Dilma, a esperança e a repactuação
Por Luis Nassif
A entrevista coletiva começou às 11 horas da manhã, no Palácio do Planalto. Em torno da mesa redonda, 14 pessoas, entre jornalistas de diversos órgãos, alguns assessores e a presidente Dilma Rousseff. Foi pontilhada de respostas, causos e tiradas de humor.
No final, uma pergunta sobre a esperança: por que acreditar que, derrubado o impeachment, tudo será diferente?
Dilma explicou com um "causo" dolorido, dos tempos da repressão.
- Um belo dia estava eu na Operação Bandeirantes; Daqui a duas horas você espera que vai ser interrogado. Depois, ia para o DOPS. Ficava torcendo para Fleury ir para o carnaval, porque aí não interrogava. Passava um tempo, ia para o Presídio Tiradentes. Você ia pensar o quê? Não tem saída, é assim para sempre? Não é assim que se encara. Encara se tiver esperança, se souber que a vida é um pouquinho mais complicada.
Ela se lembrou de uma conversa com Franklin Martins:
- Sabe por que não temos mágoa dos torturadores? Porque nós ganhamos e eles não. Mas levamos 25 anos. Na pior situação, você sempre sabia que as coisas não são estáticas, são dinâmicas, os agentes sociais agem. Enquanto tem tudo isso, eu vejo uma manifestação democrática fantástica. E tenho certeza de que independentemente de mim, isso continuará, o país continuará avançando e a democracia se consolidando.
Foi o fecho para a entrevista, na qual a presidente passou por todos os temas propostos.
Sobre a crise e sua responsabilidade
Diante de situação, não há como negar a interação entre instabilidade política profunda que afeta o país há 15 meses, e a crise econômica, intensificado pela crise política. Nossa capacidade de recuperação se mostrou limitada pela crise política.
A crise econômica é cíclica, primeiro atingiu os desenvolvidos e, depois, os países em desenvolvimento. E não só o Brasil. Não dá para subestimar o efeito da crise das commodities sobre a economia.
No caso do Brasil, não acredito que nossas mazelas econômicas se devam fundamentalmente à política anticíclica de 2009. Adiamos os efeitos de uma crise que se aprofunda.
Ao fazer a política cíclica derrubamos bastante a arrecadação do país. Tivemos uma nível elevado de redução de impostos. Agora, pergunto: teríamos segurado o emprego na proporção que seguramos se não tivéssemos feito o financiamento através do PSI (Programa de Sustentação ao Investimento), com juros de 2,5% real; se não tivéssemos reduzido o imposto sobre bens de capital de 30% para 4%, se não tivéssemos desonerado o tanto quanto desoneramos a folha?
No meu período, de 2011 a 2014 criamos um pouco mais de 5,2 milhões de empregos. Se for olhar o saldo, mesmo com um ano e quinze meses de profunda crise, perdemos 2,6 milhões de empregos, e mantivemos saldo de 2,6 milhões.
Nossa política anticíclica segurou.
Daqui para frente
Agora temos de enfrentar várias questões. Ninguém saiu do processo de crise sem enfrentar. No caso do Brasil, temos agora uma situação mais favorável, com US$ 40 bilhões de superávit na balança comercial, segundo projeção do MDIC para este ano. Saímos em 2014 com US$ 4 BI de déficit.
Outra característica é a queda da inflação. Subestima-se o efeito de preços controlados. Não controlamos o clima e de 2011 a início de 2016 tivemos uma das maiores secas da história. Em 2015, neste mesmo dia, o nível dos reservatórios das dez maiores usinas estava em 22%. Agora, se pegar Furnas já estamos em 76,5%.
Enfrentamos todo o período com quase nada de água e sem racionamento, porque despachamos todas as térmicas. Não deriva de decisão governamental, mas de um sistema hidrotérmico.
Tivemos um ajuste brutal de tarifas ao botar todas as térmicas funcionando. Faz parte da estrutura do sistema. Um dos fatores que pesou na inflação, tanto para cima como para baixo.
Quando se explica porque a inflação está caindo, explica porque subiu.
As reformas e as pautas-bombas
Na queda no ciclo econômico, aparecem todos os defeitos. O Brasil tem várias disfunções que precisam ser ultrapassadas. Vamos ter que olhar e fazer reformas. Para tanto, há que se ter unidade.
Uma das disfunções são as pautas-bombas.
Pauta-bomba é aquela que o conjunto acredita que é possível sair de uma situação difícil botando fogo em todo o restante. No ano passado tivemos cinco pautas-bomba, no total de R$ 140 bilhões.
O PDL (Projeto de Decreto Legislativo) do juro simples veio da Câmara, do deputado Espiridião Amin (projeto que muda a fórmula de cálculo das dívidas estaduais com a União de juros compostos para simples).
São R$ 300 bilhões de diferença. E a paralisia que provocará e a perda de energia de termos de ir sistematicamente no Congresso para impedir.
Primeira reforma seria o fim das pautas-bombas, o fim do uso de expedientes políticos para paralisar o governo. Tivemos esse processo durante 15 meses e o principal personagem foi o presidente da Câmara.
Sobre o modelo político
Nós temos um sistema político com algumas características.
No passado, governava-se com 3 partidos. FHC governou assim. Lula governou com menos partidos que no meu período.
No início do meu segundo mandato, havia 28 partidos dentro do Congresso.
O nível de unidade dos partidos é diferenciado, com várias tendências, determinações por adoção de frentes, de interesses regionais.
Supor que é possível estruturar uma política sem reforma política profunda será muito difícil.
Vocês adoram que eu faça autocrítica, mas não posso fazer só para contentar porque não muda uma vírgula da realidade.
A base não esfacelou. Não adianta analisar visão tradicional de partido. Não é assim que o Brasil funciona, a não ser que se tenha visão absolutamente idealista de partido político.
Não estou falando de mazelas, mas de diferenças partidárias. Não são partidos ideológicos, na qual se faz um acordo parlamentar. Um pouco disso (desses problemas) está existindo nos Estados Unidos, uma certa divisão pronunciado dentro do Partido Republicano.
Obama teve que negociar com minorias no último ano. Ele largou de mão. Fez acordo com Irã, Cuba, levou dois mandatos para aprovar Obama Care. Ou percebemos que há um processo bem complexo na relação do presidencialismo com o Congresso, ou vamos acreditar em contos de fada.
Impeachment, pacto e legitimidade
Acredito que é possível tecer um pacto. Mas alguns pré-requisitos são fundamentais.
Não é possível sem a legitimidade do voto, tentando transformar o impeachment em eleição indireta de quem não tem voto. Uma eleição indireta perigosíssima porque não resolve os problemas do país.
Primeira coisa, voto popular. De qualquer jeito consegue transformar se tiver voto popular.
O impeachment é previsto na Constituição. Os órgãos de imprensa esquecem-se de que o impeachment previsto na Constituição tem que ter base legal. Não dá para fazer salto no escuro de impeachment fraudulento sem base legal.
Não estou dizendo que terá consequências imediatas. Mas que marcará indelevelmente a história do presidencialismo no Brasil.
Não estou dizendo que vai haver. Estou explicitando o que os órgãos grandes de imprensa relutam em falar: é golpe. Estou fazendo uma denúncia: tem um estado de golpe sendo conspirado no Brasil. Tanto aqueles que agem abertamente a favor, como os que agem ocultamente e os que se omitem: todos serão responsáveis. Não se pode supor que determinados atos políticos são feitos sem consequências.
Depois, não pode ter vencidos nem vencedores. Chamaremos todos os partidos, setores econômicos e sociais para montar o próximo plano de governo.
Sobre o jogo político da Lava Jato
Vazamentos para si mesmo, nunca vi antes. O vazamento para si mesmo é algo fantástico. Vocês não são ingênuos e sabem que (a fala de Temer) não foi vazamento, mas uma manifestação deliberada, nunca vista antes, quando processo em curso e alguém tenta, sem olhar resultado, fazer o discurso de posse.
Chamei-o de chefe de golpe. Só não sei quem é o chefe é o vice-chefe. Acho que (Temer e Cunha) são associados. Um não age sem o outro. Uma parte do golpe depende diretamente do presidente da Câmara.
Sobre o estado mínimo
Nós não achamos que Estado tem que tratar só de educação, saúde e segurança. Fizemos um programa, o MCMV (Minha Casa Minha Vida), e hoje, de cada 8 brasileiros, um foi beneficiado com uma moradia. Tenho clareza do tamanho desse programa e de sua importância. No dia de hoje temos 4,3 milhões de moradias contratadas e 2,4 milhões entregues. E lançamos agora a segunda parte.
É importante do ponto de vista social e econômico. Não cria bolha imobiliária, assegura casa própria para população de baixa renda, tira um monte de gente de moradias de alto risco, transforma famílias em famílias mais estáveis.
Não é fundamental programa de segurança hídrica? Subestima-se a integração do São Francisco mas está quase pronta.
Na saúde, acabou a discussão sobre o Mais Médicos. Há 18 mil médicos atendendo 63 milhões de pessoas hoje. Tem 1,2 milhão cisternas distribuídas no Nordeste.
Estado mínimo é compatível com países desenvolvidos e, mesmo assim, alguns não fazem isso, como a Dinamarca, a Escandinávia toda.
Achar que resolve problemas do país ignorando a quantidade de atraso, de herança maldita de anos e anos em que parte da população foi retirada dos mecanismos da riqueza, é ter uma proposta totalmente dissonante em relação à realidade.
Outra coisa é achar que Estado precisa fazer coisas de que não precisa. Não tem que gastar dinheiro com o que a iniciativa privada faz melhor, mais rápido e mais eficiente.
E existem experiência bem sucedida nos aeroportos, em concessões, e acho que as empresas brasileiras construtoras têm que ser encaradas como agentes de desenvolvimento e não como agentes de corrupção. Tem que impedir que se demonizem empresas, porque precisamos de empresas que constroem.
Investigue quem tiver que investigar, mas não destrua as empresas.
A grande competência dos EUA é a convicção da importância de suas empresas. Por esse método não sobraria um banco norte-americano depois da crise. Multaram, penalizaram, alguns fecharam.
Sobre a tensão pré-impeachment
Fico curiosa quando leio nos jornais preocupações de ministros do meu governo com a votação do impeachment. É o Jornalismo mediúnico, vocês falam o que eu penso. Aí eu olho no espelho e digo: não falei.
Nessa reta final vamos sofrer uma guerra psicológica: eu tenho os votos, aquele não tem. O processo que tem um objetivo, de construir situação de efeito dominó.
É muito difícil neste momento chegar e dizer: um partido desembarcou do governo. Tem situações das mais variadas, de partidos que saem e as pessoas ficam. Tem variações, não tem relação linear entre líderes e liderados, característica do sistema político no Brasil, que torna extremamente complexa a análise da realidade e complexo o jogo político.
Relação com os poderes
Apesar de jovem democracia, há razoável independência dos poderes. Em relação ao STF, bastante clara. Em relação à estrutura do Judiciário federal, idem. A autonomia dos ministros, a independência dos poderes e a soberania do STF é inconteste.
Não acredito que tenhamos no Brasil uma fragilidade no que se refere às demais instituições, porque ganharam ao longo do tempo sua própria autonomia. No caso do MPF, a base é a Constituição de 1988, garantindo a cada procurador a autonomia para investigar. A Polícia Federal também tem atribuição de autonomia.
O interessante é avaliar não os poderes mas a imprensa, diante da continuidade do meu governo. A espetacularização da investigação vai continuar?
Uma coisa é investigar, outra é a espetacularização da investigação.
Vaza prova nos EUA, o que acontece? Se a prova não está em condições de ser vazada, anula. Aqui se grava o presidente da República sem autorização do STF, depois se vaza.
Nos últimos dias ficou claro que o vazamento (dos diálogos com Lula) diz respeito a mim, eu fui investigada, virada dos avessos, é evidência de que não acharam outro motivo para tentar forçar meu impedimento. Então o jogo é muito difícil, a espetacularização significa vazamento dirigido, sem base legal e a gente sabe disso.
Sobre a repactuação
Temos que olhar todos os lados, mas respeitando todas as conquistas. Pacto não é só com oposição, mas com forças econômicas e movimentos sociais.
Coisa que Luis Nassif falou e tem razão: nos últimos dias há uma reorganização das forças políticas de forma intensa, e se dando em torno de uma questão fundamental, que é a questão democrática.
É processo crescente.
Temos tido demonstrações de pessoas que não estão apoiando o governo. O que estão defendendo é um processo democrático. A última manifestação dos artistas é muito significativa.
Também tenho recebido relatos de manifestações extremas de ódio. A mais grave é da médica que abriu mão de cuidar de uma criança recém nascida. (Aqui).
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ADENDO
O jornalismo patrício acaba de descobrir uma inovação: furo em entrevista coletiva.
O Estadão e a Folha deram a manchete: "Se ganhar vou propor um pacto; se eu perder, sou carta fora do baralho". Foram os únicos de todos os jornalistas presentes.
Dito assim, sem contextualizar, a manchete passa a ideia de que Dilma acena com jogar a toalha caso passe a votação do impeachment.
Não é verdade.
Na saída da coletiva, alguém perguntou para Dilma o que faria se acabasse derrubada pelo impeachment. E ela respondeu o óbvio: "Aí eu serei carta fora do baralho".
Imediatamente, uma das entrevistadoras perguntou: "Mas Presidente, a senhora está falando da votação agora ou do final do processo". E Dilma esclareceu na hora, que ainda haveria votação no Senado, oito meses de resistência, e outras possibilidades.
Ou seja, dentro do contexto, a declaração de Dilma não seria tema nem de intertítulo de matéria, por óbvia.
Não bastasse isso, no contexto maior da entrevista, a presidente manifestou um otimismo sólido em relação à votação do impeachment. Rebateu os dados apresentados pela mídia, ironizou os placares divulgadas, ironizou o fato de que as pesquisas internas do Palácio dizem exatamente o contrário, mostrou disposição de luta.
Não há vício pior no jornalismo do que a "pegadinha", a casca de banana para o entrevistado soltar uma frase banal qualquer que, fora do contexto, possa gerar uma manchete escandalosa - mesmo que falsa. (Luis Nassif - AQUI).
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