quinta-feira, 4 de outubro de 2018

OS TRINTA ANOS DA CONSTITUIÇÃO

Inúmeros artigos foram publicados neste blog nos últimos meses em face desta data, ou, melhor, em face do que se comemora exatamente amanhã, dia 5. Todas as abordagens foram, de um lado, de louvação à Carta Magna (merecidamente), de outro, de lamentação pelo fato de a determinação contida no artigo 102 haver sofrido danos ao longo do caminho. E o que se contém no artigo 102? A ordem de que o Supremo Tribunal Federal atue como guardião da Constituição da República. A despeito do que certamente se está a ouvir nas reuniões festivas que a data inspira, nada há que convença este blog da justeza de certos atos praticados, sem contar a carência de regulamentação de 'n' dispositivos constitucionais, mesmo após decorridas três décadas.
Mas, como sustenta o articulista Aras, "não vamos esmorecer. O Brasil é um belíssimo país, rico pelas qualidades de sua gente, pela sua cultura e pelo seu vasto patrimônio natural." Idiossincrasias à parte.
(CF, 30 anos).
Os 30 anos da Constituição 
Por Vladimir Aras
Nos 30 anos da Constituição Federal, o que temos a comemorar?
Marcando o fim do regime de exceção iniciado vinte anos antes, a Emenda Constitucional 26, de 1985, convocou a Assembléia Nacional Constituinte (ANC), unicameral, livre e soberana. Os 559 constituintes eleitos em 15 de novembro de 1986 se encarregariam de redigir a nova Constituição, uma promessa de Tancredo Neves que foi honrada pelo seu sucessor, José Sarney. 
A ANC foi instalada pelo então presidente do STF, ministro José Carlos Moreira Alves, no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional em Brasília. No dia seguinte, o deputado Ulysses Guimarães foi eleito seu presidente.
Dominados por fortes disputas políticas, os trabalhos constituintes foram encerrados em setembro de 1988. Em 5 de outubro daquele ano, Ulysses Guimarães proclamou a nova ordem constitucional, que finalmente nos trouxe a democracia de que podemos gozar hoje.
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”
Foram esses os valores que nos inspiraram naqueles anos.
Atualmente, a CF tem mais de cem emendas. Muitos falam em substituí-la por um novo texto.
Entre as pretensões reformistas, estão a de alterar o sistema político e o modelo previdenciário, a de reformar o Judiciário e o Ministério Público, uma instituição republicana que costuma incomodar a quem comete corrupção e a quem desrespeita os direitos humanos previstos nas leis e na Constituição.
Constituintes são eventos bissextos. Democracias estáveis não mudam de Constituição como mudam de roupa. Ao longo de nossa história, tivemos sete leis fundamentais: a imperial de 1824, a primeira republicana de 1891, as de 1934, 1937 e 1946, que foram seguidas das cartas outorgadas em 1967 e 1969. Graças à distensão que se consumou com a campanha pelas eleições diretas em 1984, pudemos sonhar com a nova Constituição de 1988, agora rejeitada por uns e criticada por outros.
A atual Constituição ainda não é a mais duradoura de nossa história, já que a Carta Imperial de 1824, outorgada sob D. Pedro I, vigorou por 67 anos, ao passo que a primeira constituição federal, também do século 19, vigeu por cerca de 43 anos.
A CF de 1988 não é a melhor do mundo, nem a mais clara ou a mais concisa, mas é a melhor que nos foi possível ter nas circunstâncias em que foi convocada a ANC de 1987. É a lei que nos protege a todos e é a lei que orienta os deveres dos poderes públicos para com o povo.
É curioso que quando chegamos a três décadas de vigência da Constituição estejamos em meio a debates sobre possíveis retrocessos democráticos, que nela impactariam.
A CF de 1988 nos deu uma bela carta de direitos fundamentais, que se inspira nas convenções internacionais e nas declarações universais de direitos humanos, que protegem os nossos direitos à vida, à propriedade, à liberdade, à honra, à imagem e à integridade física.
Deu-nos os direitos políticos de votar e sermos votados e os direitos sociais relativos ao trabalho, à previdência social e à assistência social e diversos direitos difusos, como os que nos garantem o meio ambiente saudável e o desenvolvimento sustentável, num desejado equilíbrio entre o progresso e a produção e a preservação dos recursos naturais e os interesses das populações tradicionais.
A CF nos deu diretrizes para a inserção do Brasil no mundo como uma nação que promove a cooperação internacional para a paz e para o progresso da humanidade e respeita a autodeterminação dos povos.
A CF de 1988 nos deu um Ministério Público autônomo, bem estruturado e projetado para a defesa dos cidadãos contra o próprio Estado e para a defesa de todos contra o crime e a improbidade.
A CF de 1988 nos deu um conjunto de princípios voltados para a defesa da legalidade, da probidade, da impessoalidade, da publicidade e da eficiência na Administração Pública. São regras que criam as bases do direito de todos a governos honestos e transparentes.
A CF nos devolveu a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e a liberdade de associação. Repudia a tortura e nos deu pela primeira vez de forma clara o direito à segurança pública, que os governos ainda nos sonegam.
A CF também nos legou uma série de problemas. Muito extensa, regulou o que não lhe cabia. Temas que deveriam estar previstos nas leis comuns viraram normas constitucionais, o que acaba gerando pressão por emendas, muitas emendas.
A CF faz seu 30° aniversário em meio a uma grave crise política, que põe em xeque o pacto da Nova República, e vivencia uma intervenção federal no Rio de Janeiro, este que é o retrato pronto e acabado do caos da segurança pública no Brasil.
Neste aniversário da Constituição, ao qual se seguirá o 129º ano da República, assistimos a uma deplorável divisão do País em facções e paixões.
Numa bela lição evangélica, registrada em Mateus 12:25, lemos que “Todo o reino dividido contra si mesmo é devastado; e toda a cidade, ou casa, dividida contra si mesma não subsistirá.” Uma das estratégias de Roma para conquistar e derrotar seus inimigos seguia exatamente a estratégia da divisão: divide et impera.
Não temos cuidado do nosso povo, que é assassinado aos milhares todos os anos. Não temos cuidado da nossa cultura, destruída e incendiada como se viu no Museu Nacional não faz muito. Não respeitamos nossos símbolos e nossos valores, não podemos comemorar títulos na ciência, somos iletrados e, muitas vezes, intolerantes.
Mas não vamos esmorecer. O Brasil é um belíssimo país, rico pelas qualidades de sua gente, pela sua cultura e pelo seu vasto patrimônio natural.
Os governantes que elegeremos este mês na União e nos Estados estarão nos cargos durante o Bicentenário da Independência em 2022.
É com a história que se constrói o futuro. Éramos um império escravagista que acabara de destacar-se da metrópole portuguesa. Passamos por maus momentos nesses dois séculos. Agora somos uma República que precisa libertar-se de seu obscuro passado de violência e de corrupção. Esses são outros tipos de grilhões que nos atrasam o progresso e dos quais devemos nos livrar juntos, para que os 200 milhões de brasileiros possamos celebrar os 30 anos do Estado de Direito, os 200 anos do Brasil e esperar pelas próximas datas magnas. Só a democracia e a Constituição podem nos levar até lá.  -  (Aqui).

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