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Confesso humildemente que ao ler o texto abaixo, do historiador Fernando Horta, considerei-o exageradamente amargo. O artigo foi publicado no GGN às 14h:04 do dia 06 de outubro; esperançosos e otimistas como sempre, alimentávamos a expectativa de que os frutos obteníveis ao final do dia seguinte teriam coloração diferente da sugerida por Horta. Engano monumental.
A promessa está se concretizando
Confesso humildemente que ao ler o texto abaixo, do historiador Fernando Horta, considerei-o exageradamente amargo. O artigo foi publicado no GGN às 14h:04 do dia 06 de outubro; esperançosos e otimistas como sempre, alimentávamos a expectativa de que os frutos obteníveis ao final do dia seguinte teriam coloração diferente da sugerida por Horta. Engano monumental.
A promessa está se concretizando
Por Fernando Horta
Talvez alguém possa não ter se dado conta, mas, em dez dias (apenas), o fascismo dissolveu todo o centro político do Brasil. Os liberais e neoliberais foram destruídos, Alckmin agoniza em lugar semelhante ao de Aécio e Marina simplesmente deixou de existir enquanto liderança política. Ainda que o desaparecimento destas figuras do cenário de representatividade política possa parecer à esquerda um motivo de comemoração, não o é. A democracia já está sendo dissolvida, e começa pelas partes menos democráticas, mas avançará a todos nós.
Pelo Brasil inteiro, há relatos, já, um dia antes do primeiro turno, de agressões, grupos em carros ameaçando a execução e efetivamente empregando violência contra quem eles creem necessário. Há carros circulando com forcas à vista, e gangues já constituídas, uniformizadas (usando a camiseta preta com o rosto da besta), agredindo mulheres, negros e pessoas com identidade de gênero diferente.
Tenho escrito, há algum tempo, que o fascismo é uma promessa de partilha da legitimidade do uso da violência. Este é o grande “plano de governo” que recebe tantos votos. “Dar armas”, “organizar a população”, “acabar com o grupo A ou B”, e tudo o mais é apenas a forma de fazer esta promessa acontecer. Os grupos escolhidos pelo fascismo (e que o suportam) serão autorizados a exercerem a violência legitimada primeiro pela ideia de “luta contra a corrupção”, mas, em seguida, vão transformar estes grupos em milícias, formais ou não, e o processo repetirá tudo – exatamente tudo – o que ocorreu na Alemanha, Itália e em todos os lugares que esta chaga fascista se instala.
Isto significa que o fascismo também já derreteu nosso judiciário. Nossos juízes falharam. A única coisa que um juiz precisa oferecer à sociedade é o manejo legal e racional do uso da força. A teoria diz que isto só é possível, dada a falibilidade do ser humano, através da defesa intransigente dos direitos individuais. Nossos juízes constituíram-se em juvenis personagens de capa e espada, a lutar contra seus próprios moinhos. A própria ameaça do fascismo não seria nada sem os juízes. Bolsonaro seria o dejeto fedorento que sempre foi se Lula estivesse concorrendo. O Brasil não estaria em perigo. Se está, foi entregue pelo judiciário ao fascismo.
Generalizo, sem desconhecer as muitas e brilhantes vozes dentro do judiciário que lutam contra o absurdo. Mas alguns poucos juízes não fazem uma instituição. O judiciário precisa ser tomado coletivamente, e, assim, está destruído. Foi calado pelo próprio corporativismo e pela politicagem dos que não compreenderam que o poder simbólico, quando destruído, não se recompõe sem uma imensa dose de violência.
De onde estamos, de onde as instituições nos deixaram chegar, não é possível um retorno à normalidade sem o uso da violência. As eleições de 2018 servem apenas para legitimar quem vai usar a violência contra quem. E é exatamente por isto a polarização que, a bem da verdade, foi sempre a característica da sociedade brasileira. Quando não era vista, é porque os mais pobres não tinham voz ou o país não tinha democracia. O que, no frigir dos ovos, acaba tendo efeito semelhante.
Há que se decidir quais grupos serão violentados. Se os fascistas terão sua liberdade de ofender, agredir, ameaçar, destruir, coagir, prender e soltar ao arrepio da lei, ou se todos nós seremos privados da liberdade de pensamento, das liberdades políticas básicas e – os mais à margem da nossa monstruosa construção social – serão até mesmo mortos ou mutilados. Sem meias palavras, é isto que se decide na eleição de 2018.
Por isto opositores históricos da esquerda, incluindo ex-presidentes, estão se ombreando contra o fascismo. Não é mais uma questão de “alianças com golpistas” como dizem infantilmente alguns personagens do nosso cenário político. Trata-se, agora, do mais puro sentimento de sobrevivência política e física. E é por isto que as instituições brasileiras falharam e o judiciário é o grande culpado pelo que estamos passando. Juiz não é super-herói, não é justiceiro e não pode ser carrasco. Juiz serve para uma, e apenas uma, função na sociedade: garantir a todos o exercício máximo das suas liberdades. Se esta for a noção-guia do judiciário, a política se encarrega de mitigar as diferenças de opinião sublimando-as num jogo bruto e duro, mas ideológico e retórico.
Ao contrário do que os fascistas dizem, a ideologia e a retórica são muito melhores de que o exercício físico da violência. Dentro do jogo político não está posta a destruição física do opositor. No fascismo, contudo, isto é regra. Eis a principal diferença entre os dois projetos em disputa. E, diante disto, todas as idiotices ditas recentemente sobre “radicalização”, tomadas como “idênticas” entre o 13 e o 17, são barbaridades expressas sem reflexão e que apenas fortalecem o fascismo. Aliás, esta tem sido a demonstração exata dos números nas pesquisas. Quanto mais tentam igualar retoricamente os dois projetos em disputa, mas o fascismo se fortalece.
A bem da verdade, #eleNão deveria ter sido expulso da câmara de deputados há muito tempo, por quebra de decoro. Decoro não é o uso de palavras erradas, mas a ameaça à integridade física de opositores, sejam parlamentares ou qualquer parte do povo. Privado do dinheiro público que aflui para sua família há anos, e sem os espaços de visibilidade do parlamento, teria sido muito mais difícil para o fascista chegar onde chegou. Depois, deveria ter sido cassado por crime de racismo, machismo, violência de gênero e tudo mais. São coisas que não deveriam mais ser admitidas sequer em proteção à alegada “liberdade de expressão”. Depois, não deveria ter encontrado partido que o permitisse concorrer. E, em última instância, deveria ter sido barrado pelo judiciário, pelas mesmas razões acima citadas.
Nada disto foi feito. Ainda assim, a democracia teria gerado “anticorpos” contra o fascismo. Bastava que o impeachment fraudulento não tivesse sido aceito pela Justiça ou que Lula, inocente como é, não tivesse sido encarcerado por um juiz e um promotor claramente fascistas. Ainda, mesmo processado, se os direitos de Lula – como a ONU exigiu – tivessem sido respeitados, Bolsonaro seria o Cabo Daciolo. Diante de estadistas de verdade e com história e respeitabilidade, estas excrescências somem. Houve uma imensa força do judiciário para nos entregar ao inferno. E a democracia, ainda assim, mantém-se lutando.
Vamos ao segundo turno. Espero racionalidade e maturidade do campo da esquerda, que, neste momento, começa na centro-direita liberal e vai até os revolucionários sociais. É preciso uma aliança imensa contra o fascismo, e para isto é preciso fazer qualquer coisa. Desde que se garanta o endurecimento das instituições em torno do respeito inalienável das liberdades individuais e a restrição do poder despótico do judiciário político que temos. O foco é a pessoa, o indivíduo e o cidadão e não o “mercado”.
O capital ganhará, é óbvio. O fascismo vai exigir que abortemos discussões sobre diminuição das desigualdades sociais, reformas e tudo mais. É sim um retrocesso. Retrocesso que já estava escrito quando em 2013 defendiam-se “protestos sem bandeiras”. É preciso calar (pela lei) o “guarda da esquina”, o fascista agressor em qualquer lugar e os juízes que se acham heróis. Entregar as pantufas aos generais de pijamas e, se ainda assim se recusarem a ir dormir, usar da lei para assim fazer. É preciso controlar os monopólios de poder, sejam eles da mídia, da justiça, das armas ou das emendas. São pequenas, mas importantes mudanças, que só serão feitas mediante um grande acordo nacional. E temos tudo para entender que este acordo DEVE ser feito neste momento.
O que está em jogo não é mais a “república”, o “pacto federativo”, o “projeto” do partido A ou B. O que está em jogo é a sobrevivência física de 50% da população brasileira. É a manutenção das liberdades conquistadas ainda na Revolução Francesa, no século XVIII.
O que está em jogo é a destruição completa e irrestrita do projeto fascista. Não é “polarização”. Diante o que temos, esta palavra é um eufemismo. O que está em jogo é a sobrevivência do Brasil, mesmo imperfeito como o temos hoje. - (Aqui).
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