O senhor Aécio Neves foi derrotado na eleição presidencial de 2014. Inconformado, pleiteou - e foi atendido - recontagem dos votos. Recontados os votos e constatada a lisura do processo, viu prosperar, com satisfação, o boicote ao governo de quem o derrotou, boicote, como é notório, que culminou no impeachment. Incorporou-se à coalizão que passou a governar o país e recentemente viu-se em palpos de aranha ao ser exposto em gravação de conversa mantida com titular da JBS, bem como ao ver exibido em circuito nacional vídeo mostrando um parente 'cuidando' de dinheiro - a ele, Aécio, destinado - com representante da referida empresa.
[Corte no tempo...].
Entra então em cena o Supremo, que em sessão marcada por confuso desfecho decidiu que a aplicação de medida/pena que de alguma forma comprometa o exercício da atividade parlamentar é de competência exclusiva da casa legislativa respectiva, o que resultou no "gran finale" ontem observado no Senado da República. E assim, enquanto se fortalece a certeza de que a providencial ajuda do governo federal ao senador resultará na vitória do senhor Temer contra a segunda denúncia, silenciosamente avançam aos borbotões medidas governamentais "modernizadoras", a exemplo da deformação da classificação do trabalho escravo e da quase isenção tributária total para empresas importadoras (o que tornará mais atraente, p. ex., a entrega do Pré-Sal).
Mas, e se o Senado tivesse deliberado no sentido de aplicar as medidas cautelares contra o senhor Aécio? Bem, pareceria merecedora de leitura uma impressão sobre o assunto, razão por que reproduzimos o texto a seguir (lembrando que o autor já se pronunciou sobre a decisão ontem proferida pelo Senado - AQUI):
O Senado pode se impor moralmente ao Supremo
Por Luis Nassif
Há uma boa possibilidade de que o Senado cumpra com seus deveres e vote contra Aécio Neves na votação desta terça feira.
A primeira razão é o fato do STF (Supremo Tribunal Federal) ter abdicado de suas obrigações de julgar e transferido a batata quente para o Senado. Será a oportunidade do Senado demonstrar que tem autorregularão. A degola de Aécio será uma demonstração irretorquivel da superioridade moral do Senado sobre o STF, afastando vez por todas os riscos da ditadura do Judiciário.
Ao contrário da Câmara, que se transformou em uma casa da mãe Joana, e do Supremo, que se transformou em uma Babel, no Senado ainda existe um grupo de senadores com responsabilidade institucional – mesmo entre aqueles que estão na linha de fogo da Lava Jato.
A segunda razão é que Aécio já era. Absolvido, será um cadáver político assombrando o Senado, cada passo seu sendo acompanhado pela opinião pública e cada aproximação com um colega sendo encarada com suspeição. Mantido no cargo, Aécio será um incômodo permanente, mesmo que não avancem as investigações sobre o helicoca.
Já o Supremo vive uma situação inédita de desmoralização. Se votasse pela cassação de Aécio, reforçaria os piores temores sobre a politização excessiva do órgão e sobre a caminhada na direção da ditadura do Judiciário. Não votando, salientou como nunca a ideia dos dois pesos, duas medidas: o voto que condenou Eduardo Cunha e Delcídio do Amaral é o que absolveu Aécio.
O voto estabanado da presidente Carmen Lúcia ampliou o desgaste da corte. Seu voto foi interpretado não como sinal de respeito por outro poder, mas como solidariedade ao conterrâneo: a Carminha salvando o Aecinho.
Fosse qual fosse a decisão sobre Aécio, o Supremo se enredou na armadilha da incoerência. Pressionado pelo clamor da turba, aprovou decisões, contra Cunha e Delcídio, que não passariam em um ambiente político “normal” – isto é, sem a presença do “inimigo”, no caso o PT. Abdicou de seus deveres constitucionais não por prepotência, mas por se curvar ao clamor das ruas.
Com isso, ficou prisioneiro dos seus atos.
No momento seguinte, não tem condições de sustentar a mesma posição, porque agora o alvo é alguém da banda branca. Por mais prudente e correta que seja a posição atual, de não confrontar o Senado, como justifica-la à luz das votações anteriores?
Não há mais o menor sinal de haver juízes no Supremo, ou seja, julgadores que se atenham aos fatos e saibam pesar todos os lados. Metade do Supremo é de vingadores em qualquer circunstância; metade é de garantistas em qualquer situação. E a presidente se achava indecisa, mas agora não tem muito certeza.
No pano de fundo, o esgarçamento total de princípios doutrinários, a fé na democracia, a defesa intransigente da Constituição, a busca do equilíbrio social, o combate às diferenças sociais e outros pontos centrais na Constituição brasileira. Hoje, o Supremo se permite Ministros dispostos a derrogar a Constituição sem terem recebido um voto sequer dos eleitores.
É nesse quadro que o Senado poderia assumir um papel relevante, de ser o coordenador institucional da volta à normalidade democrática. Basta ter a coragem de cortar a própria carne. - (AQUI).
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