quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

MASMORRAS MODERNAS

Maranhão e seus presídios (o Brasil em miniatura)

Por Luiz Flávio Gomes

O Brasil não se converteu no 16º país mais violento do planeta por acaso. Tem toda uma história de violência e de autoritarismo, que vem desde o colonialismo.

“Nas costas de um dos corpos, de bruços, estão duas cabeças, lado a lado. Elas são exibidas como troféus. Ao lado, o terceiro decapitado ainda tem a cabeça encostada ao pescoço. Um dos presos grita: “Bota de frente pra filmar direito”. Outro pede: “Não puxa a cabeça dele”. Em vão. Um outro colega, também de chinelos, enfia os pés na poça de sangue, se aproxima e, com a ponta dos dedos, ergue a cabeça, puxada pelos cabelos. A cabeça escapa, cai no chão, mas é erguida novamente e colocada ao lado das outras. Os presos mantêm o clima de comemoração”. Tudo isso foi filmado e mostrado pela Folha (7/1/14, p. C1).

É o inferno de Dante (Divina comédia): “Percam todas as esperanças. Estamos todos no inferno”. Os presídios maranhenses (com 60 assassinatos no último ano) assim como o próprio governo do Maranhão (há 50 anos nas mãos desgovernadas dos Sarneys) são o retrato (uma miniatura) do Brasil, um país injusto, classista, racista, violento, corrupto, patrimonialista, nepotista, desdentado, subnutrido e analfabeto (3/4 dos brasileiros não sabem ler ou escrever ou entender o que leem ou fazer operações matemáticas mínimas – ver relatório do Inaf).

De 1980 a 2011, 1.145.651 pessoas assassinadas (ver Instituto Avante Brasil). Um mar de sangue. Há 400 mil anos (pré-história), 1/3 do Brasil era puro mar.

Incluindo o Maranhão inteiro. Hoje é tudo sangue. Um mar de sangue. O Brasil não se converteu no 16º país mais violento do planeta (conforme o UNODC-ONU) por acaso. Tem toda uma história (de violência, de prepotência, de autoritarismo, de desrespeito à vida, de degeneração ética, de domínio classista injusto, desde o colonialismo). O sistema penitenciário brasileiro constitui uma síntese desse lado do Brasil que deu errado.

Os presídios, com prisões determinadas pelos juízes, são uma invenção da burguesia capitalista ascendente do século XVIII. Nasceram para disciplinar as pessoas para o trabalho assalariado.  Corpos dóceis e úteis (Foucault). Para eles eram mandados os vagabundos, carentes, marginalizados, criminosos etc. Local de educação (se imaginava). Logo se viu que lugar de educar é na escola. As novas burguesias dominantes, no entanto, continuaram mandando para as prisões todas as “classes perigosas” (conceito do final do século XIX), mesmo que não tenham cometido nenhum crime violento. Mais de 50% dos presos, hoje, não praticaram crimes violentos. Lá estão amontoados, jogados como coisas. O sistema não ressocializa, brutaliza. O sistema não reeduca, aumenta o número de soldados para o crime organizado.

A política do encarceramento massivo (aumento de 508% nas prisões de 1990 a 2012), paralelamente à da edição de leis penais novas mais severas (150 reformas de 1940 a 2013), continua a todo vapor, estimulada pela fascista criminologia populista-midiática-vingativa (veja nosso livro Populismo penal midiático: Saraiva, 2013), que constitui a fonte de inspiração da burguesia dominante legislativa (que cuida do processo de criminalização primária).

A reforma do Código Penal, fundada no pensamento mitológico (mágico), emocional e passional (Durkheim), está seguindo exatamente essas duas equivocadas premissas: (a) leis mais severas e (b) encarceramento massivo (sobretudo das “classes perigosas”, não violentas). As políticas alternativas (prisão somente para criminosos violentos, sistema da pena suave, justa e certa – Beccaria) não são consideradas. Reforma penal na contramão da nova história. Nova história que deve ser construída para o salvamento do sistema capitalista e das burguesias governantes, se é que querem ser mantidos.

Sugere-se a seguinte tese: o sistema econômico capitalista (o pior de todos, com exceção dos demais), cada vez mais contestado no mundo todo (ocidental e oriental), em razão das suas fraudes (como a de 2008), denominadas de “crises”, bem como em virtude das suas injustiças e desigualdades profundas (com a consequente divisão de classes), está cavando seu próprio abismo (sua própria morte) na proporção em que aumenta a burrice, a irracionalidade e as improvisações das classes burguesas dominantes e governantes.

Tese 2: é especialmente no campo criminológico e político criminal, hoje inteiramente dominado pela criminologia populista-midiática-vingativa, fundada na emotividade e passionalidade decorrentes do delito (como descreveu Durkheim), onde se nota com mais evidência a irracionalidade do pensamento mitológico.

Tese 3: precisamente nos países mais violentos do planeta, a burguesia dominante vem conduzindo o processo de criminalização primária (produção da legislação penal) e secundária (atuação seletiva da polícia, Ministério Público, juízes etc.) de forma totalmente equivocada. Isso está mais do que evidente, uma vez mais, no processo de reforma do Código Penal brasileiro, que novamente está iludindo a população com a oferta de dois produtos fraudulentos (quando pensamos em efeitos preventivos): (a) endurecimento das leis penais e (b) encarceramento massivo.

Tese 4: essa política fraudulenta (porque totalmente ineficaz a médio ou longo prazo) está agravando diária e assustadoramente a situação desses países e dos seus presídios, vergastados pela violência epidêmica, porque, enquanto ilude a população com cosméticos e placebos charlatões, adia o enfrentamento racional do problema da segurança e da criminalidade.
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Luiz Flávio Gomes, jurista, é diretor-presidente do Instituto Avante Brasil.
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É preciso estar alerta para certos aspectos, como o fato de que a Justiça, no dia a dia, está negligenciando, fazendo corpo mole relativamente à população carcerária: as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça são descumpridas, e nada acontece. A exemplo do que se observa no Piauí, onde há superpopulação carcerária, sendo que 70% dos presos não foram julgados no prazo legalmente estabelecido, conforme se vê aqui.

De outra parte, a mídia - notadamente os programas policialescos no rádio e TV - estimulou/incutiu na opinião pública a ideologia do justiçamento, e os governantes em geral, convencidos de que dinheiro gasto na melhoria das condições carcerárias não agrada à referida opinião pública (que detém o voto, como se sabe), também fazem corpo mole (o Maranhão recebeu do Ministério da Justiça autorização para investir R$ 20 milhões na construção de dois presídios; nada realizou no prazo estipulado e teve que devolver os recursos, visto que o MJ está submetido aos ditames da lei orçamentária e não pode manter verba ociosa por tempo ilimitado. Puro descaso do governo maranhense). 

Enquanto isso, SUÉCIA FECHA 4 PRISÕES E PROVA: A QUESTÃO É SOCIAL: 

"O jornal inglês The Guardian informou em sua edição de ontem (13/11/2013) que 4 prisões e um centro de detenção foram fechados na Suécia, pela Justiça daquele país, por falta de prisioneiros. O diretor de serviços penitenciários local, Nils Oberg, afirmou que o número de detentos estava caindo 1% ao ano desde 2004 e, de 2011 para 2012, caiu 6%.
Oberg e outras fontes ouvidas pelo jornal inglês acreditam que a queda do número de presos tem os seguintes motivos: 1) investimentos na reabilitação de presos, ajudando-os a ser reinseridos na sociedade; 2) penas mais leves para delitos relacionados às drogas e 3) adoção de penas alternativas (como liberdade vigiada) em alguns casos. (...)" - AQUI.

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