"Países europeus, através dos séculos, passaram por grandes crises econômicas e seus governos recorreram a políticas de aperto dos cintos ao extremo, a austeridade para salvar a Nação. Um exemplo recente foi a Inglaterra ao fim da Segunda Guerra.
Por um período de seis anos, de 1945 a 1951, a Inglaterra se viu depauperada, sem divisas para importar comida e petróleo, teve que vender seus maiores ativos no exterior e os Estados Unidos cobraram implacavelmente os fornecimentos de material bélico que fizeram no período crucial de setembro de 1939 a dezembro de 1941. Neste período, o Reino Unido estava sozinho contra a Alemanha, Itália e Japão, os EUA eram neutros e vendiam caro seus suprimentos.
Finda a Guerra, o Governo britânico de Clement Attlee, do Labour Party, aplicou um severo racionamento de comida, energia elétrica, gasolina e de tudo o que fosse importado. Havia uma caderneta de racionamento onde a cota de manteiga era de 57 gramas por semana e de açúcar era 207 gramas por mês por pessoa.
O plano de austeridade foi bem sucedido porque o primeiro aperto de cinto foi o da Família Real. Os Windsor iam à fila de racionamento, as luzes do Palácio de Buckingham estavam sempre apagadas. O mesmo rigor estava no Parlamento e na Câmara dos Lordes.
A Monarquia inglesa, com toda sua pompa, protocolo e tradição custa hoje 78 milhões de Libras por ano, incluindo os estipêndios da Rainha e de sua família, muito menos que a Presidência de países pequenos. A Casa Real não tem mais iate e nem avião, a Rainha quando viaja usa aviões da British Airways em voos normais.
No Brasil pretende-se impor um “teto de gastos” draconiano MAS esqueceram dos símbolos. Os símbolos são ESSENCIAIS em planos de austeridade. Onde estão eles? Em nenhum lugar. O plano então não tem apelo e nem bandeira. Cortar onde? Será no esparadrapo, na merenda das crianças, nos salários das enfermeiras? Nos essenciais investimentos públicos?
Os exemplos precisam vir de cima nem que sejam limitados. Por exemplo, porque Ministros tem que ter jatinhos a disposição para leva-los de Brasília às suas cidades de origem? Uma viagem de Brasília a São Paulo, ida e volta de jatinho da FAB custa, por baixo, 35 mil Reais. Um só Ministro fez, em curto período, 70 viagens. E pior, voam de Brasília a SP em voos individuais, não juntam dois ou três no mesmo voo. Essas viagens jamais deveriam existir, QUEM ACEITA SER MINISTRO TEM QUE MORAR EM BRASILIA, se quer ver a mãe ou a esposa que faça a viagem por voo comercial à sua custa, esta não é uma despesa do Estado.
Mordomia semelhante não existe em outros países. É absurda e abusiva! Viagens de Ministros devem ser coisa rara, não é para inaugurar canteiro de obra visando criar capital político para futura eleição. Em princípio, um Ministro raramente deve sair de Brasília, tem que haver séria justificativa para isso.
Um Ministro, por definição, deve receber autoridades e cidadãos em Brasília, em seu gabinete. Os interessados devem ir até ele e não ele aos outros. É assim que se faz em todo mundo. A saída do Ministério deve ser exceção, no Brasil é a regra. Eles gostam de viajar, é uma forma de se exibir em público, fugir de problemas e decisões, combustível, mão de obra cara para servir passeios políticos.
Acabar com essa prática seria forte símbolo de austeridade compreendido por toda a população, gesto impactante de fácil e geral percepção, claro, transparente, cristalino. Estão economizando, dirá o povo.
Onde estão os cortes ESSENCIAS no Congresso, explodindo de funcionários, mordomias, passagens, gasolina que dá para cada Deputado ir à China e voltar, “missões” para “observar” algum evento de importância zero como a Assembleia Geral da ONU, conferências em Portugal, eleições no Panamá, homenagem ao coronel Odorico em Nazaré das Farinhas e outros eventos de nenhum interesse nacional?
E as “corporações judiciárias” estão cortando onde? O Ministério Público de Minas Gerais pretende pagar R$1 bilhão de auxílio-moradia retroativo a 1994, assim mesmo, com a maior candura. No STF há 400 recepcionistas e incontáveis seguranças para as casas dos Ministros de Brasília e de onde moram em outros Estados. A casa oficial que merece segurança paga pelo Estado deve ser uma só.
Nos Tribunais de todo o Brasil há “lanches” com iguarias raras que jamais caberiam em lanches vespertinos. O próprio lanche pago pelo Tesouro já é algo discutível. Nas Assembleias Legislativas continuam licitações frívolas, como no Rio, Estado que não está pagando bombeiro, na rua há licitação para coquetéis e banquetes da ALERJ. Quem comanda esses organismos não tem a mínima sensibilidade de suspender tais desperdícios de dinheiro?Assembleias e Câmaras de todo o Brasil continuam gastando com homenagens (flores e coquetel), medalhas padrão Sucupira, santinhos e livrecos inúteis, rádios e TVs que ninguém ouve ou vê. É uma farra como se fosse dinheiro sem dono.
Na PEC 55 quem vai cortar isso, de onde vem a tesoura? Porque a PEC não apontou os cortes? Não teve coragem? Deixar os cortes a cargo dos que devem ser cortados, como os Congressistas, significa que vão cortar nos que não podem se defender, ou há alguma dúvida disso? A PEC 55 não teve coragem de fazer o corte específico, direto, cirúrgico, direcionado, ao estabelecer um teto linear deu a tesoura ao interessado na despesa, vão cortar nos pobres e nos investimentos para não cortar no custeio que os afeta.
E ainda vemos santelmos como certos economistas PhD dizendo em programas de TV que “estamos fazendo o Congresso discutir o orçamento de verdade, eles vão ter que decidir onde cortar” É assim Dr. Pessoa? Simples assim? E o senhor acha que essas raposas curtidas vão cortar o jantar delas?
É cada raciocínio simplório! E são alçados a gênios pela Globonews! Estão entregando uma ilusão ao público, quem deve e pode cortar é o Governo através de sua força no Congresso.
Para não ficar só em críticas dou quatro ideias simples de controle de gastos que podem ser implantadas rapidamente na União e também nos Estados.
1.Um centro de controle de ALUGUEIS de prédios para o Governo Federal, Estatais e órgãos federais autônomos. Esse centro, que pode ficar no Ministério do Planejamento, dará PARAMETROS de aluguel por metro quadrado em áreas de cada cidade onde o Governo Federal tem atividades.
Em Brasília o número de prédios alugados pelo Governo Federal é enorme, a decisão é do Ministro, alugam prédios caríssimos por uma questão de “prestigio”, sem perguntar se existe espaço disponível em prédios que já são do Governo. Ou trocam de prédios pelo simples prazer de trocar, como fez o Ministro George Hilton dos Esportes na sua curta temporada como Ministro. O prédio anterior era modesto e ótimo, mudou para outro mais chique e completamente desnecessário.
Isso se repete todo dia, quem controla acima do Ministro?
A SAC, Secretaria de Aviação Civil alugou um andar em um prédio corporativo, do estilo construído para multinacionais que precisam causar boa impressão e, portanto, são mais caros por metro quadrado. Um órgão do Governo não tem necessidade de conquistar clientes, não precisa de padrão de edifício de grife, é Governo, pode estar em qualquer lugar.
2.Um centro de controle dos contratos de TERCEIRIZAÇÃO de mão de obra, hoje uma mega despesa. Gasta-se com isso mais do que com empreiteiras, há conhecidas irregularidades que até os jardineiros da Esplanada dos Ministérios sabem como é que faz (manda 7 e cobra 10). Sendo um super item de despesa jamais se ouviu falar de uma investigação.
Hoje cada órgão faz a terceirização como bem entende, não é só de mão de obra, é também de veículos. É preciso ter parâmetros e contínua fiscalização sobre esses contratos que envolvem mais faturamento do que de obras públicas e, é hoje, o grande ralo do custeio.
3.Um centro de controle de despesas com Tecnologia de Informação, outra mega despesa dispersada e fragmentada por todos os órgãos. Há muito sistema ruim, ultrapassado, ineficiente, incompatível, desintegrado, compra-se ou aluga-se software superado, implantações caríssimas. Quem é do ramo sabe do que eu estou falando. Porque não fazer o SERPRO fiscalizar essa feira livre?
4.Um centro de controle de compra de passagens aéreas. O Governo Federal é o maior comprador de passagens do País, paga preço cheio e sem descontos quando pelo seu poder de compra poderia ter descontos monumentais.
As multinacionais que conheço compram um pacote mínimo e máximo de passagens para o ano inteiro e tem descontos de até 70% porque garantem um fluxo de caixa para as empresas aéreas. É um processo universal!
Providências simples que poderiam estar na PEC 55, mas é mais fácil um limite teórico jogando o problema da definição para os outros e não para o Governo, que é quem tem a obrigação de Governar no interesse da sociedade dando eficiência aos gastos.
O Ministro Meirelles, que é quem tem a chave do cofre e deveria ser o grande comandante dessa tarefa de melhor utilizar os recursos públicos, tira o corpo fora para não se desgastar e joga a tarefa para a Comissão Mista do Orçamento. A Comissão vai arbitrar sem a liderança do Governo porque a PEC 55 não dá qualquer direcionamento ao que deve ser cortado, só o limite teórico. Esse direcionamento deveria estar na própria PEC que pode tudo, especialmente dar parâmetros aos gastos, salários, contratações, terceirizações, alugueis, etc.
A grande mudança digna de uma PEC histórica seria acabar com “autonomias” financeiras que são fogueiras do dinheiro público em benefício de corporações, daí nascem os contracheques de 120 mil Reais e as “férias acumuladas” de 400 mil. As absurdas propagandas do TSE após as eleições (para que servem?), a população vê continuadas “fogueiras” de dinheiro consumido de forma descuidada e debochada e aí pedem austeridade no posto de saúde?
Sem moral não se faz austeridade e a moral está no exemplo. Recursos públicos são sagrados, não pode haver essa “folga” de dar cheque em branco sem perguntar onde vai ser gasto. Isso é o que se faz por todo o Brasil em benefício de Assembleias, Câmara de Vereadores, Tribunais, Universidades, Ministérios Públicos. Transfere-se o recurso sem fazer perguntas.
No regime da Constituição de 1946 não era assim, como não é assim em País nenhum digno desse nome. Há que haver controle permanente da destinação por parte de um órgão paralelo àquele que vai gastar. No passado quem pagava a construção de um prédio de fórum era o Poder Executivo, hoje é o próprio Judiciário que vai usar o fórum.
Perdeu-se um elo na cadeia do controle. O Executivo é o único poder que assina cheques, todo o dinheiro vem do Poder Executivo que é quem arrecada os impostos, quando ele repassa para outro poder tem que reter o controle de como o dinheiro será gasto.
Hoje não é assim, passa-se todo mês um duodécimo para a USP e ela gasta como quiser, o que ela faz? Gasta tudo com a folha para benefício de quem recebe os recursos e não em benefício da população. Essa autonomia vai contra todas as regras universais de controle de recursos públicos. Se dá cheque em branco para dezenas de corporações gastarem como bem entendem.
O primeiro dinheiroduto é a folha, o segundo é o aluguel de prédios. Em São Paulo, órgãos que há 20 anos tinham um prédio sóbrio hoje tem mega torres mais dez ou quinze prédios. Nenhum Poder tem um controle central dessas aberrações, alugam prédios em zonas nobres ao invés de prédios nos centros das cidades onde é muito mais barato por metro quadrado, tudo sem duplo controle, um só grupo decide, aluga e paga.
Tudo isso quebrou o Estado brasileiro nos três níveis, não foi o dinheiro para os pobres.
Uma simples auditoria em contratos novos vai achar alugueis acima do mercado, tem empreendedores que constroem prédios já para alugar ao Governo, o melhor locatário do mercado. Prédios são alugados para conforto dos burocratas e não para o público que demanda a repartição em busca de algum serviço, assistência, documento ou direito.
A austeridade subjacente à PEC 55 tem duas visões: ou é puro teatro para os “mercados” ou vai afetar profundamente os que não tem como se defender, a escala mais baixa do funcionalismo, geralmente a que lida com o público, policiais, atendentes de saúde, atendentes nos balcões das repartições, faxineiros, merendeiras. Vai afetar também suprimentos. No Rio já foi cortado o prato dos pobres vendido nos restaurantes populares, a última linha de defesa da miséria, não se ouviu falar de cortes nos andares de cima.
Não vai ser possível, politicamente, sequer tocar na remuneração absurdamente alta das “corporações” que ainda tem a cara de pau de pedir aumentos em meio à crise. A Constituição de 1988, a pior da História do planeta, criou “autonomias” para fugir da centralização do regime militar. Dá-se dinheiro em transferências cegas para determinados órgãos sem controle de cima.
O que fazem com o dinheiro sem carimbo? Ora, que pergunta. A TOTALIDADE vai para salários, vantagens, auxílios, quinquênios, a criatividade é infinita. Nada vai para algo em benefício da população.
Na USP e na UNICAMP, que tem percentual fixo da receita do ICMS do Estado de São Paulo, quase 10%, foi TUDO para a folha. Aliás, tudo não, foi mais que tudo, a folha consome 105% do repasse do ICMS, donde se encontram “Procuradores” da USP se aposentando com 80 mil por mês. O que faz um Procurador de uma universidade que um escritório de advocacia não possa fazer por um décimo do custo? E não são 2, 5 ou 10 Procuradores, são mais.
Fazendo uma comparação com a Harvard University, a USP tem uma relação de funcionários por alunos 5 vezes maior, professor por aluno é de 1,6 maior. É um descontrole absoluto, sabe por quê? O Reitor é eleito pelos professores e funcionários, quer dizer, não há dinheiro algum para pesquisas e investimentos, vai tudo para os eleitores que votam no Reitor. É um descalabro total.
Não há mundo sistema mais aberrante onde aqueles que pegam os contracheques elegem os que assinam os cheques, nem a Corte de Luís XVI inventaria sistema mais torrador de dinheiro do que esse.
Não vejo no MUNDO REAL nenhuma chance de um plano de austeridade nos gastos públicos dar certo com racionalidade no Brasil em um Governo que não tenha força política para cortar a despesa na ponta em que ela é gasta.
O teto de gastos é uma ficção para jogar a bola do corte para o Congresso, que não vai cortar na carne nem sob tortura, vai cortar na ponta da pobreza, na educação, na saúde, na assistência social, não vai cortar na carne deles e daqueles a quem temem. A pressão de quem deve ser cortado é muito maior do que aqueles que não devem ser cortados porque já estão no limite da pobreza.
Então vão ser feitas economias ruins onde não há o que cortar, poupando a elite do funcionalismo dos Três Poderes que ganha MUITO MAIS em dólares do que corporações da mesma função ganham nos países ricos, poupando mordomias das quais nem se cogita cortar. Esses não serão tocados! A ALERJ do Rio vai continuar a ter centenas funcionários ganhando acima do teto, o Tribunal de Justiça da Bahia vai continuar a pagar uma aposentadoria de 33 mil Reais a uma atendente de recepção, a Câmara Municipal de São Paulo vai continuar a ter aposentado ganhando o dobro do teto, cidades pequenas que mal conseguem pagar a luz da Prefeitura vão continuar a pagar vereadores 9 mil Reais por mês, função que pelo mundo e mesmo no Brasil antigo era prestada DE GRAÇA, era uma honra servir à cidade.
Lamento a desconfiança, austeridade no Brasil só com regime autoritário, o resto é um teatro de sombras venezianas que todas fingem acreditar que vai dar certo só porque existe uma lei de teto, um faz de conta ignorando a realidade dos fatos. Resgato aqui a honrosa exceção das Forças Armadas, onde todos ganham pouco e não reclamam, um General de Exército ganha menos que um juiz do trabalho iniciante, o controle de gastos é rígido a ponto de haver dias sem rancho para economizar comida, eles sabem dar valor ao recurso público e fazem milagre com poucos recursos. Mas é uma exceção."
(De André Araújo, artigo publicado no Jornal GGN em 17 de novembro de 2016. Grande historiador e arguto observador da cena brasileira e internacional, André Araújo mostra o quanto o tema austeridade é ciclicamente tratado - e jamais solucionado.
O que diz presentemente a direção do Jornal GGN:
"O artigo acima foi publicado em 17 de novembro de 2016, 8 anos atrás. Seu autor, André Araújo, abrilhantou por anos o GGN com seu conhecimento enciclopédico. Profundo conhecedor das instituições norte-americanas, foi o primeiro a levantar a necessidade de uma agência das agências reguladoras – proposta que Lula passou a defender ontem.
Anos antes de Clara Mattei – a economista italiana que consolidou as críticas às chamadas políticas de austeridade -, André produziu uma obra monumental sobre o tema – 'Moeda e Prosperidade'. O livro merece ser redescoberto.
Agora que o governo fala em cortar privilégios, [é oportuno] o artigo de André explicitando as dificuldades imemoriais da elite política, judiciária e empresarial brasileira. O artigo é de 2016, e tem que ser analisado no contexto da época e no que é permanente. Depois disso houve mudanças preservando os interesses dos poderes centralizados e afetando profundamente as universidades e centros de pesquisa. E houve um enorme avanço dos interesses militares").
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