sexta-feira, 5 de outubro de 2018

ELEIÇÕES 2018: UMA VISÃO SOBRE O DEBATE GLOBAL


"Último debate do primeiro turno da campanha presidencial, o encontro da Globo não produziu alterações dramáticas na posição entre os principais candidatos mas abriu uma perspetiva promissora para o segundo turno: a reaproximação entre Fernando Haddad e Ciro Gomes.

Distanciados ao longo dos encontros anteriores, quando Ciro testava até onde poderia avançar em sua própria candidatura, o encontro encerrou-se com várias demonstrações de fraternidade, mais do que necessárias para enfrentar a ameaça de caráter fascista que Jair Bolsonaro representa no segundo turno.  

Ausente dos debates principais, realizados após a facada recebida em Juiz de Fora, Bolsonaro não compareceu ao encontro da Globo, privando milhões de eleitores de testemunhar seu desempenho num ritual obrigatório das democracias, que são os debates entre candidatos. 

A julgar por aquilo que diz a maioria das  pesquisas de intenção de voto, o atentado contra Bolsonaro foi uma tragédia, mas, do ponto de vista eleitoral e político, lhe garantiu o percurso sonhado por todo candidato que ocupa a liderança da campanha. Permitiu-lhe disputar uma vaga no segundo turno sem ser submetido ao confronto democrático presente em toda campanha presidencial, no qual todo candidato é confrontado por seus adversários, muitas vezes de forma orquestrada e agressiva.

Teste de nervos, de capacidade de improvisação e de competência para oferecer respostas rápidas a assuntos complexos, um debate é uma oportunidade particularmente instrutiva para o eleitorado tentar antecipar traços que ajudam a compreender o perfil de um homem público que disputa um cargo tão importante e decisivo.

Visto como candidato sem as qualificações básicas que se exige de quem pretende governar um país de 215 milhões de habitantes, endereço da 9a economia do mundo, Bolsonaro garantiu passagem para o segundo turno na condição do aluno que é diplomado sem prestar todos os exames exigidos dos demais.

Resta saber se conseguirá preservar o mesmo desempenho na segunda fase, um palco para confrontos 1 contra 1, numa campanha na qual todos têm o mesmo tempo de TV -- e a obrigação de apresentar projetos coerentes para o país, capazes de interessar eleitores em busca de algo mais do que frases de efeito, slogans e fake news.

Este Bolsonaro, um ilustre desconhecido, transformado num candidato inatingível após a facada, irá enfrentar um confronto no qual o grau de transparência é incomparavelmente maior, dificultando truques e artimanhas que o eleitorado irá perceber com facilidade. 

Alvo dos demais presentes, que esboçaram várias tentativas de ataque sempre que possível, Fernando Haddad saiu do encontro maior do que entrou. Enquadrou Alvaro Dias, concorrente irresponsável em sua agressividade tão barulhenta como oca. "Você nem sonha com o que eu fiz", disse ao senador, enumerando a herança que sua passagem pelo ministério da Educação deixou aos brasileiros pobres e explorados. Nunca deixou de apontar responsabilidades e erros do PSDB que tiveram importância decisiva na abertura e aprofundamento da crise do país. Nem precisou lembrar da auto-crítica do senador Tasso Jereissati para sublinhar o que queria dizer.

Quando a Marina Silva cobrou a autocrítica sobre erros do Partido dos Trabalhadores, exercício típico de quem quer obrigar o adversário a se diminuir perante o eleitorado sem apontar razões objetivas nem definir suas próprias responsabilidades, Haddad deu uma resposta enérgica. Lembrou que já assumiu erros e desvios em diversos pronunciamentos e entrevistas, mas que não iria "jogar fora a criança com a água do banho".

Em nenhum momento Haddad perdeu o fio condutor da própria candidatura. Homenageou Lula em diversas ocasiões, postura que deve lhe trazer frutos junto aos milhões de eleitores que não fizeram a transição entre as candidaturas. Não se intimidou com os diversos adversários que, sem força própria para crescer junto ao eleitorado, tentaram transformar o debate num show de hipocrisias, escondidos atrás da noção de que, ao lado de Bolsonaro, sua candidatura faz parte de uma disputa entre dois extremos que se equivalem e se complementam, impedindo o país de achar um caminho para sair do atoleiro -- noção tão conveniente como desonesta, sabemos todos.

Num país que procura uma saída para vencer a pior crise de sua história, Haddad deixou claro que ocupa o desafiante real de Bolsonaro, muito à vontade diante da responsabilidade que essa condição lhe confere.

Sem nenhum lance dramático capaz de constituir uma daquelas cenas inesquecíveis que marcam encontros dessa natureza, o fim do debate sinalizou uma nova situação política na campanha, em torno de Haddad e Ciro. Este comportamento pode se revelar o salto mais importante de uma campanha que tende a assumir o caráter de uma frente única em defesa da democracia, na qual a luta pelo bem-estar do povo caminha lado a lado com a defesa do regime de direitos e liberdades ameaçado por Bolsonaro. Num pronunciamento final de quem se despede do eleitorado de 2018, Ciro não deixou de pedir votos no domingo -- mas abriu um novo caminho a partir daí, ao deixar clara sua oposição à candidatura que representa uma inédita ameaça fascista na história brasileira."





(De Paulo Moreira Leite, jornalista, integrante da equipe responsável pelo site Brasil 247, post intitulado "Haddad, impecável" - Aqui).

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