segunda-feira, 29 de dezembro de 2014
ÊXODO É UMA ONDA
"Hoje finalmente fui assistir ao filme bíblico de Ridley Scott. Não vou comparar esta obra pós-computação gráfica ao filme Os 10 Mandamentos (1957) ou ao filme homônimo que o antecedeu (1923). Os 10 mandamentos do cinema norte-americano, aliás, continuam os mesmos:
1- Fazer remakes espalhafatosos de remakes inverossímeis;
2- Adicionar novos personagens a velhas histórias;
3- Usar ex-galãs e estrelas envelhecidas para valorizar a obra reduzindo seu custo;
4- Nunca pagar direitos autorais aos países onde as histórias antigas mais ou menos americanizadas serão filmadas;
5- Recorrer à ciência para burlar a religião e à religião para burlar a ciência;
6- Remunerar os extras como escravos, muito embora os escravos sejam o personagem principal de algumas histórias filmadas;
7- Todos os personagens (inclusive egípcios, hebreus, etc…) devem falar inglês com sotaque norte-americano, exceto quando algum personagem é irlandês ou inglês (caso em que o sotaque específico deverá ser rigorosamente observado);
8- O herói deve hesitar antes de aceitar sua missão (isto se aplica a Deus, quando ele é um personagem cinematográfico) e não pode desistir dela antes do inevitável “The End”;
9- Os efeitos especiais computadorizados devem ser perfeitos para que o cinéfilo preste mais atenção neles do que na própria história;
10- A versão em 3D deve ser lançada na mesma data que a versão 2D, para garantir que haja um lucro adicional de bilheteria.
Exodus obedeceu rigorosamente aos 10 mandamentos. Portanto, merece ser classificado como um típico produto da indústria cultural norte-americana. Dito isto, farei apenas uma observação sobre o filme.
Ridley Scott criou a maior, mais bela e mais verossímil onda da última década do cinema. A parede de água virtual que vira o barco Poseidon (filme de 2006) é muito homogênea e estática, ela carece de um requisito fundamental, algo que chamarei de “aguidade”. A onda que engole o barco antes dele conseguir atingir sua crista em The Perfect Storm (2000) é grande demais, furiosa demais, malvada demais para ser apenas um fenômeno da natureza. O cineasta que fez Exodus não cometeu os mesmos erros que Wolfgang Petersen (diretor dos dois filmes citados). O único erro de Ridley Scott foi não tirar proveito de todas as potencialidades cênicas da magnífica onda que criou.
No filme Exodus, Deus espera a situação dos escravos piorar muito antes de fazer Moisés retornar ao Egito para salvar seu povo. Portanto, podemos concluir que o Deus de Ridley Scott quer que seu líder político e militar surfe na imensa onda de dor e ressentimento que foi sendo criada pelo egocêntrico faraó. Moisés faz o que Deus lhe manda, mas o diretor do filme não permite ao seu personagem surfar na onda criada para destruir o exército do seu adversário. Isto é uma vergonha.
Uma onda virtual tão grande, bela e verossímil não poderia ter sido desperdiçada como foi. É verdade que a Bíblia, livro mais ou menos respeitado durante a criação de Exodus, não diz que Moisés foi surfista, mas também não nega que ele possa ter sido o precursor do esporte preferido dos californianos. Desgraçadamente, o diretor do filme perdeu uma excelente oportunidade estética. Quem sabe num remake, do remake, do remake, do remake possamos ver Moisés descendo a onda até a praia numa prancha de surf improvisada. Embasbacados os judeus recém libertados resolvem seguir seu líder até a terra prometida porque quem é capaz de dropar tão bem uma onda daquelas só poderia mesmo ser o escolhido por Deus."
(De Fábio de Oliveira Ribeiro, no Jornal GGN, post intitulado "Exodus é uma onda, mano..." - aqui -, em que aborda o filme 'Êxodo: deuses e reis'', de Ridley Scott, cuja estreia no Brasil está em curso).
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