Bombas semióticas brasileiras (2013-2016): por que aquilo deu nisso?
Por Wilson Ferreira
Em série de 51 postagens ao longo do período 2013 (iniciado nas chamadas “Jornadas de Junho” das manifestações de rua) até o impeachment em 2016, este “Cinegnose” fez uma espécie de crônica das bombas semióticas disparadas pela grande mídia – uma complexa guerrilha semiótica que mobilizou todo o arsenal retórico, linguístico e semiológico divididos em quatro etapas bem distintas: primeiro, caos, manifestações, inadimplência e ataque dos tomates inflacionários que levavam o País ao abismo; depois, fortalecimento da base etnográfica do neoconservadorismo (“simples descolados”, “coxinhas 2.0”, “novos tradicionalistas”, “gourmetização” etc.; em seguida, o investimento semiótico em minisséries globais para a teledramaturgia legitimar a agenda política de oposição; para finalmente exortar a radicalização e polarização cujos resultados acompanhamos até hoje. Acompanhar a evolução das bombas semióticas é uma humilde contribuição para tentar responder: por que aquilo deu nisso? O gigante que parece ter adormecido e as panelas terem parado de bater mesmo com a surrealista crise política atual.
Às vésperas da greve geral de 28 de abril desse ano, pergunto para uma amiga da minha esposa, psicóloga que trabalha em uma entidade social conveniada com a Prefeitura de São Paulo, se iria para a manifestação na avenida Paulista: “Acho que não... acho que essas manifestações estão agora muito partidarizadas...”, respondeu reticente.
Esse parece que foi o efeito residual das intensas manifestações nas ruas, iniciadas com as chamadas “Jornadas de Junho” em 2013, estendendo-se até o desfecho do impeachment da presidenta Dilma em 2016.
Na verdade um efeito produzido pela sistemática detonação daquilo que denominamos como “bombas semióticas” criadas pela grande mídia e impactadas na opinião pública nesse período – o enorme aparato bélico que colocou em ação armas retóricas, linguísticas e semiológicas, não para doutrinação partidária ou ideológica. Mas para criar ondas de choque e impor a narrativa de que o País naquela oportunidade estava à beira do abismo, mergulhado no caos, baderna, na crise política e econômica.
Turbinou protestos de rua que, aparentemente, eram cobranças generalizadas contra a “classe política” e contra “tudo que está aí”, tidas como “apartidárias” e com temas caros à sociedade – tarifas de transporte, impostos etc.
Hoje revela-se a participação da mão estrangeira naquelas manifestações de rua – como o aparecimento de organizações como Movimento Brasil Livre foi bancado por recursos de grandes grupos de fundamentalistas do livre mercado como os irmãos Kock e W.R. Grace.
Além das conexões do juiz de primeira instância da Vara de Curitiba, Sérgio Moro, com o Departamento de Estado dos EUA e o FBI – nova estratégia geopolítica norte-americana iniciada em 2002 para, sob a égide do combate à corrupção internacional e através de ONGs ambientais e anticorrupção, CIA, NSA e Departamento de Justiça dos EUA, levantar seletivamente informações contra países não-alinhados como Coreia do Sul, Brasil, Espanha etc. – clique aqui.
O que fez semear as diversas “primaveras” (árabe, Ucrânia, Egito, Venezuela etc.) de protestos populares contra supostos governos corruptos, mas que na verdade ameaçam a geopolítica dos EUA e OTAN.
Logística da percepção
No Brasil, a guerrilha das bombas semióticas foi a estratégia subliminar perfeita para criar um horizonte de eventos de crise, imprevisibilidade, emergência e perigo do abismo de que supostamente o País se aproximaria. Uma percepção que se mostrava tão generalizada que se impôs como agenda suprapartidária.
Hoje, pesquisadores como Esther Solano, da Unifesp, questionam: por que a atual crise política, que atingiu patamares de surrealismo cujo ápice foi a denúncia da Procuradoria Geral da União contra o desinterino Michel Temer, não gera mais explosões de indignação nas ruas? Depois que o “Gigante Acordou”, voltou a adormecer? – clique aqui.
Se o urbanista e pensador francês Paul Virilio estiver correto, a manipulação temporal através da aceleração e velocidade é um instrumento logístico nos governos totalitários para criar desorientação e derrotar a vontade dos prisioneiros. Sirenes, bombas e voos rasantes sobre o território inimigo são muito mais táticas de percepção para desorientar e gerar pânico no adversário do que ação real num campo de batalhas. Tem a ver mais com o Tempo do que com Espaço.
Etapas da evolução das bombas semióticas
Compreender como as bombas semióticas são análogas à logística da percepção na guerra é vital para qualquer discussão sobre mídia e política. Principalmente agora que a ação de massas da grande mídia é complementada com a tática de “web bots”, “botnets” ou simplesmente “bots” (aplicação de software que simula ações humanas repetidas vezes de maneira padrão) usados intensamente em redes sociais na engenharia de opinião pró-impeachment.
Por isso, no período 2013-16 este Cinegnose fez uma crônica quase semanal acompanhando as variantes das bombas semióticas, tentando compreender os mecanismos linguísticos, semiológicos e retóricos de funcionamento e o impacto na opinião pública.
Observando em perspectiva a série das bombas semióticas podemos claramente perceber a evolução dessa guerrilha midiática em quatro grandes etapas:
Etapa 1: caos
Camuflado como informações noticiosas, o objetivo era tornar a atmosfera política cada vez mais pesada com supostos indícios (fotos posadas e retoricamente carregadas – bandeiras nacionais queimadas, black blocs posando para fotógrafos com barras de ferro e pedras nas mãos, carros incendiando etc.) de que o país estava desgovernando e caminhando para o abismo.
Passou para a glamourização de jovens ativistas, a ameaça das hordas dos “rolezinhos” classe C e caos econômico – o descontrole da inadimplência e o ataque dos tomates inflacionários.
Etapa 2: etnografia do neoconservadorismo
Uma etapa mais, por assim dizer, “etnográfica” na qual a grande mídia começaria a criar as novas hostes de jovens neoconservadores que no futuro iriam vestir de camisas amarelas da CBF e sair nas ruas apoiando o impeachment: “novos tradicionalistas”, “simples descolados”, “coxinhas 2.0”, gourmetização etc. Exortados por roqueiros dos anos 80’s que entraram na agenda anti-PT – Titãs, Roger, Lobão entre outros menos cotados.
Etapa 3: Ficção e agenda política
Investimentos semióticos na teledramaturgia em minisséries como Felizes para Sempre?, Questão de Família e O Brado Retumbante, da Globo – ator parecido com Aécio Neves em narrativa política, juízes justiceiros e protagonistas empreiteiros que financiavam campanhas eleitorais. Legitimação da agenda política através da narrativa ficcional da teledramaturgia.
Etapa 4: Radicalização e polarização
Construídas as bases etnográficas de jovens neoconservadores, passou-se a instigar a polarização geográfica (com direito a infográficos dividindo o País ao meio por um grande muro para explicar a vitória de Dilma nas urnas), racial e política – turbinados por neo-humoristas supostamente politicamente incorretos, bots nas redes sociais e espaço nos telejornais para políticos do baixo clero no Congresso como a bancada da bala, do boi e da Bíblia.
O resultado foi a intolerância e violência, de que agora a Globo tenta se desvencilhar fazendo mea culpa dos seus pecados históricos e tentando dar uma “arejada” no seu jornalismo na base da estética holográfica de neon no JN e mandando às favas o visual futurista de Hans Donner.
Abaixo a série completa dessas “crônicas das bombas semióticas” em ordem cronológica para o leitor seguir os farelos de pão que talvez nos ajudem a sair do labirinto.
2013
1. Bombas semióticas explodem na mídia (29/06/2013) – clique aqui.
2. A bomba semiótica da Polícia Federal (14/07/2013) – clique aqui.
3. Jornal Nacional e o sorriso do gato de Alice (28/07/2013) – clique aqui.
4. As 10 técnicas do kit semiótico de manipulação das massas (17/08/2013) – clique aqui.
5. A bomba semiótica das pegadinhas do Fantástico e CQC (11/09/2013) – clique aqui.
6. O cacoete jornalístico e a “agenda invisível” (15/09/2013) – clique aqui.
7. Tem alemão no campus? Repórter sofre acidente com bomba semiótica (19/10/2013) – clique aqui.
8. A bomba semiótica do resgate dos cães de laboratório (23/10/2013) – clique aqui.
9. Estudante implode a bomba semiótica do Enem (02/11/2013) – clique aqui.
10. A semiótica do pensamento neoconservador (21/11/2013) – clique aqui.
11. A bomba semiótica da “black bloc good-bad girl” (14/11/2013) – clique aqui.
2014
12. A bomba semiótica da inadimplência (12/01/2014) – clique aqui.
13. Por que a mídia está tão obcecada pelos tomates? (14/01/2014) – clique aqui.
14. Os “rolezinhos” são um Cavalo de Tróia? (22/01/2014) – clique aqui.
15. A bomba semiótica do fusca em chamas (28/01/2014) – clique aqui.
16. Comercial “Eu Sou o Futebol” é uma bomba semiótica? (05/02/2014) – clique aqui.
17. A nostálgica bomba semiótica do retrofascismo (10/03/2014) – clique aqui.
18. O “Estadão” de 31 de março: bomba semiótica ou sincromisticismo? (04/04/2014) – clique aqui.
19. Como fazer uma notícia para um telejornal (13/04/2014) – clique aqui.
20. O logo da telenovela e a bomba semiótica da pararrealidade (07/05/2014) –clique aqui.
21. A bomba semiótica fashion da Ellus (28/05/2014) – clique aqui.
22. A bomba semiótica Forte Apache (31/05/2014) – clique aqui.
23. A Copa das não-notícias (07/06/2014) – clique aqui.
24. Barrigas e não-notícias na Operação Anti-Copa (21/06/2014) – clique aqui.
25. Efeito Heisenberg e esquizofrenia midiática derrubam a Seleção (10/07/2014) –clique aqui.
26. Explode a bomba semiótica da não-notícia (06/08/2014) – clique aqui.
27. O escândalo da Wikipédia e a autofagia da TV Globo (09/08/2014) – clique aqui.
28. Acidente aéreo em Santos prepara bomba semiótica sincromística (15/08/2014) –clique aqui.
29. Marina e as novas bombas semióticas do “Sim!” e do “Storytelling” (31/08/2014) – clique aqui.
30. Professora da PUC aponta suposto perigo subliminar nas ciclofaixas em SP (13/09/2014) – clique aqui.
31. A canastrice de Marina Silva e o DNA hollywoodiano (30/09/2014) – clique aqui.
32. Ebola é bomba biológica ou semiótica? (12/10/2014) – clique aqui.
33. A grande mídia ameaça: meu ódio será sua herança (26/10/2014) – clique aqui.
34. A escassez de água é uma bomba semiótica? (17/11/2014) – clique aqui.
35. “Veja São Paulo” detona bomba semiótica na Cracolândia (29/11/2014) – clique aqui.
36. Efeito Pinball potencializa bombas semióticas na mídia (10/11/2014) – clique aqui.
2015
37. O gênio do Chefe Shang inspira dedo-durismo da grande mídia (18/01/2015) –clique aqui.
38. O enigma da calma estoica de Alckmin (05/02/2015) – clique aqui.
39. Ligações perigosas na série “Felizes para Sempre?” e “Questão de Família” (08/02/2015) – clique aqui.
40. Feitiço do tempo paralisa ciclovias de São Paulo (22/03/2015) – clique aqui.
41. “Veja”, simples descolados e coxinhas 2.0 gourmetizam festas juninas (15/06/2015) – clique aqui.
42. Virada gramatical tenta curar tiro no pé da grande mídia (31/07/2015) – clique aqui.
43. Estágio meteorológico da informação cria presunção da catástrofe (23/08/2015) –clique aqui.
44. Efeito colateral atinge telenovelas da Globo (17/09/2015) – clique aqui.
45. CAOs, espiral do silêncio e crise autorrealizável (01/12/2015) – clique aqui.
2016
46. Agenda Hollywood e os super-heróis: ingovernabilidade para o mundo (22/03/2016) – clique aqui.
47. Agora para Globo é matar ou morrer (04/04/2016) – clique aqui.
48. Impeachment: Sincromisticismo, Efeito Copycat e Parapolítica (15/04/2016) –clique aqui.
49. Bombas semióticas, ligações perigosas e as oportunidades perdidas (08/05/2016) – clique aqui.
50. Semiótica revela anomalias no logo do governo Temer (20/05/2016) – clique aqui.
51. Impeachment, não-acontecimento e psico-história (02/09/2016) – clique aqui.
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(Fonte: Blog Cinegnose - AQUI).
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Comentário:
O titular deste blog leu, ao longo dos meses, muitas das postagens acima alinhadas, marcadas por 'enfoques inesperados', que os 'analistas oficiais' não costumam explorar. Independentemente de qualquer discussão quanto ao verdadeiro poder da mídia no tocante a manipulação da sociedade mediante o uso de bombas semióticas, o fato é que se revela interessante a abordagem da realidade centrada em enfoques peculiares, como os eleitos por Wilson Ferreira.
Mas eis que deparamos com o comentário do leitor Ormuz Rivaldo, que é o seguinte:
"Doutor Wilson! Devo confessar ser um fã do blog. No entanto, ou por isto mesmo, pretendo discordar.
Discordo do pretenso 'poder' da Rede Globo e congêneres. Mais ainda dos ditos 'financiadores', vulgo patrocínio, seja explícito e, no caso, implícito. A hipótese de 'bombas semióticas' é plausível. Porém, permanece no campo de espectadores.
Televisão é mídia superada. Na maior expectativa, chega aos mesmos de sempre. E composta dos que assistem com profunda decepção. Velhos e saudosos de tempos que se foram. E não são os 'novos'. Gente com menos de 20 anos tá é na Internet. Problema é que, global e intensamente diversa, a Web concentra.
É aí que reside o perigo. Por sua inerente interação, é na Web que reside o caos. Desinformação, 'fakes', preconceito, modismo ou simples pretenso anonimato impulsionam 'bombas semióticas' naturais e incontroláveis. As da Globo são fichincha!"
Diz o leitor Ormuz que "é na Web que reside o caos". Sem dúvida. Ocorre que no universo Web muita coisa da TV aberta está disponível (há até reportagens do JN - via Google), o mesmo acontecendo com a mídia escrita (sites de revistas, matérias dos jornalões). Haveria como que uma simbiose da Internet com a mídia corporativa. Logo, se há caos, o caos da informação seria geral...
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