Duke.
O recém-empossado ministro Torquato Jardim sustenta ser favorável ao fim do foro por prerrogativa de função (foro privilegiado) - ora em discussão no Supremo - porque, na primeira instância, abre-se a possibilidade de recursos a instâncias superiores, ao passo que em vindo a causa a ser julgada desde logo no STF (quando for o caso), a desvantagem é que o julgamento final se esgota ali mesmo. Mas o senhor Jardim esqueceu o grande 'mérito' do foro privilegiado: a prescrição, desfecho de muitos dos casos sub judice.
Tão importante como o acima exposto talvez seja a observação do ministro Gilmar Mendes, em aparte ao ministro Barroso, relator do processo sobre o foro por prerrogativa de função: Mendes lembrou que, ao se louvar a agilidade da primeira instância, leva-se em conta a performance do juiz Sérgio Moro na república de Curitiba; entretanto, observa o ministro, a realidade da primeira instância é bem outra, bastando ver os milhares de presos que abarrotam prisões Brasil afora - sem obediência à garantia do devido processo legal.
Enquanto isso, o Senado acaba de aprovar, por 69 X 0 (1 abstenção), o fim do foro privilegiado, mantendo-o tão somente para presidentes dos poderes - e preservando a imunidade parlamentar. (Mas a questão, no âmbito do Legislativo, ainda tem muito o que andar).
quarta-feira, 31 de maio de 2017
XADREZ DA DISSECAÇÃO DO ACORDO DE DELAÇÃO DA JBS
Por Luis Nassif
Teoria do Fato é um método de investigação que o Ministério Público Federal introduziu na Lava Jato. É um nome vistoso para uma metodologia utilizada empiricamente por repórteres na cobertura de casos complexos.
Trata-se de montar uma narrativa com um conjunto de deduções amarradas a algumas informações objetivas.
Vamos montar nossa Teoria do Fato sobre o acordo de delação da JBS.
Movimento 1 - Janot e a Operação Norbert
Fatos: No dia 2 de janeiro de 2015 o GGN (blog Jornal GGN) divulgava em primeira mão a ação penal 209.51.01.813801- que mofava desde 2010 na gaveta do PGR – na época era Roberto Gurgel (https://goo.gl/kd7LeA). Na noite do jantar de posse de Dilma Rousseff, antes de publicar a matéria, cobrei de Janot posição sobre o inquérito.
- Quando você tirará da gaveta a Operação Norbert?
A primeira reação de Janot foi demonstrar surpresa, sugerindo nada saber sobre o tema. Como já tinha todos os dados, despejei em cima dele: a operação em cima de um casal de doleiros no Rio de Janeiro, Norbert Muller e sua mulher, Christine Puschmann, montada por três procuradores de ponta do MPF – que você chamou para trabalhar na PGR -, que descobriu contas de Aécio Neves em Liechtenstein abertas em nome de uma tal Fundação Bogart & Taylor.
Aí Janot se lembrou e me disse que daria parecer no máximo até abril.
Publiquei a matéria. No dia 25 de março de 2015, o jornalista mineiro Marco Aurélio Flores Carone entrou com uma denúncia na Sala de Atendimento ao Cidadão, solicitando providências em relação à denúncia (https://goo.gl/EwgyPs).
Constatou-se que havia sido arquivada em 23 de fevereiro de 2010 pelo procurador Rodrigo Ramos Poerson, sob a alegação de que o Principado de Liechtenstein não tinha acordo de troca de informações com o Brasil.
No dia 15 de dezembro de 2015 Janot respondeu, informando que havia determinado o arquivamento dos autos alegando que a conta era de propriedade da mãe de Aécio, Inês Maria Neves Faria, com Aécio e irmãos figurando apenas como herdeiros. Além disso, segundo Janot, a mãe de Aécio não autorizara ninguém a abrir conta em seu nome e os valores movimentados eram inferiores ao mínimo a ser declarado ao Banco Central.
Em vista disso, determinava o arquivamento dos autos.
Esse era o Janot-Aécio antes do fator JBS.
Peça central em todas as etapas das investigações foi Marcelo Miller, procurador que conduziu a Operação Norbert, que viu indícios contra Aécio para remeter a denúncia para a PGR e que depois foi convocado por Janot para compor seu estado maior na Procuradoria Geral da República. Ou seja, o procurador Miller, em Brasília, não viu nenhum dos indícios apontados pelo Procurador Miller, quando no Rio de Janeiro.
Movimento 2 - a JBS ensaia a delação premiada
A água começou a bater no nariz da JBS com a delação de Fábio Cleto, ex-vice-presidente da Caixa Econômica federal, ligado a Eduardo Cunha. A empresa foi alvo de três operações da Polícia Federal, Sépsis, Greenfield e Cui Bono, bens foram bloqueados e os irmãos afastados da direção do grupo.
Os irmãos Batista já haviam traçado sua estratégia. Primeiro, mudar a sede da empresa e suas residências para os Estados Unidos. A maior parte dos negócios já estava por lá e seu pedido de mudança da sede seria muitíssimo bem acolhido porque daria aos Estados Unidos poder amplo sobre o maior fornecedor de proteínas animais para a China e para a Rússia. Não foi difícil um acordo de leniência com o Departamento de Justiça local.
Mas, antes, precisaria se livrar dos empecilhos legais no Brasil. E o caminho seria um acordo de delação que limpasse definitivamente a barra por aqui.
Advogados de Joesley Batista sondaram procuradores da Lava Jato em Brasília querendo abrir caminho para a delação premiada.
Um deles era Marcelo Miller, braço direito do PGR Rodrigo Janot e profundo conhecedor dos intestinos da Lava Jato. Além disso, profundo conhecedor da falta de vontade da PGR em investigar Aécio Neves.
Movimento 3 - Miller monta a estratégia
No final de 2016 Joesley Batista percebeu que precisaria de uma estratégia fulminante para impedir que a Lava Jato destruísse a empresa, a exemplo do que fez com a Odebrecht.
Há alguns meses, Miller manifestara a colegas a vontade de deixar o MPF. A partir de fins de 2016 provavelmente deu-se a aproximação de Joesley com ele. Vamos imaginar o diálogo:
Joesley conversou com Miller indagando como poderia obter uma delação premiada que o livrasse de todos os problemas no Brasil. O procurador alegou que seria difícil, mas não impossível. Teria que apresentar uma bomba atômica maior do que todas as anteriores. Mas teria que apresentar de tal modo que não restasse outra alternativa a Janot senão aceitar.
Qual seria o caminho?
Provavelmente a resposta foi algo do gênero: “Não posso dizer, porque não sou seu advogado”.
Foi um acerto rápido – a julgar pela cronologia dos fatos. Miller seria contratado pelo escritório Trech, Rossi & Watanabe, conceituado, contratado pela Petrobras para uma auditoria em todos os contratos e e-mails da companhia desde 2003.
Movimento 4 - preparando o bote
Antes mesmo de sair do MPF, Miller ajudou a montar a estratégia.
Primeiro, analisou com Joesley todos os trunfos que teria à mão. E Joesley apresentou seus dois maiores trunfos: a possibilidade de grampear conversas comprometedoras com Michel Temer e Aécio Neves.
Mas como convencer Janot a aceitar? Desde 2014, Janot sempre tergiversara quando as investigações roçavam Aécio Neves (https://goo.gl/iuSuxK). No Supremo, havia uma disputa entre ele e o Ministro Gilmar Mendes, inimigos declarados, mas revezando-se na blindagem a Aécio. Deixara incólume Dimas Toledo, o operador de Aécio em Furnas; recusara a delação da OAS, que seguramente incriminaria caciques tucanos.
Qual o caminho das pedras para aceitar a delação da JBS?
A estratégia consistiria, então, em apresentar provas tão bombásticas que Janot não teria outra alternativa senão aceitar. E nada melhor do que um grampo em Aécio Neves, o lado mais vulnerável de Janot, devido às suspeitas sobre sua falta de vontade de atuar contra o conterrâneo.
Miller pediu exoneração do MPF no dia 6 de março de 2017. O primeiro grampo de Joesley Batista foi um dia depois, no dia 7 de março de 2017 (https://goo.gl/OzX0Oi).
No dia 2 de abril de 2017 surgiram as primeiras informações de que Joesley estaria disposto a fazer as delações.
No decorrer do mês, houve a abordagem formal da PGR pela JBS para negociar o acordo de delação. O pacote incluía grampos com Aécio e Temer, em conversas comprometedoras; extratos bancários, números de contas no exterior por onde transitavam as propinas. E a informação de que já estavam de partida para os Estados Unidos.
Jogaram um elefante na sala de Janot, sem a menor possibilidade que fosse escondido debaixo do tapete, como foram escondidas as capivaras de Dimas Toledo, dos esquemas de Furnas, das parcerias com a Andrade Gutierrez.
Em pungente artigo publicado na UOL no dia 23 de maio de 2017, Janot admite como praticamente foi obrigado a aceitar a delação (https://goo.gl/CIb6oN).
“Em abril deste ano, fui procurado pelos irmãos Batista. Trouxeram eles indícios consistentes de crimes em andamento – vou repetir: crimes graves em execução –, praticados em tese por um senador da República e por um deputado federal.
Os colaboradores, no entanto, tinham outros fatos graves a revelar. Corromperam um procurador no Ministério Público Federal. Apresentaram gravações de conversas com o presidente da República, em uma das quais se narravam diversos crimes supostamente destinados a turbar as investigações da Lava Jato.
Além desses fatos aterradores, foram apresentadas dezenas de documentos e informações concretas sobre contas bancárias no exterior e pagamento de propinas envolvendo quase duas mil figuras políticas”.
Não é a declaração assertiva de um PGR no pleno comando das operações, mas explicações titubeantes de como foi obrigado a aceitar a delação e negociar termos bastantes favoráveis aos delatores:
“Que juízo faria a sociedade do MPF se os demais fatos delituosos apresentados, como a conta-corrente no exterior que atendia a dois ex-presidentes, fossem simplesmente ignorados? Foram as perguntas que precisei responder na solidão do meu cargo”.
Foi a chamada sinuca de bico. Ou aceitava ou haveria dois dos mais cobiçados alvos da Lava Jato livres, leves e soltos em Nova York e o fantasma do pacote de delação pairando sobre o pescoço de Janot.
“Finalmente, tivesse o acordo sido recusado, os colaboradores, no mundo real, continuariam circulando pelas ruas de Nova York, até que os crimes prescrevessem, sem pagar um tostão a ninguém e sem nada revelar, o que, aliás, era o usual no Brasil até pouco tempo”.
Movimento 5 - a adesão da Globo
Mas não bastaria. Entrava-se, agora, em um terreno tabu para a mídia, a criminalização dos seus aliados. Afinal, Aécio Neves quase se tornou presidente da República com jornais escondendo seu passado e todas as suspeitas que pairavam sobre ele. E membros da força tarefa da Lava Jato, de Curitiba, fazendo campanha ostensiva para ele através das redes sociais.
Além disso, já havia um cansaço com as estripulias da Lava Jato paranaense e críticas cada vez mais amplas contra o estado de arbítrio. Sem o bate-bumbo da mídia, o Ministro Luiz Edson Fachin dificilmente homologaria uma delação na qual o elemento de maior destaque era um grampo no próprio presidente da República.
Como furar o balão da cumplicidade da mídia, regada pelas verbas publicitárias articuladas por Eliseu Padilha?
Aí entrou a rede Globo e seu principal patrocinador – a JBS.
No dia 10 de maio de 2017 Joesley, mais sete executivos da JBS foram até o Ministro Luiz Edson Fachin confirmar os termos da delação premiada acertada com o PGR (https://goo.gl/D07n1Z). No dia 17 de maio de 2017, a notícia da delação é vazada para O Globo. À noite, o Jornal Nacional monta uma cobertura de quase uma hora, improvisada. No dia 18 de maio de 2017 Fachin anuncia a homologação da delação.
Imediatamente, a Polícia Federal prende Andrea Neves, invade os apartamentos de Aécio Neves, criando o episódio de maior impacto da Lava Jato desde a condução coercitiva de Lula.
O que cativou a Globo e a fez apostar todas as fichas na denúncia e, por consequência, no impeachment de Michel Temer? Quem vazou o acordo para ela, Janot ou os Batista? Como explicar quase uma hora de Jornal Nacional improvisado, com repórteres e comentaristas de olhos arregalados, balbuciantes, sem conseguir sequer seguir o script? E, mais ainda, contra o maior anunciante da Globo e rompendo o pacto com outros grupos de mídia?
Há um conjunto de possibilidades:
1. A Globo foi convencida de que não haveria mais condições de apoiar Temer, depois que o pacote fosse revelado. A alternativa seria ela faturar jornalisticamente em cima da denúncia, cacifando-se para os jogos da sucessão.
2. Houve uma negociação da Globo com a própria JBS, visando criar o fato consumado. Nenhum veículo investe a seco contra seu maior patrocinador com a desenvoltura com que a Globo endossou as denúncias.
Foi uma adesão tão rápida e improvisada que, de manhã, Mirian Leitão produziu uma bela reportagem com o ínclito Eliseu Padilha defendendo o governo; e à tarde, depois do editorial da Globo pedindo o impeachment, correu a retificar com uma notinha em que dizia que, à luz das últimas informações, o governo Temer não tinha remédio. As últimas informações eram o editorial de O Globo.
ADENDO:
"A respeito do post “Xadrez de como Janot foi conduzido no caso JBS” (https://goo.gl/ubAHLX) recebo informações de leitores que complementam a questão geopolítica apresentada.
Há duas áreas estratégicas no Brasil, de interesse direto dos Estados Unidos. Uma, a área de energia/petróleo; outra, a área de alimentos. Nelas, a Petrobras e a JBS.
O interesse estratégico na JBS se deve ao fato de ter se transformado no maior fornecedor de proteína animal para a Rússia e a China. Na Petrobras, obviamente pelo acesso ao pré-sal.
Nos dois casos, o Departamento de Justiça logrou colocar sob fiscalização direta do escritório Baker & McKenzie, de Chicago, o maior dos Estados Unidos, o segundo maior do mundo, com 4.600 advogados e 13.000 funcionários mundo (afora) e com estrutura legal de uma sociedade registrada na Suíça (Verein) para pagar menos impostos. É considerado ligado ao Departamento de Estado e ao Departamento de Justiça e é visto em todo o mundo como um "braço" do governo americano, atuando em alinhamento com ele na proteção dos interesses essenciais dos EUA.
No Brasil, o nome de fachada da Baker & McKenzie é o escritório de advocacia Trench, Rossi & Watanabe.
Trata-se de uma nova versão originária do primeiro escritório Baker & Mackenzie no Brasil, fundado como Stroeter, Trench e Veirano em uma pequena casa na Rua Pará em Higienópolis em 1973. O cabeça era o advogado Carlos Alberto de Souza Rossi, filho do empresário Eduardo Garcia Rossi, ligado à SOFUNGE, fundição do grupo Simonsen. Depois o Veirano saiu e montou seu próprio escritório e entrou o desembargador aposentado Kazuo Watanabe, um dos pais dos Juizados de Pequenas Causas.
O Trench, Rossi & Watanabe foi indicado pelo Departamento de Justiça como fiscal dentro da Petrobras, serviço pelo qual já cobrou mais de 100 milhões de reais. Hoje a Petrobras está sob supervisão direta do BAKER MCKENZIE, que analisa todos os seus contratos, vasculha seus e-mails, tentando identificar novas áreas de atuação suspeita.
Agora, assumiu a defesa da JBS, inclusive nas negociações com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos. O Baker McKenzie é o principal escritório da JBS nos EUA. O caso JBS está sendo monitorado de perto pelo governo dos EUA porque os EUA poderão ter de graça sob seu controle a maior empresa de proteína animal do mundo.
Na realidade a JBS "salvou" a indústria de frigorificação de carne dos EUA, toda ela quebrada, e salvou com dinheiro público brasileiro.
O Brasil praticamente "entregou" a JBS ao controle do EUA. Os Batista não têm saída a não ser virarem americanos. É mais um bom serviço prestado pelos moralistas do Brasil.
O Brasil praticamente "entregou" a JBS ao controle do EUA. Os Batista não têm saída a não ser virarem americanos. É mais um bom serviço prestado pelos moralistas do Brasil.
Antes os EUA usavam pastores evangélicos para penetrar nos países, hoje usam promotores. " - (AQUI).
terça-feira, 30 de maio de 2017
ESSA MANIA DE INSISTIR NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E NO DIREITO
"Se a concepção de racionalidade histórica de Hegel sobre a importância do Estado fosse correta para a evolução do Estado (ou da teoria do Estado), no Brasil esta(ría)mos a um passo de uma ditadura ou fragmentação total do país. Espero que não seja assim.
Por isso sou um insistente. Peço desculpas por ainda acreditar na tese de que a saída deve ser pela Constituição, e não fora dela. Portanto, a saída é “via Estado” (o próprio Hegel dizia, na aurora do século XIX, que a Alemanha já não era um Estado – Deutschland ist kein Staat mehr). Peço até desculpas por falar em Direito. Aliás, como já não se ensina Direito nas faculdades, o professor tem de pedir licença e desculpas aos alunos para falar um pouco de... Direito, já que o que se vem “ensinando” é a (má) teoria política do poder. Resultado: não se respeita o CPP, o CPC e a CF. Por todos os resistentes, cito Pedro Serrano, Salah Khaled Jr, Dierle Nunes e Rosivaldo Toscano: para eles — e acompanhei suas postagens no Facebook (ler aqui) —, defesa de direitos e garantias não deve e não pode ser de ocasião.
Muitas colunas já escrevi aqui na ConJur sobre a necessidade de se preservar a Constituição em qualquer circunstância. Constituição é um remédio contra maiorias. A democracia dos séculos XX e XXI apenas se consolidou porque o Direito foi um instrumento fundamental para filtrar a política e os juízos morais. E não o contrário. Quer dizer, se é a moral que filtra o Direito, então não há mais Direito. Esse é o ponto com o qual, acredito, Pedro e Salah concordam comigo.
Historicamente venho trazendo, hebdomadariamente, exemplos metafóricos acerca do valor da lei. Um deles, lembro, é sobre o que aconteceu no seriado House of Cards, quando o presidente dos EUA é ferido e necessita de um transplante de fígado. Ele é o segundo da fila de transplantes. Chega ao hospital e, como surge um fígado, a assessoria quer furar a fila. O médico-chefe apenas diz: “Ele é o segundo da fila” (“It's the law”). Também criei o “fator stoic mujic”, que conta a história do advogado Sandoval defendendo um espião russo no auge da Guerra Fria, em plena Washington (filme A Ponte dos Espiões). Contra tudo e contra todos, ele defende seu cliente. Até seu filho o questiona. Ele diz: "Estou apenas fazendo o meu trabalho".
Poderia trazer inúmeros exemplos para mostrar o valor da lei e da Constituição. Tenho passado perrengues epistêmicos por adotar uma linha de ortodoxia constitucional em defesa das garantias e do devido processo legal. Há anos denuncio que o Direito está cercado de predadores. Os predadores externos tradicionais são a política, a economia e a moral (esta é o mais perigoso, porque também atua como predador interno). Terrível. Os internos, além dos juízos morais e moralizantes — os piores —, são todos os elementos que fragilizam o grau de autonomia que o Direito deve ter (daí o perigo de coisas como “os fins justificam os meios”, “decido conforme minha consciência”, “não importa a forma, vale mesmo é o conteúdo”, “decido primeiro e depois fundamento" e coisas desse gênero).
Há uma fábula que bem mostra como se comporta parte considerável da comunidade jurídica. O cordeiro tomava água no riacho e aparece o lobo para tomar água na parte mais elevada[1]. E diz: “Cordeiro, você está sujando a minha água”. Este responde: “Isso é logicamente impossível. Estou à jusante, e você, à montante”. Então o lobo diz: “Então foi seu pai”. E o cordeiro, triste, responde: “Sou órfão. Meu pai e minha mãe foram comidos por lobos”. “Então foi seu irmão”, diz o lobo. “Igualmente impossível”, diz o cordeiro. “Todos os meus irmãos foram devorados por uma alcateia de colegas seus.” Então o lobo diz: “Não importa nada disso. Faço raciocínios teleológicos. Primeiro, decidi que comeria você. Depois busquei um fundamento qualquer. Mesmo sem o fundamento válido, tenho o poder de decidir”. E arrematou: “Cordeirinho gostosinho: para você que não estudou Kelsen, isso se chama vontade de poder, quer dizer, devorarei você por um ato de vontade”. E, bingo, devorou-o.
Qual é a diferença do “raciocínio” do lobo com o que faz hoje a maioria das pessoas que lidam com o Direito? Comportam-se como o lobo. Respondem segundo seu apetite (ou melhor, suas opiniões morais, políticas, ideológicas), fazendo soçobrar a Constituição. Há um vaivém de opiniões. Quem apoiou o grampo em Dilma agora se queixa da prova no caso Temer. Esqueceram que “pau que bate em Chico bate em Francisco”. Pau é... Pau! Por outro lado, quem criticou os vazamentos e a intercepção ilícita da conversa Lula-Dilma agora diz que não há ilegalidade-inconstitucionalidade no flagrante preparado no caso Temer (Cesar Bitencourt demonstra, em texto na ConJur, que houve flagrante preparado); veja-se o quase silêncio acerca da flagrante ilegalidade no caso da divulgação da conversa entre Aécio e o ministro Gilmar (ou entre Aécio e seu advogado Toron); e, embora a indignação de juristas (advogados e professores) e ministros do STF (Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Celso de Mello — foram os que li; a coluna foi fechada no início da tarde desta quarta-feira, dia 24), penso que deveria ter mais gente protestando contra a vergonhosa violação do sigilo da fonte e do artigo 9º da Lei 9.296, em que foi vítima o jornalista Reinaldo Azevedo (imagine-se o tamanho do dano moral — e quem vai pagar?). E assim por diante.
Ilegalidade é ilegalidade. Não tem cor, sexo, sabor, ideologia. Se aceitarmos que o Direito seja substituído por juízos morais ou políticos, não mais teremos Direito. Um turbilhão de ilegalidades e inconstitucionalidades está colocando em risco a democracia brasileira. Estamos à beira de um Estado policial (se já não estamos). Há uma tempestade perfeita para uma ditadura judicioministerial (que pode redundar em outro tipo). Volto a Hegel, do qual falei no início.
Não preciso falar aqui da violação das garantias de juiz natural — institucionalizamos uma pamcompetência. E que as violações da lei da delação são de A à Z. Dezenas de juristas apontam para isso. E o que dizer da divulgação de depoimentos, de forma seletiva ou não? E jornalistas que recebem informações privilegiadas de agentes públicos? Por que, a não ser este escriba, ninguém criticou a ex-ministra do STJ por dizer que, mesmo sabendo de vazamentos, nada fez, porque sabia do bom propósito... E o que dizer de agentes que saem no meio de uma operação e se transformam em advogados e passam a atuar nos feitos?
Na verdade, formou-se uma “bolha especulativa” no e sobre o instituto da colaboração premiada. E pouca gente protesta contra o uso abusivo das prisões preventivas... Porque se trata de “bom propósito” (afinal, as prisões são de pessoas das quais não gostamos). Só que bolhas costumam estourar. Aliás, o caso dos irmãos Batista (os irmãos Uesleis) parece ter sido o primeiro grande estouro. Há que se cuidar com a reação em cadeia.
Minha coluna de hoje é singela. Tinha tanta coisa para escrever. Mas me bate uma melancolia. Uma tentação de “deixamento” (minha tradução para Gelassenheit, que muitos traduzem como “serenidade”, outros por “melancolia”). Mas temos de resistir a essa “deixação”.
Manter coerência no discurso de defesa da Constituição por vezes soa antipático. Quando a violação é contra os inimigos, elas não são violações. Quando são contra nossos amigos ou nós mesmos, tornam-se robustas violações. Bom, talvez por isso a guerra de opiniões continue. Mas são apenas opiniões. Afinal, como o país está dividido, sempre haverá em torno de 50% que estarão contra as violações e 50% a favor. Depende sempre de quem for o atingido pela ilegalidade (aliás, qual será a próxima?). Só que a democracia não é o resultado de somas de percentuais. Isto é: 50% mais 50% pode, por vezes, resultar em soma zero. Eis o perigo.
Insisto com Eraclio Zepeda: quando as águas da enchente cobrem a tudo e a todos, é porque de há muito começou a chover na serra. Nós é que não damos conta. Desenhando: quando não nos importamos com a primeira violação, criamos a tempestade perfeita. Retomo à pergunta já feita em outro texto: quanto queremos investir na democracia? Não há grau zero de poder. Não há grau zero na política. Escrevi há quase 30 anos a seguinte frase: a Constituição deve constituir-a-ação. Fora dela, é o caos. E o conceito de caos é: “Depois do primeiro tiro, ninguém mais sabe quem está atirando”.
[1] Homenagem a Georges Abboud, que contou a fábula esopiana no congresso em minha homenagem em João pessoa. Apenas fiz adaptações."
(De Lênio Streck, jurista e professor, post intitulado "Estado policial: é que de há muito começou a chover na serra!", publicado na revista Consultor Jurídico - aqui.
Comentário de um advogado autônomo:
"Não se pode adaptar a interpretação da Constituição ao 'inimigo' que se quer alcançar. A legislação é o balizamento de 'até onde se pode ir'. Disse certa vez o advogado criminalista Belisário dos Santos Júnior em Aula Magna ministrada numa universidade de Santos que: Os fins não justificam os meios, pois os meios têm que ser tão lídimos quanto os fins.").
JBS, DEMAIS MÚLTIS E SUAS ARTIMANHAS
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O jogo rasteiro das multinacionais impõe pesados prejuízos a quase todos os países de origem e gordos lucros para os conglomerados e para os 'países eleitos', eufemismo para paraísos fiscais. Mas a JBS (65 empresas nos EUA) vai se comportar direitinho, a exemplo nas demais, na terra de Tio Sam, onde, por sinal, as doações eleitorais de empresas são ilimitadas, desde que declaradas à justiça; doações eleitorais fraudulentas e subornos, só 'lá fora', e caso preservem interesses de múltis aliadas de estados fortes, se é que isso existe. Como agiu a alemã Siemens, p. ex., fora de seu país.
(Comovente, agora, é ver matérias da GloboNews denunciando a leniência de órgãos como o Ibama e outros para com a JBS, que pôde/pode ostentar certificados de qualidade de seus produtos mundo afora mesmo não havendo sido efetiva e eficazmente rastreada/fiscalizada pelos agentes estatais. De repente, a operação carne fraca parece ter tido algum mérito, que não o de atentar contra os interesses comerciais estratégicos nacionais...).
Mas, voltando ao jogo rasteiro das múltis, vejamos a análise de Mathias Alencastro, cientista político e doutor pela Universidade de Oxford:
JBS e as artimanhas fiscais
Por Mathias Alencastro
O jogo rasteiro das multinacionais impõe pesados prejuízos a quase todos os países de origem e gordos lucros para os conglomerados e para os 'países eleitos', eufemismo para paraísos fiscais. Mas a JBS (65 empresas nos EUA) vai se comportar direitinho, a exemplo nas demais, na terra de Tio Sam, onde, por sinal, as doações eleitorais de empresas são ilimitadas, desde que declaradas à justiça; doações eleitorais fraudulentas e subornos, só 'lá fora', e caso preservem interesses de múltis aliadas de estados fortes, se é que isso existe. Como agiu a alemã Siemens, p. ex., fora de seu país.
(Comovente, agora, é ver matérias da GloboNews denunciando a leniência de órgãos como o Ibama e outros para com a JBS, que pôde/pode ostentar certificados de qualidade de seus produtos mundo afora mesmo não havendo sido efetiva e eficazmente rastreada/fiscalizada pelos agentes estatais. De repente, a operação carne fraca parece ter tido algum mérito, que não o de atentar contra os interesses comerciais estratégicos nacionais...).
Mas, voltando ao jogo rasteiro das múltis, vejamos a análise de Mathias Alencastro, cientista político e doutor pela Universidade de Oxford:
JBS e as artimanhas fiscais
Por Mathias Alencastro
O espetáculo da delação e subsequente deserção da JBS, que trocou a confissão de uma multitude de crimes pelo direito de transferir a sede para fora do país, causou indignação entre os brasileiros. E colocou em cima da mesa um tema quase tabu: a otimização fiscal, modalidade olímpica das multinacionais.
Perfeitamente legal, e por isso diferente da sonegação fiscal, a otimização fiscal é engrenagem essencial da máquina financeira moderna. A rota de fuga traçada pelos irmãos Batista, por exemplo, é de uma banalidade desoladora.
Com a abertura da holding na Holanda, a JBS se tornará vizinha de centenas de multinacionais que se instalaram por lá em busca de blindagem legal e institucional.
À imagem da Irlanda e de Luxemburgo, outros suspeitos de costume, o país oferece uma rede grande e confiável de acordos de dupla tributação. É mais vantajoso investir no Brasil através da Holanda do que de um parceiro privilegiado como Portugal.
Os defensores da otimização fiscal veem nela um "mal necessário" da economia globalizada.
Os críticos denunciam uma prática perversa e pérfida, além de ser profundamente antipatriótica.
Os críticos denunciam uma prática perversa e pérfida, além de ser profundamente antipatriótica.
Numa tentativa de resgatar a credibilidade da União Europeia nessa questão, Emmanuel Macron, em sua primeira entrevista coletiva com Angela Merkel, designou a harmonização fiscal dentro do espaço europeu como prioridade do seu governo.
Uma ameaça pouco velada ao Reino Unido, que planeja tirar proveito da disparidade existente na União Europeia para reduzir seus encargos tributários e assegurar o estatuto de praça financeira de Londres depois do "brexit".
Porém os governos que se insurgem regularmente contra a otimização fiscal também são os guardiões desse sistema.
Antes de assumir a presidência da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, interlocutor-chave de Merkel e Macron, conduziu enquanto premiê a transformação de Luxemburgo em centro de lavagem de dinheiro.
O pacato país de 500 mil habitantes, que tributa uma porcentagem ínfima dos dividendos, tem o maior volume de investimento externo da União Europeia.
Sem uma ação coordenada das autoridades da UE, os países-membros estão condenados a sacrificar a arrecadação tributária no altar da competitividade fiscal. Nessa corrida rumo ao abismo, quem ganha são as empresas, e quem perde são os Estados, da Europa e do mundo. As artimanhas fiscais, legais e ilegais, custam cerca de US$ 50 bilhões por ano aos países africanos, o equivalente do que recebem em ajuda e investimento externo.
Diante dessa constatação de impotência frente à manobra da JBS, resta a resistência cívica. O "tax shaming", movimento que revela e divulga as manobras fiscais das multinacionais, deixou os mastodontes GAFA –Google, Amazon e Facebook– numa saia justa.
Incapazes de obrigar todos os empresários a pagar impostos onde produzem lucros, os cidadãos podem, pelo menos, através de manifestações públicas, sinalizar que tais práticas não passarão mais despercebidas e não serão esquecidas. - (Fonte: Folha; post reproduzido no Jornal GGN - AQUI).
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Não podemos deixar de transcrever o desabafo do leitor Severino Januário:
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Não podemos deixar de transcrever o desabafo do leitor Severino Januário:
"Este é o grande e patriótico empresariado do Brasil! Depois de subornar, corromper e prostituir boa parte do mundo político nacional, o grande empreendedor deixa em seu próprio país um rastro inextinguível de dissolução moral e se muda de mala e cuia para os Estados Unidos, onde deverá ser recebido de braços abertos. Esta teria sido a razão de tanto trânsito de gente do Departamento de Justiça daquele país ultimamente. Para que pudesse crescer e aparecer, ele gozou dos créditos especiais de nosso banco público de fomento, mas o retorno que deu foi a execração e a desmoralização da vida pública nacional.
Neste caso em particular, os concorrentes do norte não precisaram destruir os concorrentes do sul, já que lucraram muito mais por outra via: Conseguiram ganhar sem qualquer ônus a maior empresa do negócio da carne do mundo, que um dia foi brasileira e hoje é tão americana quanto a Estátua da Liberdade. Parabéns para eles, e mais uma pesada tristeza para nós.
O que devemos fazer? Entregar-nos à depressão e ao derrotismo? Não, o que precisamos é deixar de ser ingênuos e lutar de todos os modos para afastar da vida política essa chaga purulenta que é o predomínio da influência empresarial nas eleições. Aí está o terrível resultado disso, e aí está a razão de nosso atraso. Se nossas leis fossem feitas para o povo e não para eles, um empresário não poderia nos fazer o que este nos fez. Não é nosso povo que é atavicamente atrasado, é nossa classe empresarial, que embora viva em função do povo, o odeia, controla sua política, persegue seus legítimos representantes e não permite que ele se eduque e se desenvolva."
segunda-feira, 29 de maio de 2017
AGRADECENDO A JOESLEY
Daí meu agradecimento, envergonhado é verdade, ao Doutor Joesley, sempre recomendado para a lateral-direita do Atlético ou do Cruzeiro.
O Rio de Janeiro sempre se caracterizou pela inconformidade. Desde Negrão de Lima, na época da ditadura militar. Para lá, foram Brizola e Darcy. Saturnino e Marcelo Alencar lá estiveram, como hoje estão Lindberg Farias, Jandira Feghali e Marcelo Freixo, artistas-pitangas que não têm medo da Rede Globo.
Para nós, em São Paulo, contam mais CUT, MTST, MST, e seus líderes clássicos. Ao Brasil afora caberá se manifestar de forma crescente, como aconteceu ontem no Rio de Janeiro, pela convocação imediata de eleições diretas.
A remobilização veio de Joesley, ao armar facas, serras e cutelos para desossar Cunha, Aécio, Temer e toda a quadrilha. Só então o Brasil pôde perceber a cagada feita ao pegar em panelas e marchar com os patos-amarelos.
Batistas, como vocês conseguiram essas fortuna e proeminência no mercado externo? Sacanearam o BNDES da Silvinha Despedida? Não passam de uns escroques agora exilados nos EUA? Logo saberemos e, provavelmente, pouco os incomodaremos como fizemos com Paulo Maluf ou com os US$ 600 bilhões escondidos em paraísos fiscais.
Mesmo assim, vale o agradecimento. Vocês destrincharam as aves de rapina e serviram-nas aos pedaços com a verdade sobre os que nos mentiam acobertados pela mídia desonesta.
Foram abatidas em pleno voo do golpe e das reformas. Agora desatinaram, dão encontrões uns nos outros, não sabem mais onde bater panelas. Talvez nas próprias cabeças sob risco de furos de onde corram fezes. Defendem-se sem armas.
Grande Joesley, lateral-direito (claro, só poderia, não tem pé esquerdo), mas que defende e vai pro ataque.
O Barcelona procura um para substituir Dani Alves, hoje na Juventus. Como dizem os italianos: raccomando, conta di me."
(De Rui Daher, post intitulado "Obrigado Joesley", publicado no Jornal GGN - AQUI.
De fato, os irmãos corruptos acabaram por prestar - em troca de escandalosas benesses, é verdade - um grande benefício ao país).
A GEOPOLÍTICA IMPÕE A REVISÃO DO PROJETO DOS CAMPEÕES NACIONAIS
Xadrez da revisão do projeto dos campeões nacionais
Por Luis Nassif
Peça 1 - o modelo dos campeões nacionais
O estrago promovido pela Lava Jato na economia obrigará a uma revisão dos conceitos de desenvolvimentismo – e não apenas no Brasil.
Em todos os países que assumiram protagonismo global, o grande instrumento de expansão do poder nacional foram as grandes empresas nacionais como agentes do poder externo do país.
Com o avanço da cooperação internacional entre autoridades judiciárias dos diversos países esse modelo entrou em xeque.
Peça 2 - a versão moralista do chutando a própria escada
Ao longo dos séculos, a expansão das empresas multinacionais se deu com corrupção e suborno, no financiamento político dos governos aliados dos países de origem e na conquista de mercados externos. Desse modelo se regalaram as empresas alemãs pós-guerra, como a Siemens, as grandes petroleiras e empreiteiras norte-americanas, os fabricantes de armas. E tudo com ampla complacência dos países de origem.
A partir do início do século 21, o combate à corrupção transacional de outros países tornou-se a principal arma geopolítica comercial norte-americana. Trata-se de uma estratégia na qual se envolvem as corporações de Estado – FBI, NSA e CIA -, ONGs privadas, Departamento de Justiça. E, especialmente, o poder do Império.
A ação geopolítica norte-americana sempre atuou em duas frentes: as instituições de Estado e as parcerias (ONGs) privadas, um hard power da intervenção militar e um soft power das ações humanitárias. Em vez do discurso do ódio, do anticomunismo, propostas humanitárias, de defesa de princípios civilizatórios, meio ambiente, direitos das populações indígenas, combate à escravidão e outras formas de dumping social, combatendo vícios inerentes ao modelo de expansão das multinacionais das primeiras fases.
Com a ampliação da cooperação internacional, os avanços da espionagem eletrônica, o mapeamento dos fluxos financeiros em paraísos fiscais, as alianças com Ministérios Públicos e Judiciário nacionais conferiram um poder matador ao país que possuía o poder imperial, os Estados Unidos.
Peça 3 - as tramoias do capital financeiro e a seletividade industrial
A maneira como o capital financeiro se apropria de fatias cada vez maiores do orçamento público é institucionalizada e impessoal. Desenvolve teorias pretensamente científicas para justificar os juros e abrir espaço para as diversas apropriações de recursos públicos. Mesmo as tramoias – vazamento de informações sobre leilões de títulos públicos e sobre decisões do Banco Central – não ficam ao alcance do público, seja pela sofisticação, seja pela cumplicidade da mídia.
Já as políticas industriais – aquelas que efetivamente têm reflexos no emprego, crescimento e poder das Nações - são necessariamente seletivas. Os instrumentos utilizados são tarifas protecionistas, financiamento público, medidas tributárias. Basta o procurador juntar qualquer medida de política industrial com qualquer financiamento de campanha – independentemente da cronologia – para conseguir criminalizar governantes e políticas públicas.
É aí que se baseia a estratégia da ofensiva do capital financeiro sobre as propostas de políticas nacionais autônomas.
Peça 4 - as formas de intervenção externa
Há três formas básicas de intervenção externa – nem todas ilegítimas.
No plano institucional, a parceria dos EUA com o Ministério Público Federal e a Justiça, que arrebentou com alguns dos setores mais relevantes da economia brasileira, como o da engenharia nacional, liquidou com as pretensões brasileiras na África e América Latina e criminalizou políticas conhecidas de Estado -–como financiamentos às exportações de serviços.
A segunda maneira – subjacente à primeira – são as pressões norte-americanas sobre empresas brasileiras apanhadas em malfeitos no exterior, submetendo-as a intervenções diretas de olheiros norte-americanos. É o caso da Embraer, com um interventor fiscalizando de dentro da empresa, com acesso a todas as ações estratégicas da companhia.
A terceira parte são as ONGs do setor privado ligadas a direitos humanos, meio ambiente e outros temas humanitários, pretendendo submeter todos os atos de políticas públicas ao escrutínio internacional. É o caso da ONG Conectas que defende que todo o financiamento do BNDES seja submetido à analise internacional de avaliação de impactos sociais e ambientais.
Peça 5 - os agentes internacionais
Nem se pense em condenar o combate à corrupção e a defesa de bandeiras sociais e ambientais como ações ilegítimas. São bandeiras civilizatórias, necessárias para o aprimoramento social, cultural do país. Reconhecer efeitos antinacionais de suas ações não tira sua legitimidade. Significaria considerar incompatível (a equação) projetos de país com respeito a avanços sociais e ambientais.
A própria Conectas tem se colocado de forma incisiva contra a selvageria das reformas institucionais, contra a violência da PM nas manifestações populares, contra os massacres de maio de 2006. (Nota deste blog: massacres de maio 2006: clique AQUI)
Mesmo o MPF tem uma área de defesa de direitos sociais e direitos difusos com grande contribuição às causas sociais. Entre os procuradores, há alguns de bom nível de lado a lado, os liberais e os que enxergam o Estado de forma mais complexa. Mas a resultante, a inteligência corporativa, é próxima de zero.
A cara do MPF não é Marcelo Miller – o liberal que largou o MPF – nem Eugênio Aragão – o progressista que está prestes a se aposentar. É Rodrigo Janot, ex-presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), o atual José Robalinho Cavalcanti, o antecessor, Antônio Camanho, especializados em cultivar a classe como qualquer populista e montar jogadas com o poder como especialistas em máquinas públicas.
Dado o quadro atual, há um conjunto de lições a se tirar para as próximas décadas.
Peça 6 - as vulnerabilidades do presidencialismo brasileiro
Tem-se, de um lado, um presidencialismo fraco perante o sistema político-partidário. A única alavanca de poder é o crescimento econômico. Quando deixa de existir, expõe o governante à ditadura da maioria. Daí a necessidade da reforma política.
A quadrilha de Temer-Padilha assumiu posição preponderante nos governos FHC, Lula e Dilma após grandes terremotos políticos.
Mas o grande agente oportunista, valendo-se do enfraquecimento do governo, foi a mídia nativa. O poder arbitrário da Lava Jato decorre do apoio que recebeu dos grandes grupos de mídia – que, agora, se rebelam contra ele. Os penalistas do MPF compõem uma boiada sempre o touro guia da mídia. Basta a mídia sugerir qual tema que podem entrar – e garantir holofotes -, para a boiada caminhar na direção apontada.
O mesmo vale para o Supremo Tribunal Federal, no qual Ministros como Luís Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin e Cármen Lúcia dão cada passo tomando a mídia – especialmente a Globo – como referência.
No médio prazo, independentemente do próximo presidente eleito, a reconstrução do país passará por uma ampla redefinição do papel do MPF e da PF, pelo esforço de dotar a estrutura de um mínimo de noção sobre projetos de país, interesse e soberania nacional, para que o combate à corrupção não repita a máquina desgovernada da Lava Jato.
Mas o ponto fulcral é a cartelização da mídia.
Peça 7 - o furo dos campeões nacionais
Todos esses fatos obrigam a uma reavaliação radical do modelo de campeões nacionais.
A lógica econômica dos grupos internacionalizados é abandonar o país de origem e se fixarem no mundo. Foi assim na Argentina dos anos 80. Passou a ser assim no Brasil pós anos 90.
Tanto a Ambev quanto a JBS cresceram graças ao mercado interno, à capacidade de influenciar os órgãos públicos e se alavancar com os financiamentos do BNDES. Adquirida dimensão continental, pulam fora do barco. A Ambev se tornou uma multinacional belga e a JBS há tempos ambiciona a naturalidade norte-americana.
A ideia de Luciano Coutinho – ex-presidente do BNDES – de que os “campeões nacionais” seriam os condutores do desenvolvimento é tão equivocada quanto a da turma de FHC, de que bastaria fortalecer os grandes bancos de investimento que o desenvolvimento viria como consequência.
Ambos – tanto o mercado quanto os campeões nacionais – são relevantes desde que subordinados a uma lógica de país.
Em nome dessa bandeira, o BNDES apoiou setores de baixíssimo nível tecnológico, como o dos frigoríficos, conferiu um poder de cartel para os grandes frigoríficos, em detrimento dos produtores, para que a JBS se tornasse uma empresa norte-americana, com papel-chave no fornecimento de proteína para os grandes países competidores dos EUA, China e Rússia.
Na mesma época, negou à Opticom – empresa brasileira na área de ótica, altamente tecnológica – apoio para adquirir um concorrente norte-americano, cujo preço ficara altamente atrativo com a crise de 2008 e que lhe permitiria abrir o mercado norte-americano. Sinal de que também o banco precisa colocar seu enorme acervo de cérebros e de conhecimento setorial para discutir seu papel nas próximas décadas. E não será com o simpaticíssimo Paulo Rabello de Castro que ocorrerá esse aggiornamento do BNDES.
De qualquer modo, a literatura desenvolvimentista terá que incorporar outros temas em suas bandeiras:
1 Mais do que nunca, a competitividade interna dependerá da criação de um ambiente sistemicamente competitivo, voltando-se a valorizar as políticas científico-tecnológicas, as parcerias entre grandes e pequenas empresas, o trabalho das Fundações de Amparo à Pesquisa aliados ao Sebrae, a atração de laboratórios de multinacionais para o país, conforme ocorreu na primeira fase do pré-sal.
2 São empresas estratégicas aquelas cujas atividades dependam intrinsecamente dos fatores internos – como a indústria do petróleo, antes do desmonte da Lava Jato e de Pedro Parente, a indústria da saúde, e as indústrias de bem-estar em geral.
3 Não dá mais para minimizar os problemas sociais, ambientais e de corrupção corporativa. O país tem que se antecipar às novas pressões internacionais e definir códigos severos de respeito aos direitos fundamentais. Mas há a necessidade de aprofundar os estudos acerca das estratégias geopolíticas dos países desenvolvidos. E envolver nesses estudos o Ministério Público e o Judiciário.
4 É preciso que os Ministros sérios do Supremo se debrucem sobre a questão da soberania jurisdicional brasileira.
(Fonte: Jornal GGN - AQUI).
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