domingo, 10 de julho de 2022

PARIS - A QUEM PERTENCE? (CIDADE DOS AMORES FLUTUANTES)

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Gente dos subúrbios


Nós
  -  (Documentário)

Por Carlos Alberto Mattos

A chave para melhor entendermos a proposta da diretora Alice Diop com esse filme vem numa das últimas sequências. Ela própria aparece dirigindo uma cena em que um escritor lê trechos do seu diário e explica que se dedicou a levar para a literatura a vida de gente comum do subúrbio onde mora, gente que nunca estava representada nos livros. Alice vê o paralelo entre o trabalho dele e o dela, também devotado a registrar a vida nos subúrbios de Paris. Ela é fruto de um desses bairros cobertos pelos trens da linha RER B, que atravessa a cidade de norte a sul. É filha de imigrantes senegaleses, pai operário e mãe empregada doméstica. Sua irmã é cuidadora de idosos e uma das personagens de Nós (Nous/We).

Mas, afinal, quem são esses “Nós” do título? A resposta cabe a nós construí-la ao longo do filme, que recolhe fragmentos do cotidiano mais comezinho de personagens muito diferentes. Há o mecânico imigrante do Mali, que conta à mãe no Whatsapp sobre a crueldade dos franceses. Há a cuidadora dividindo seu tempo entre seus clientes e dando ouvido a suas histórias. Há o avistador de animais que trabalha para um grupo de caça com cães na região de Fontainebleau.

Meninos e jovens de ascendência afro e árabe se divertem e jogam conversa fora. Fiéis brancos ouvem uma leitura da carta-testamento de Luis XVI numa igreja lotada. Num museu, cartas de vítimas do Holocausto são lidas em instalações. A própria Alice fala de sua família e compartilha filmes domésticos. Nós, portanto, se refere a um contingente diversificado de pessoas que só têm em comum o fato de morarem naqueles bairros. Cada grupo vive no seu nicho, sem contato aparente com os demais. A ideia, um tanto vaga e desfocada, é fornecer a metonímia de uma França multiétnica e multicultural, mas não miscigenada. Os cruzamentos só se dão na prestação de serviços.

A realizadora opta por um modelo de filme de observação que pretende valorizar os personagens não pelo que mostra deles, mas pela duração com que mostra. Assim, algumas sequências se estendem para além de qualquer significado e tornam o filme às vezes abúlico. Como acontecia, aliás, com Sacro Gra, de Gianfranco Rosi, que enfocava pessoas comuns de subúrbios de Roma. A quase indiferença com que Alice registra aquelas pessoas, à exceção do escritor, coloca em dúvida o tal propósito de representá-las no cinema. 

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"Paris 13º Distrito se dá ao luxo de ser sensual, engraçado e jovialmente elegante."



Paris 13º Distrito

Por CarlosAlberto Mattos

Desde a Nouvelle Vague, Paris entrou para o imaginário cinematográfico como a cidade dos amores jovens flutuantes. Paris 13º Distrito (Les Olympiades, Paris 13e) atualiza essa mitologia para a geração dos millenials, já agora no âmbito de uma cidade multiétnica e multicultural. Os três personagens centrais são Camille (Makita Samba), professor afrodescendente, Emilie (Lucie Zhang), atendente de call center de ascendência chinesa, e Nora (Noémie Merlant), estudante de direito genuinamente francesa.

Com base em contos de Adrian Tomine, o filme descreve umas poucas semanas na vida desse trio, circulando entre vários endereços de Les Olympiades, bairro eclético do 13º arrondissement povoado principalmente por chineses. Uma ciranda amorosa que envolve erotismo, voyeurismo pornô, traumas sexuais, bullying na Sorbonne, abandono de estudos e o setor imobiliário. Talvez não haja muita substância palpável no que eles fazem e dizem, mas sobram charme, emoções legítimas e humor naquelas peripécias.

Eu me diverti e me senti carregado pela relação de amor e ódio entre Camille e Emilie, pelo romance desigual entre Nora e Camille, e pelo crescente encantamento recíproco entre Nora e Amber Sweet, garota de programa virtual interpretada pela cantora e atriz Jehnny Beth. Em segundo plano, os vínculos desses protagonistas com seus respectivos familiares acrescentam ressonâncias nada desprezíveis quanto ao modo de vida das famílias imigrantes.

Rodado num rutilante preto e branco (à exceção de um pequeno insert), o filme realça o contraste entre a dureza da paisagem do bairro, dominada por grandes torres residenciais, e a leveza com que os personagens surfam pelas paixões, decepções, autodescobertas e guinadas profissionais. A escrita não podia ser mais sedutora, a cargo do diretor Jacques Audiard, um dos melhores da França na atualidade (De Tanto Bater Meu Coração Parou, O Profeta, Ferrugem e Osso), Céline Sciamma (diretora de Tomboy, Retrato de uma Jovem em Chamas, Pequena Mamãe), e Léa Mysius.

É na cama que tudo se resolve em contexto pós-Aids, pré-Covid e de sexualidade fluida. Paris 13º Distrito se dá ao luxo de ser sensual, engraçado e jovialmente elegante. Há tempos eu não via um filme com esse delicioso equilíbrio.  -  (Fonte: Blog Carmattos  -  Aqui).

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