sexta-feira, 13 de maio de 2022

POR SI 'SÓ' OU 'SÓS'?


"'Os olhos dela, por si sós, despertam minha paixão.' O professor José Augusto Carvalho, de Vitória (ES), não concorda com o plural "sós" na expressão "por si só", que considera invariável, e escreve:

"Na frase 'Os olhos dela, por si só, despertam minha paixão', pode ser assim parafraseada: 'Os olhos dela, por si somente, despertam minha paixão'. E há pelo menos duas razões que a seguir avento, para sustentar minha opinião:

1. 'Por si só' equivale a 'só por si', em que a flexão de 'só' seria impensável: 'Os olhos dela, só (=somente) por si, despertam minha paixão'.

2. Os únicos determinantes de 'si' são 'mesmo' e 'próprio', que as gramáticas, erroneamente, insistem em chamar 'demonstrativos', quando, na verdade, são apenas partículas de reforço, como o 'ipse' latino, de que 'mesmo' se originou, e que se flexionava normalmente como um demonstrativo sem o ser: 'ego ipse', 'tu ipse'."

Diz mais o professor: "(...) só nunca poderia ser um determinantes de 'si', isto é, 'só' não é adjetivo, na expressão 'por si só', simplesmente porque 'si' não admite adjetivação".

A análise de Carvalho -autor de "Discurso & Narração (Ensaios de Língua e de Literatura)", da Editora Fundação Ceciliano Abel de Almeida, e de "O Braço e o Cutelo" (contos), da Nemar Editora- contraria a de autores como Napoleão Mendes de Almeida, Adriano da Gama Cury e Luiz Antonio Sacconi. Eles consideram, sim, que "só" tem valor adjetivo quando reforça o sentido de "si" nessa expressão e portanto é flexionável quando referentes, ambos, "si" e "só", a palavra plural.

Carvalho fez uma releitura da expressão "por si só". Pode-se fazer outra:

"Os olhos dela, por si sozinhos, por si isolados, por si mesmos, por si próprios, despertam minha douta paixão."

Todas essas palavras ligadas a "si", percebe-se, têm valor adjetivo; reforçam o "si", correspondente a 'eles', 'os olhos' fatais. Portanto, plural nelas. Se o objeto da paixão for um só, o "só" permanece singularmente "só":

"O nariz dela, por si só, desperta minha paixão."

Estes são exemplos de Almeida, Gama Cury e Sacconi:

"Há verbos que por si sós se bastam para expressar a ideia."

"... qualidades didáticas que por si sós o recomendam à cátedra."

"Há preceitos constitucionais que se executam por si sós."

"Essas decisões, por si sós, repercutem intensamente."

"As declarações do réu, por si sós, já bastam para condená-lo."

Consideradas as obras completas de Executivo, Legislativo e Judiciário, conclui-se que essa questão, por si só, não nos tornará mais felizes. Mas, pelo menos, ela parece bem definida por Silveira Bueno, já no Céu. Escreveu ele em sua "Gramática Normativa":

"'Só' - pode ser advérbio e também adjetivo: no primeiro caso (advérbio), corresponde a 'somente', 'unicamente', modificando verbo, adjetivo e outro advérbio: no segundo caso (adjetivo), embora ainda possa corresponder a 'somente', 'unicamente', modifica substantivo. No primeiro caso (advérbio), permanece invariável em número; no segundo (adjetivo), toma o número da palavra a que se refere."
Sejamos repetitivos: quando adjetivo, ainda que possa corresponder a 'somente', 'unicamente', o glorioso 'só' ganha merecido "s" para afinar-se com o "si" correspondente aos plurais olhos de pecado e ressaca.

'Os olhos dela, por si SÓS, me levam à loucura.'"



(De Josué R. S. Machado, análise intitulada "Por Si Só Ou Sós?", publicada no caderno Cotidiano, da Folha de S.Paulo, em 25.12.1995 - Aqui.

Josué é jornalista, formado em línguas neolatinas pela PUC-SP. Colaborou em diversos jornais e revistas.

As notícias em voga revelam, por si [algo me diz esse 'por si' entrou de gaiato], que as perspectivas são sombrias. Há, contudo, esperança).

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