Por trás das 500 páginas, há tanto esperança, quanto estratégia. Há mais em jogo do que a absolvição ou condenação formal. Daqui para frente, a defesa tem outras e mais amplas audiências.
Há o debate público mais amplo em curso sobre a narrativa em torno dos eventos dos últimos meses. Foi ou não um processo legal, ainda que controverso na sua substância? As garantias processuais de Dilma foram respeitadas, ou atropeladas? O placar no Senado não vai concluir as interpretações públicas dos eventos.
Mais importante no curto prazo, porém, é a discussão que se aproxima no Supremo. É certo que a defesa de Dilma recorrerá ao Supremo tão logo os senadores concluam sua votação. A chance de reverter a condenação pelo Senado é baixa. Mas não é esse o único objetivo do futuro recurso.
Judicializar a condenação, por si só, pode atrasar o fim do processo, abrindo algum espaço para mudanças no cenário político. Mais ainda, qualquer voto vencido de ministro do Supremo nesse caso será poderoso combustível em prol da narrativa mais ampla de Dilma: foi derrotada, mas fora das regras, segundo um ou mais ministros.
A verdadeira briga judicial, portanto, não é tanto para vencer, mas para dividir minimamente o tribunal e conquistar ao menos um voto. Caso a questão seja levada para esferas internacionais, uma decisão final do Supremo é necessária para indicar que todos os meios nacionais foram esgotados. E, caso um órgão como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos seja acionado, contar com um voto vencido no tribunal máximo do país será um recurso precioso.
É nesses fronts e nessas múltiplas audiências que as manifestações da defesa de Dilma daqui para frente se revelam como esperança e como estratégia.
Estratégia de registro escrito de todos os vícios e irregularidades que a defesa de Dilma vê no processo de impeachment. As alegações finais e os argumentos dos senadores pró-Dilma podem ser lidos como um mapa detalhado do que será levantado junto ao Supremo.
Alguns desses argumentos já foram discutidos e rechaçados pelos Ministros nos últimos meses; é o caso da tese (de) que a condução do deputado Eduardo Cunha, inimigo político de Dilma, teria viciado todo o procedimento. O fato de que a defesa insiste em pontos já derrotados só mostra como o registro formal desses argumentos é importante em si, qualquer que seja seu potencial de persuadir o Supremo.
Mas há também alguns pontos novos. A senadora Vanessa Grazziotin (PC do B – AM), invocou a recente decisão do Supremo sobre a competência das Câmaras Municipais, e não dos tribunais de contas, para julgar as contas dos prefeitos. Argumentou que, com isso, o Congresso também deveria discutir as contas de Dilma antes de qualquer decisão sobre impeachment. Essa e várias outras objeções feitas nesta quinta-feira tangenciam, na prática, o mérito da decisão do Senado. Por isso mesmo, não foram aceitas como questões de ordem pelo ministro Lewandowski. Mas certamente serão levadas ao Supremo.
Por trás dessas estratégias, a esperança de que, no eventual silêncio do Senado sobre essas questões, seu lado saia fortalecido, tanto no caminho da judicialização, quanto na disputa pela narrativa. Se houve argumentos de defesa quanto a fatos e vícios de procedimentos, por que foram ignorados pelos Senadores? Mesmo que os debates no Senado não mudem o placar, tudo que ocorrer agora pode influenciar o voto de ao menos alguns ministros do Supremo e fortalecer a narrativa pública e a mobilização internacional de Dilma Rousseff."
(De Diego Werneck Arquelhes, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas - FGV, post intitulado "O julgamento de Dilma: debates no Senado, de olho no Supremo", publicado no site jurídico JOTA/Uol - aqui -, reproduzido no Jornal GGN - AQUI -, onde suscitou interessantes comentários.
A análise acima foi elaborada quinta-feira passada, antes, portanto, de relatos como o que se vê aqui, que configuram ilegalidade flagrante.
Quanto ao Supremo, em caso de recurso da parte prejudicada, a tendência, ao que tudo parece indicar, será a de abdicar do papel que a Carta Magna, em seu artigo 102, lhe reserva, o de Guardião da Constituição; dessa forma, desconheceria o processo ou diria que o tema se esgotou no âmbito do Legislativo. E quanto ao MÉRITO?! Mérito, ora, mérito...).
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