E o que você acha? Pensa já ter acabado a eleição?
Por Fernando Nogueira da Costa
Uma companheira de 40 anos de luta, desde o levante democrático contra a ditadura militar, lança-me as perguntas acima. Essas perguntinhas aparentemente simples exigem reflexão sobre questões complexas impossíveis de serem respondidas com simples e poucas palavras.
No primeiro turno, quase metade do eleitorado abandonou os candidatos de centro-direita e concentrou votos no ex-capitão da extrema-direita. Qual seria o argumento deles? Medo da derrota face à ascendente preferência pela centro-esquerda?
Isto é meia-verdade. Meio-vazio. O outro lado é o fastio contra tudo e todos do establishment político a ponto dos nomes conhecidos tanto de golpistas quanto de contra golpistas não terem sido (re)eleitos. Foi depositado nas urnas um sentimento de repugnância ou de aversão, senão um sentimento de enfado, aborrecimento e tédio contra “a velha política”, como dizia Marina Silva. Foi politicamente enterrada.
Muitos novos eleitos são representantes das castas da farda, da toga e dos mercadores. Estas são as origens de muitos novos deputados/senadores e de prováveis novos governadores. Tem militar, juiz, advogado e empresário. Mas não só, jovens ativistas à direita e à esquerda também foram eleitos. Metade (46% do Bolsonaro mais 4,6% do João Amoedo, Álvaro Dias e Cabo Daciolo) do eleitorado optou no Sul-Sudeste e Centro-Oeste pela violenta elevação do poder da ordem, da lei e do livre-mercado. Entretanto, 42% dos eleitores de Haddad, Ciro, Boulos e do PSB discordam dessa alternativa extremista. Optam pela moderação e conciliação da centro-esquerda democrática.
Se política fosse matemática, estariam em jogo, no segundo turno, o destino dos 7% de votos de eleitores de Geraldo Alckmin (PSDB), Marina Silva (Rede) e Henrique Meirelles (MDB). Eles somaram, grosso modo, 7% dos votos.
Mas a política – uma ação coletiva em busca da predominância de determinados interesses – não é tão racional. É emotiva. Exige a arte da argumentação. O convencimento é ato ou efeito de convencer (e convencer-se). Para tanto, temos de usar nossa convicção, a certeza de algo: o projeto da extrema-direita, misturado com ultra liberalismo econômico, será péssimo para o País.
Estamos já a ver a atitude imodesta, a presunção, a pretensão e a soberba do guru econômico do candidato ignorante confesso em Economia. 0 Paulo Guedes, com 69 anos, continua pouco afeito à modéstia. A falta de reconhecimento dos demais colegas economistas, para os quais ele se gabava de ter obtido “a melhor formação no mundo na Escola de Chicago”, marcaria sua vida profissional com muito ressentimento.
Ao contrário dos trabalhos de Economia aplicada à realidade dos colegas latino-americanos, sua tese foi apenas um modelo teórico. Recebeu o título “Optimal Fiscal Policy in a Two Sector Growth Model for an Open Economy” [Política fiscal ótima em um modelo de crescimento para uma economia aberta em dois setores]. Tem 63 páginas preenchidas, praticamente, apenas por equações. Brazil?! Ora, o que é isto?!
Ele nunca publicou artigos sobre a realidade brasileira, nem integrou quadros docentes das universidades brasileiras de prestígio. Sequer foi professor em tempo integral da FGV ou na PUC no Rio, em viés de validação ilusória, através de “confirmação exclusiva de seu saber com quem pensa igual”. Perseverou no erro de auto avaliação.
Ele resolveu então a se dedicar ao mercado financeiro, ou seja, à fácil e enriquecedora arte de comprar barato o ativo depois possível ser vendido caro. A “regra de ouro do comércio”, seja de ações, seja de dólar ou outro ativo qualquer, é essa: adiantar-se à opinião predominante em O Mercado mais adiante. Com a colaboração de formadores dessa “opinião especializada” (sic), os insiders depenam os outsiders “inocentes úteis”.
Assim, usou seu diploma como argumento de autoridade para formar opiniões e se tornar sócio do Banco Pactual. É um banco desse tipo de negócios, sem clientes depositantes como na atividade de varejo bancário. Para formar mais quadros ideólogos com o objetivo de divulgar sua ideologia ultraliberal, foi fundador do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais), do qual foi dissidente o INSPER, e do Instituto Millenium. Hoje preside a Bozano Investimentos, onde por meio das compras e vendas sem geração de empregos ganhou o que anunciou como sendo “muito dinheiro”.
Mas permanecia o ciúme de colegas da GV e PUC cariocas a se revezarem em cargos públicos no Planalto Central e se notabilizarem junto à mídia conservadora para se tornarem “economistas-chefe” de bancos paulistas. Guedes deu aulas apenas em regime parcial, tarefa menos prestigiosa. Ele então nunca ocupou um cargo público.
Primeiro, tentou lançar a candidatura do apresentador de TV, Luciano Hulk, para se tornar seu “cérebro econômico”. Não sendo bem-sucedido, percebeu um vácuo de ideias econômicas no cérebro do ex-capitão reformado (e político profissional há 28 anos). Ofereceu-se rapidamente para preencher esse vazio. Foi aceito prontamente como um “posto Ipiranga” – e nomeado desde logo ministro da Fazenda, ou melhor, da Economia, pois reunirá sob sua gestão privatista o Planejamento e o Ministério de Indústria e Comércio Exterior. O Mercado teve um orgasmo quando vislumbrou as oportunidades de ganhar dinheiro fácil à custa da Nação.
Seus colegas pré-anunciados, antes do 2º. turno eleitoral, para ocupar a Esplanada dos Ministérios, são “sobrinhos do capitão”. O deputado direitista Onyx Lorenzoni (DEM-RS), será o chefe da Casa Civil, fundida com a Secretaria de Governo. O presidente interino do PSL, Gustavo Bebianno, é formado em Direito pela PUC-Rio, logo se apossará do Ministério da Justiça. Stravos Xanthopoylos da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED) conquistará o Ministério da Educação, abarcando também as pastas de Cultura e Esportes. Alô, alô, planeta Terra, o astronauta Marcos Pontes assumirá o Ministério da Ciência e Tecnologia. Henrique Prata, diretor-geral do Hospital do Câncer de Barretos, dominará o Ministério da Saúde. O general da reserva Oswaldo de Jesus Ferreira imporá autoridade militar no Ministério dos Transportes. O general da reserva Augusto Heleno será o ministro da Defesa. E tem mais o ruralista Nabhan Garcia, presidente da reacionária UDR (União Democrática Ruralista) a ser instalado no Ministério da Agricultura com o subordinado Meio Ambiente. Reforma agrária?! Risos.
Apesar de desencontros recentes em discursos entre ele e Bolsonaro, quando este já deu um “cala boca moleque” (e um aviso-prévio do “passa-fora moleque”) quanto às privatizações de todas as empresas estatais, o relançamento do CPMF, o fim da tributação progressiva com alíquota única de 20% no imposto de renda, o economista deu o selo de confiança para a campanha conquistar, até aqui, o apoio de “corações e mentes”, caso estas existam, do mercado financeiro. Quanto a essas “ideias geniais” até o capitão ignorante confesso em Economia sabe serem politicamente incorretas.
Fora os oportunistas direitistas de plantão, alguns técnicos do IPEA, MINFAZ e UnB a oferecerem seus préstimos à custa de carguinhos, o critério de seleção de sua equipe é ser membro da casta dos mercadores neoliberais entreguistas. Fazem parte da lista Alexandre Bettamio, presidente-executivo para a América Latina do Bank of America, para assumir a presidência do Banco do Brasil, João Cox, presidente do conselho de administração da TIM e presidente da ex-Claro, para controlar o Ministério das Comunicações, e Sergio Eraldo de Salles Pinto, da Bozano Investimentos, presidida por Guedes, com missão privatizante para propiciar bons negócios para seus pares.
Maria Silvia Bastos Marques, hoje CEO da Goldman Sachs no Brasil, ex-presidente do BNDES, cujos conflitos com servidores levaram ela deixar o cargo em 2017, voltará triunfalmente? Eduardo Mufarej, sócio da gestora de investimentos Tarpon e um dos fundadores do grupo RenovaBR, e Salim Mattar, dono da Localiza, assim como outros “paraquedistas”, principalmente do mercado financeiro, representam o símbolo da chegada dos chamados “ultraliberais autênticos” ao poder. Ah, cabe também uma homenagem ao Roberto Campos Neto: poderia eventualmente assumir o Banco Central.
Volto às perguntas iniciais: o que eu acho? Já está “precificado” o resultado da eleição? Pela extrema-direita autoritária está sim. Pela esquerda democrática, não. Tenho esperança de esclarecimento da massa de eleitores antes movidos pelo “ódio a tudo por aí na politicagem brasileira”. Talvez este já tenha sido satisfeito com o afastamento de muitos golpistas “profissionais da política”. Eliminado já esse passado, essa massa de brasileiros vislumbra esse péssimo futuro descortinado?
Como essa gente ultraliberal, inexperiente e ideologizada lidará com os graves problemas estruturais, cíclicos e conjunturais? Ficará indiferente ao desemprego estrutural da 4ª. Revolução Industrial e à desindustrialização brasileira? Promoverá a total abertura externa, em um mundo protecionista, para as importações competitivas e o conformismo com a “vocação agrícola” natural? Restará ao Brasil ser a “fazenda do mundo”? Privatizará e desnacionalizará toda a extração de petróleo brasileiro? Restará aos milhões de desempregados disputarem serviços urbanos de baixíssima produtividade e salários sob o tacão da repressão militar contra qualquer rebeldia? Agravará a desigualdade social sob o discurso da meritocracia por parte de quem obteve a “sorte do berço”? Qual será seu projeto para a retomada do crescimento da renda e do emprego? O governo se omitirá a respeito? Transferirá seu papel contra cíclico para a iniciativa privada estrangeira? Não posso acreditar na vitória da burrice. Quero crer: ainda há chance de a inteligência vencer. - (AQUI).
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Fernando Nogueira da Costa - Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Métodos de Análise Econômica” (Editora Contexto; 2018 - no prelo).
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