sábado, 13 de dezembro de 2014
O CAOS E O MUNDO REAL
Entre o caos que não estamos e o real para onde nos levam!
Por José Carlos de Assis
O Brasil está um caos. O sistema de saúde é um descalabro, a Previdência é um assalto continuado contra os velhinhos, a educação foi reduzida a frangalhos, o sistema de transporte não funciona, o Congresso Nacional só tem ladrões, as empresas estatais são um campo de pilantragem, os políticos em geral só sabem roubar. E ninguém faz nada pelo povo que paga religiosamente seus tributos, evitando com profundo senso ético a fraude e a sonegação; assim, a única parte do Governo que funciona é o recolhimento de impostos.
A culpa de tudo isso, naturalmente, é do PT, partido originalmente formado por um bando de sindicalistas do ABC paulista, de religiosos esquerdistas ligados à Igreja Católica e de uns intelectuais arrogantes de São Paulo, os quais tiveram a ousadia de atrair jovens para suas fileiras contornando um sistema partidário tradicionalmente elitista e sério. Eles se apossarem do poder federal. Uma vez instalado na Presidência, a turma petista tratou de aparelhar o Estado para fazer dele um instrumento de enriquecimento ilícito!
Bem, quem me conhece sabe que não estou falando a sério. O que está nos dois parágrafos acima é a demonstração de que a denúncia genérica “de tudo o que está aí” é a mais insidiosa e brutal forma de atacar e denegrir um governo ou uma pessoa. Pela própria generalidade não possibilita a contestação.
É o instrumento dos cínicos e dos demagogos, e sobretudo dos idiotas, que na sua ignorância não exigem nem oferecem provas ou fundamentação do que dizem. Mas todos são igualmente perigosos, pois confundem deliberadamente instâncias do poder.
Como se contesta alguém que diz que todo o sistema de saúde – responsabilidade conjunta dos governos federal, estadual e municipal - é um descalabro? Seria necessário percorrer o Brasil desde o Amapá ao Rio Grande do Sul e não encontrar um único caso de mau atendimento em um único hospital público. Ora, como o país, assim como o sistema de saúde é muito grande há forte possibilidade de se encontrar algum exemplo de mau atendimento. Não precisa de mais que um, porém. Focado pela televisão ele vai aparecer em todos os lares como demonstração inequívoca de que todo o sistema é um caos.
Esperem um momento. O SUS atende anualmente mais de 320 milhões de consultas, e mais de 12 milhões de operações complexas. Suponhamos que 10% resultassem em mau atendimento: seriam 32 milhões de consultas e 1,2 milhão de operações mal atendidas. É muita coisa. Se 10% desses 10% fossem mal atendidos seriam, respectivamente, 3,2 milhões e 120 mil. Esse número, correspondendo a 1% do total de atendimento, se fosse efetivamente de mal atendidos, provocaria uma convulsão social na porta dos hospitais e casas de saúde.
Para os cínicos, tomar exemplos esparsos e generalizar é uma forma eficaz de caluniar, pois não há como contestar a má-fé. As últimas estatísticas que vi indicavam que o Sistema Previdenciário pagava 36 milhões de benefícios continuados por mês. Claro, ninguém está satisfeito com o benefício, assim como a grande maioria não estava satisfeita com os salários de atividade. O demagogo se aproveita disso e propõe fórmulas mirabolantes de aumentar o valor das aposentadorias violando regras atuariais básicas do sistema. Não fazem contas.
A manipulação da insatisfação dos aposentados é uma clara manobra no sentido de privatizar a Previdência Social brasileira. É um dos poucos santuários da economia do país ainda preservados da sanha privatista. Isso viola as regras do neoliberalismo. Não importa que a Previdência esteja na raiz de um pacto social que até agora sobreviveu bem a governos e regimes diversos. Para os neoliberais, enfraquecer a Previdência é uma forma de reduzir o tamanho do Estado para em seguida privatizá-la como aconteceu no Chile, e agora na Europa.
O país não está no caos. A economia está na proximidade da estagnação, mas isso se deve menos a ações do Governo que à inevitabilidade do ciclo econômico. Para o tamanho do país e de sua população, saúde, educação e previdência andam razoavelmente bem. Exceto em grandes metrópoles, o trânsito flui, não obstante a explosão da venda de carros não acompanhada por infraestrutura urbana, atribuição de estados e municípios. Os órgãos de fiscalização e controle do Estado, Polícia Federal e Ministério Público, estão funcionando a contento, apurando crimes e levando à condenação de corruptos.
Ah, sim, temos um partido que nasceu do povo e depois de anos de luta em regime democrático ganhou sucessivamente quatro eleições presidenciais. Talvez tenha sido um excesso em face dos partidos tradicionais. Eu nunca me filiei a ele. Achava-o sectário demais. Curiosamente, é justamente por ter-se tornado parecido com os partidos tradicionais que se arma agora uma grande constelação de forças políticas, midiática e jurídicas contra ele. Difícil é ver o que se seguirá depois. Conforme for o desfecho, poderemos realmente experimentar o caos. (Fonte: aqui).
J. Carlos de Assis - Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional na UEPB.
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