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"A imagem de um fascismo militarizado chega sem disfarces à tela num filme pacifista, ainda que tardiamente"
Por Carlos Alberto Mattos
Em 1952, sete anos depois da bomba atômica explodir sobre Hiroshima, o diretor independente Hideo Sekigawa realizou essa impressionante evocação da tragédia que ceifou entre 90.000 e 150.000 vidas. O filme se baseou nos relatos de crianças sobreviventes, recolhidos por Arata Osada para o livro Filhos da Bomba: Testamento dos Meninos e Meninas de Hiroshima.
A história é contada a partir da perspectiva do trauma coletivo, centrada inicialmente numa menina que não suporta ouvir uma narração dos fatos no rádio durante uma aula. Ela desmaia e não se recupera mais totalmente. O filme, então, retorna para o dia fatídico de agosto de 1945. Numa longa e angustiante sequência, vemos o imediato pós-explosão com a tentativa desesperada dos sobreviventes de sair de sob os escombros e salvar seus entes queridos. O pathos chega a um extremo com a saga dos alunos para atravessar um rio junto a seus professores, um dos quais é vivido por Eiji Okada, o galã de Hiroshima Mon Amour e A Mulher de Areia.
A atuação exacerbada dos atores em figurinos andrajosos, a minuciosa “construção de ruínas” pela direção de arte e o número absurdo de figurantes (cerca de 90.000 residentes) fazem um espetáculo ultradramático, próximo mesmo da saturação. São inseridas várias tomadas documentais de Hiroshima recém-bombardeada, assim como alguns sobreviventes reais fazem pequenas participações de destaque com seus corpos marcados pela radiação.
O roteiro de Yasutarô Yagi combina duas linhas narrativas. De um lado, segue as histórias de um pai que desiste de tentar salvar a mulher para procurar pelos filhos e de um filho que se perde do resto da família. De outro, reconstitui os dilemas da sobrevivência: o desconhecimento das doenças que começavam a afetar a população, a dúvida quanto à possibilidade de a vida ainda florescer no ambiente contaminado e as tentativas das crianças de ganharem algum dinheiro com a venda de souvenirs da catástrofe.
Uma crítica feroz se dirige ao fanatismo dos defensores do império japonês, que tentavam manipular as informações sobre o desastre para que o esforço de guerra não fosse interrompido. A imagem de um fascismo militarizado chega sem disfarces à tela num filme pacifista, ainda que tardiamente. E o mais curioso de tudo é que a mensagem final vem numa citação de Monsieur Verdoux, de Chaplin, um filme estadunidense. - (Fonte: Blog Carmattos - Aqui).
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