A seguir, o parte 3 da série Teoria da Evolução, de Gustavo Gollo, publicada pelo Jornal GGN. Para ler a de número 2 e a anterior, clique AQUI.
Uma explicação para o equilíbrio pontuado
Por Gustavo Gollo
Fósseis
Os fósseis constituem, provavelmente, o mais óbvio registro evolutivo. Correspondem a impressões gravadas na rocha, durante eras, pelas formas de vida existentes em cada tempo.
O fenômeno da fossilização ocorre quando, de algum modo, a decomposição da criatura é interrompida, permitindo a lenta mineralização de suas partes, em meio à sedimentação do local. (Por vezes apenas o formato permanece).
Em certos lugares, esse processo se repete ao longo de muitas eras, empilhando sucessivas camadas de sedimentos incrustadas com os fósseis de cada período. Tais locais revelam camadas de fósseis equivalentes a sucessivos registros “instantâneos” de cada uma dessas épocas, como fotogramas em um filme.
Gradualismo e pontuacionismo
Por mais de um século, após a publicação de “Sobre a origem das espécies”, de Darwin, com raríssimas exceções, os evolucionistas insistiram na natureza gradual e lenta dos processos evolutivos. Por todo esse tempo, ficou estabelecido um consenso quase absoluto de que as modificações evolutivas sofridas pelos seres vivos transcorriam lenta e constantemente, ao longo das eras.
Tal pressuposto, baseado nas ideias de Darwin, impedia que se desse atenção a certa peculiaridade notável no registro fóssil, até que, em 1972, Eldredge e Gould atentaram para um fato, em certo sentido, surpreendente, por contraditar a interpretação evolucionista usual. Corajosamente, esses 2 autores denunciaram a nudez do rei ao enfatizar que as formas fósseis costumavam permanecer imutáveis no registro fóssil por longas eras, registradas em sucessivas camadas, até se revelarem já transmutadas em novas espécies, já prontas, em uma camada posterior, para voltar a permanecer estáticas, imutáveis, por um novo e vasto período, até sofrerem nova mudança, em camada fóssil distante. Em outras palavras, os 2 autores heréticos propuseram uma interpretação bastante literal dos fatos, alegando que o registro fóssil de cada espécie se mantinha imutável por várias camadas indicativas de um longo período de “estase”, “pontuado” por mudanças bastante rápidas.
Vale notar que Stephen Gould, um dos proponentes dessa interpretação, acabou por se tornar, provavelmente, o evolucionista mais popular de seu tempo, condição que certamente facilitou a disseminação e aceitação de tal heresia, incompatível com os cânones da época, que haviam impedido a todos de ver o óbvio.
Embora poucos se referissem a isso, a heresia parecia refutar a teoria da evolução. Esperava-se que as espécies apresentassem modificações graduais e contínuas que deveriam se revelar desse mesmo modo nos fósseis. Esperava-se, portanto, e, de fato, por um século, descrevia-se assim, que as espécies se alterassem continuamente, em taxas aproximadamente constantes. Em vista disso, a descrição herética, longos períodos sem alteração (estase) pontuados por mudanças drásticas, parecia inexplicável. Mas, seria possível compatibilizar essa interpretação dos fósseis com a visão evolucionista ortodoxa? O que poderia justificar a ocorrência de alterações drásticas eventuais na morfologia de cada espécie? E o que justificaria uma longa normalidade sem alterações desse tipo?
Minha resposta para essas questões decorre do modelo de especiação fetichista apresentado aqui.
Esse texto explica o modo como surgem as espécies, sob o argumento de que, como “espécies são conjuntos de populações intercruzantes (real ou potencialmente, direta ou indiretamente)”, explicar o surgimento de uma nova espécie biológica corresponde a explicar o surgimento de um novo mecanismo de isolamento reprodutivo que aglutine as populações da nova espécie em um mesmo grupo, isolando-as reprodutivamente de outros grupos, especialmente da espécie ancestral.
De acordo com essa argumentação, tal processo decorreria frequentemente do surgimento de um “fetiche”, um novo “desejo”, uma atração por parceiros possuidores de determinadas características desagradáveis aos olhos dos indivíduos usuais. O entrelaçamento entre indivíduos possuidores do desejo extravagante, o fetiche, com indivíduos que constituem seu objeto de desejo acabaria por gerar a nova espécie, um grupo de indivíduos a compartilhar um novo sistema de isolamento reprodutivo, incorporando o antigo fetiche.
O referido texto interrompe a descrição do processo de especiação nesse ponto, tendo explicado o surgimento de um conjunto de populações reprodutivamente isoladas da espécie ancestral.
O isolamento reprodutivo de determinadas populações, no entanto, impele certas mudanças e desenvolvimentos posteriores que complementam o processo de especiação. Vejamos:
Especiação ecológica
Sabe-se que duas espécies diferentes não podem conviver indefinidamente em uma mesma área, compartilhando exatamente as mesmas necessidades ecológicas. Nessas condições, a competição acabará impondo a exclusão de uma das espécies.
Para que a nova espécie consiga se manter, ela terá que desenvolver necessidades ecológicas próprias, diferentes das de outras espécies, especialmente da de sua ancestral. Tal processo ocorrerá assim:
Indivíduos de uma mesma espécie, embora fortemente assemelhados, exibem pequenas variações em torno da média de cada uma de suas características. Consideremos uma espécie de pássaros na qual o bico dos indivíduos esteja adaptado a um dado tipo de semente, embora os pássaros da espécie incluam outros alimentos em sua dieta. Ligeiras variações no bico dos indivíduos podem torná-los mais, ou menos aptos no manuseio desse tipo de semente e consequente obtenção do alimento. Consideremos que o alimento seja o fator limitante da espécie (aquilo que impede o seu crescimento populacional).
Analisemos o que ocorre após a emergência de uma população reprodutivamente isolada das ancestrais.
Indivíduos da espécie ancestral tendem a se especializar e a competir pelo alimento principal da espécie, situação que ocasiona a adaptação de seu bico a esse alimento. Indivíduos diferenciados, que fogem da média, tendem a ser punidos por isso (já que conseguem obter pouca comida). Mesmo que, eventualmente, seus bicos destoantes sejam mais apropriados a um dos alimentos secundários da espécie, seus descendentes tendem a ser menos adaptados que o indivíduo médio, tendendo, por isso, a deixar menos descendentes que ele.
A competição pelo alimento principal da espécie, acaba por torná-lo escasso, impondo forte competição sobre esse recurso.
Os indivíduos na nova espécie tendem, a princípio, a destoar da média, no mínimo tanto quanto os da espécie ancestral. Eventualmente, algumas dessas variações os tornam mais adaptados à ingestão de algum dos alimentos secundários da espécie ancestral. Como ambos os grupos já estão previamente desconectados reprodutivamente, os da nova espécie serão premiados caso se especializem melhor que os ancestrais em um novo alimento. (Lembre-se que isso seria impossível para os da espécie ancestral, todos interconectados reprodutivamente, e fixados no alimento principal). Assim, os da nova espécie tenderão a se especializar em um alimento secundário da espécie ancestral, em outra semente, perdendo a competição relativa ao alimento principal, mas tendendo a se impor em algum dos outros alimentos que acaba por se tornar o alimento principal da nova espécie, que tenderá a se especializar cada vez mais nele. Tal fenômeno pode ser denominado “especiação ecológica”, e complementa a especiação biológica, o isolamento reprodutivo.
Especiação tipológica
O mesmo processo tende a favorecer a diferenciação tipológica dos indivíduos. A diferenciação ecológica, a especialização em novos nichos, faz com que novos tipos sejam privilegiados, ocasionando a diferenciação tipológica da nova espécie, a diferenciação das características físicas dos indivíduos da nova espécie frente aos da espécie ancestral, finalizando, desse modo o processo de especiação.
De acordo com esse modelo, portanto, a especiação biológica (isolamento reprodutivo) induz a especiação ecológica que, por sua vez, dispara a especiação tipológica (alterações morfológicas).
Utilizei, nesse exemplo, o bico de aves. Qualquer outra característica que adapte a espécie a explorar seu fator limitante teria papel equivalente.
Pontuacionismo
Terminado o processo de especiação, a nova espécie permaneceria quase imutável, mantendo, basicamente, suas mesmas formas ao longo das eras. Novos tipos surgiriam, assim, concomitantemente às novas espécies, em processos extremamente rápidos, incidentes sobre espécies incipientes enquanto ainda pouco populosas.
Em face da rapidez da diferenciação tipológica da nova espécie, o registro fóssil seria incapaz de captar o processo de transição entre as formas, revelando a nova espécie já sob sua “roupagem madura”, sob um novo formato, diferenciado do de sua espécie ancestral.
Permitam-me atrever a informar que propus essa explicação pouco mais de duas décadas atrás :-) - (Fonte: AQUI).
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