações políticas nas mídias sociais que a própria percepção do que seja realidade foi relativizada – e se o cometa for também mais uma dessas iscas para gerar clicks e receitas on-line?
É claro que a resposta coletiva para uma catástrofe astronômica que velozmente se aproxima será a pior possível.
Porém, o mais irônico é que o próprio filme de Adam MacKay pode ser considerado um cometa que veio diretamente de um estúdio cinematográfico em rota de colisão com o planeta mídia, enredado na malha semiótica das redes sociais e mídias de massa.
A crítica norte-americana recebeu Não Olhe para Cima ou com indiferença (um filme insosso ou monótono cujo único ponto alto é ver Leonardo Di Caprio histérico gritando “vamos todos morrer!”), crítica estética (um elenco estelar desperdiçado) ou simplesmente um conjunto de piadas mal-feitas nas quais o diretor não deixaria nenhum bom momento ser desenvolvido até o fim.
Quem sabe, porque as cabeças pensantes liberais dos EUA estejam aliviadas depois de Trump ter sido derrotado pelo democrata Biden e, talvez, achem que o tema de Não Olhe para Cima já não é mais urgente. Está ultrapassado.
Para o público dos EUA, o filme seria uma óbvia crítica ao negacionismo das mudanças climáticas e o cometa uma poderosa metáfora para o apocalipse ambiental que nos espera se não fizermos nada.
E aqui no Brasil, as redes sociais ficaram em polvorosa ao ver no filme o perfeito retrato da realidade política brasileira. Seria possível ver em todos os atores os personagens do drama político brasileiro do negacionismo da pandemia: a presidenta Merryl Streep emulando Bolsonaro; seu filho assessor na Casa Branca como Carluxo; Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence representando a dupla de cientistas Atila Iamarino e Natália Pasternak desesperados tentando alertar a todos através das mídias, e assim por diante.
Ok! Mas parece que Adam Mackay está sendo vítima daquilo que sua raiva pretende denunciar: o fenômeno tautista do “media life”, conceito criado pelo pesquisador Mark Deuze. Para ele, não vivemos mais com as mídias (como era na cultura das celebridades do século XX), mas vivemos nas mídias – nossas relações com as mídias se tornaram onipresentes, universais, quase codificando os nossos genes – Leia DEUZE, Mark, Media Life, Polity Press, 2012.
“Gostemos ou não, todos os aspectos de nossas vidas têm lugar nos meios de comunicação”, afirma Deuze.
O media life seria o cúmulo de um fenômeno que atinge todos os sistemas tecnológicos: o tautismo (tautologia + autismo midiático) – tendência autopoiética dos sistemas fecharem-se em si mesmos, tornando-se autônomos e autossuficientes. O mundo exterior até existiria, mas ele seria filtrado através da descrição que o sistema faz de si mesmo.
A ironia na recepção do público a Não Olhe para Cima está justamente na ilusão de exterioridade: o filme supostamente seria uma “crítica” à nossa realidade política. Não! O que a raiva de Adam MacKay mira é nessa rede semiótica midiática (mídias de massa + sociais) através da qual pensamos que fazemos uma “crítica à realidade”.
O Filme
Essa produção Netflix gira em torno de um cometa que ruma rapidamente em direção da Terra. É um pouco maior do que o meteoro que exterminou os dinossauros e, de acordo com as pessoas que o descobriram pela primeira vez - a estudante de PhD do estado de Michigan, Kate Diabiasky (Jennifer Lawrence) e seu professor, Dr. Randall Mindy (Leonardo DiCaprio) - atingirá o nosso planeta em cerca de seis meses e causará um evento de nível de extinção.
Junto com o Dr. Oglethoper (da agência de Defesa Espacial), a dupla de cientistas tenta alertar o presidente Orlean (Meryl Streep) sobre o iminente “evento de extinção”, apenas para tomarem um longo chá de cadeira. Para depois encontrá-la mais preocupada com as eleições de meio de mandato ao lado do indiferente filho Chefe do Gabinete Jason (Jonah Hill). Para Orlean, a imagem do cometa é muito “feia” para a opinião pública.
Vendo que da presidenta Orlean (uma pitada de Hillary Clinton com colheres cheias de Trump) nada conseguirão, fazem a pior escolha possível: anunciar a verdade para o mundo num telejornal matinal de notícias e entretenimento (infotenimento) dos âncoras Jack e Brie (Tyler Perry e Cate Blanchett) que sempre procuram o viés positivo nas más notícias.
Kate e Dr. Mindy ficam perplexos quando o telejornal transforma iminente extinção da humanidade numa “curiosidade científica”, num quadro do programa que sucede a fofocas da vida de celebridades.
Kate explode de raiva no programa, para ser rotulada como louca e se transformar em meme na Internet. Enquanto Dr. Mindy se torna a parte aceitável da Ciência: se perde no caminho, para ter um caso com Brie, perder sua esposa e filhos e se corromper no mundo dos influenciadores digitais.
Tudo muda para ainda pior quando Orlean vê interesse estratégico político em reconhecer a existência do cometa – um escândalo envolvendo seu partido na disputa eleitoral exige algum acontecimento para desviar a atenção do público. Transforma o lançamento de ônibus espacial para destruir o cometa num evento patriótico – levando um general idiota de extrema-direita que acha que destruirá o cometa apenas com rajadas de metralhadora no espaço.
Até tudo ser cancelado com a entrada de um novo personagem híbrido: o bilionário de uma Big Tech do Vale do Silício chamado Mark Rylance (Peter Isherwell, numa mistura de Steve Jobs com Elon Musk) que vê no cometa a oportunidade fantástica de lucros (US$140 trilhões de ativos na forma de minério de matéria-prima para a indústria eletrônica). Decide minerar o objeto celeste com robôs, antes de destruí-lo.
O problema é que o tempo é exíguo, enquanto acompanhamos nas redes sociais um fenômeno ainda pior que das fake news: a pós-verdade. A transformação da dupla de cientistas Dr. Mindy e Kate em memes-celebridades e a polarização política nas redes transformando qualquer fato científico em opinião ou viés.
No pouco tempo que falta para a humanidade fazer alguma coisa a respeito, as pessoas ficam grudadas em seus celulares não levando nada a sério. Pesquisas sobre a porcentagem das pessoas que acreditam ou não na existência do cometa viram discussões intermináveis nas mídias, minando a verdade científica e, o que é pior, a própria metodologia científica através da qual se constrói a verdade.
Pateticamente Dr. Mindy reivindica “revisão entre os pares” de instituições científicas como única forma de tornar mais precisos os dados sobre o cometa. Mas todos ao redor estão mais preocupados no rendimento midiático de pesquisas de opinião, alcance dos memes e as curtidas em “lacrações” nas mídias sociais.
Acertadamente, Não Olhe para Cima descreve como o relativismo radical da pós-verdade está na base da onda negacionista: afinal, quem o cientista pensa que é para querer impor sua “opinião”?
O destino irônico de Não Olhe para Cima – alerta de spoilers à frente
Mesmo quando o cometa se torna visível a olho nu, a presença ameaçadora no céu não é o suficiente para romper a rede semiótica na qual todos estão imersos. Nas mídias sociais, Kate exorta as pessoas a “olharem para cima”. Frase que apenas provoca reação polarizada negacionista para as pessoas fazerem o contrário. Como o faz a presidenta Orlean, conclamando aos eleitores “olharem para baixo e seguir em frente”, isto é, desde que votem em seu partido...
O panorama descrito pelo filme é tão tragicômico que mesmo no underground de jovens insatisfeitos, a indignação sincera de Kate transforma-se em memes ou ícones impressos em adesivos de skates. Até mesmo a “resistência” é prisioneira da matrix semiótica.
Aliás, o personagem de Jennifer Lawrence é a única coisa real no filme, aquela que entende realmente o que vai acontecer e está genuinamente assustada, enquanto Dr. Mindy está momentaneamente anestesiado pela máquina midiática de fazer celebridades instantâneas.
Portanto é irônico ver que o destino do filme no mundo não-ficcional é o mesmo do cometa dentro da narrativa ficcional: nas suas respectivas bolhas virtuais, cada um dá o seu “pitaco”: críticos veem um elenco estelar desperdiçado em “piadas incompletas”; no Hemisfério Norte, uma tragicômica metáfora do negacionismo climático e antivacina; e aqui abaixo do equador, a incrível coincidência de todos os personagens ficcionais representarem os protagonistas da tragédia do negacionismo político de Bolsonaro e de seus haters de extrema-direita.
E a ironia é também ver os mesmos personagens que viraram memes no filme, também virarem memes de Bolsonaro, Carluxo, Italo Iamarino etc. no mundo não-ficcional. A realidade imita a ficção na hiper-realidade.
Não foram Trump, Steve Bannon, Bolsonaro e Olavo de Carvalho que criaram a pós-verdade. Foi o caldo cultural relativista das tecnologias de convergência, o objeto do filme de Adam MacKey. Esses personagens da extrema-direita alt-right apenas se aproveitaram desse contexto tecnológico para criarem a bomba semiótica das fake news.
O que Não Olhe para Cima está raivosamente satirizando é justamente essa “media life” que envolve todas essas bolhas interpretativas. Embora Mark Deuze acredite que seja impossível encontrar um lado externo dessa matrix semiótica na qual estamos imersos, Adam MacKay o procura desesperadamente.
Para ele, somente será possível na proximidade da destruição do próprio planeta. Só então “a ficha cairá”. É exatamente isso que acompanhamos nas sequências finais. Dr. Mindy reconcilia-se com sua esposa e revê seus filhos e todos, juntos com Kate e Dr. Oglethoper, fazem a última ceia antes do fim do mundo.
“O problema é que nós realmente” - ele faz uma pausa - “nós realmente tínhamos tudo, não é? Quero dizer, se você pensar sobre isso”, reflete Dr. Mindy a certa altura. Na sequência anterior, enquanto pegava produtos no mercado para a ceia, ele descobre o quão diferente é o salmão industrializado do natural.
Em Não Olhe para Cima o vislumbre de que existe algo real fora da nossa matrix semiótica somente seria possível nos momentos que antecedem o fim de tudo. Talvez, esteja aí a raiz imaginária do atual zeitgeist sobrevivencialista: somente na ameaça da perda do objeto amado é que o descobrimos e passamos a verdadeiramente desejá-lo. - (Fonte: Cinegnose - Aqui).
Ficha Técnica |
Título: Não Olhe para Cima |
Diretor: Adam MacKey |
Roteiro: Adam MacKey, David Sirota |
Elenco: Leonardo DiCaprio, Jennifer Lawrence, Meryl Streep, Cate Blanchett, Tyler Perry, Rob Morgan |
Produção: Bluegrass Films, Hyperobject Industries |
Distribuição: Netflix |
Ano: 2021 |
País: EUA |
quinta-feira, 30 de dezembro de 2021
ELES DISSERAM E/OU CANTARAM
DIÁRIO DO BOLSO D'ANTONTEM
Por José Roberto Torero
Pô, eu passo o ano todo fazendo comício, motociata e live, e ainda querem estragar meu reveiom? Nãnanina! No tocante a feriado, eu vou aproveitar o máximo que der. Ainda mais que a desgraceira foi lá na Bahia, que é terra do PT.
O que eu podia fazer, já fiz: mandei dois ministros meus pra lá, pra eles fazerem aquele voozinho de helicóptero e dizer “estamos tomando providências”. É o que dá, talkei?
O Molusco, na maior cara de pai, pediu que o Exército vá lá ajudar. Mas não vai dar. É que o Exército gastou mais de R$ 500 mil de dinheiro pro combate à covid em picanha e camarão. E entrar na água depois de comer muito dá indigestão, kkk!
Aqui em Santa Catarina eu também tô na água. Só que pescando e andando de jetski, kkk!
Aliás, eu fiz muito bem acabando com a taxa de importação de jetski e barco a vela. Agora o pessoal lá daquelas setenta cidades vai ter como andar pelas ruas alagadas, kkk!
Ah, Diário, fazia tempo que eu não soltava três kkks seguidos. Essas minhas férias vão custar mais de um R$ 1 milhão pro país, mas vão me deixar de bom humor. Vale a pena ou não vale? - (Fonte: Boletim Carta Maior - Aqui).
FLAGRANTE DO SUFOCO
RESISTÊNCIA NAS MONTANHAS DO LESOTO
Mantoa já havia perdido marido, filha e netos, e acaba de receber a notícia da morte do filho nas minas da África do Sul. O corpo chega para ser enterrado. A partir daí, ela resolve empenhar suas forças em dois objetivos: preparar seu próprio funeral, começando por achar alguém que cave a sua cova, e liderando a resistência da aldeia contra o realocamento. Sua bandeira é não mexer com os mortos que estão enterrados ali.
Nazaretha era conhecida antigamente como Planície das Lamentações, pois servia de cemitério para as vítimas da peste na região. Depois vieram guerras e os mortos foram muitos. Ali estão enterrados os parentes dela e de todos. A nós, essa mulher parece um cruzamento das personagens de Sônia Braga em Aquarius e Bacurau, acrescidas de uma camada espiritual. Ela personifica a ligação dos aldeões com a terra.
O diretor Lemohang Jeremiah Mosese nasceu no Lesoto e vive em Berlim desde 2012. Foi poeta e desenhista antes de entrar para o cinema. Diz-se influenciado por A Paixão de Joana d'Arc, de Dreyer. A veterana atriz sul-africana Mary Twala Mhlongo (1939-2020) impressiona com uma performance hierática que lembra algum totem de arte africana. Seus traços duros e marcantes são frequentemente constrastados com fundos de cores fortes (como o azul das paredes e do cortinado de sua casa) ou com as luzes alaranjadas que iluminam os interiores.
As belas paisagens do Lesoto estão sempre presentes, muitas vezes com o céu ocupando a maior parte da tela – o que entendi como um indicativo da prevalência do mundo espiritual sobre o terreno. A trilha atonal do japonês Yu Miyashita ajuda a deslocar o filme de um modelo de dramaturgia tradicional para um campo de relações mais alusivas, sem causas e efeitos muito claros. É bom, portanto, desapegar-se de exigências mais convencionais e deixar-se levar pelo relato fragmentado que parece vir das liberdades da tradição oral.