segunda-feira, 1 de novembro de 2021

COMO A MUDANÇA CLIMÁTICA E A VIOLÊNCIA DE GANGUES SE CRUZAM EM HONDURAS

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Honduras está ficando cada vez mais quente e seca. A temperatura média lá aumentou em mais de quatro graus celsius desde 1960, e o país está preso em um ciclo severo de secas. Fazendeiros de algumas áreas perderam até 80% das suas plantações. O Banco Mundial estima que a América Central e o México poderão produzir até dois milhões de migrantes climáticos até o meio do século.

           
(Migrantes na fronteira Guatemala / México - 2018)

Por Mark Scialla

San Pedro Sula, Honduras - Em novembro passado, Sara olhou para a sua casa - que fica perto de San Pedro Sula, em Honduras - destruída por uma tempestade e considerou se demitir e ir para os EUA. Seu chefe a queria de volta e não ligava se sua casa estava em ruínas – ou que os negócios que ela tinha que extorquir tinham sido encerrados. Dois furacões de categoria 4, dentro de duas semanas, devastaram o país. A gangue estava perdendo dinheiro e seu chefe começou a culpar soldados como Sara. Essa não foi a primeira vez que ela pensou em sair da MS-13, mas após os furacões ela fez planos com o marido.

A gangue dependia de dinheiro extorquido, uma “guerra fiscal”. Mas muitos negócios ao redor do país fecharam por causa da pandemia, e então os furacões tomaram conta do resto. Seu chefe parou de pagá-los após as tempestades. Nos meses seguintes, enquanto a economia do país se recuperava, Sara era enviada para realizar tarefas em lojas onde era só ela falar o nome do seu chefe para receber um punhado de dinheiro e uma refeição quente, mas nada disso era para ela. Em casa, sua criança estava ficando com fome. No entanto, ela continuou trabalhando por mais sete meses – porque se ela parasse, a matavam.

“Meu marido decidiu ir para sustentar nossa criança porque aqui não há de onde tirar dinheiro”, disse Sara. “A gangue não permite que você saia e procure por um emprego nas maquilas [fábricas] ou restaurantes, em nenhum lugar. E te matam se você se une a outra gangue.”

A temporada de furacões do atlântico em 2020 teve a maior quantidade de tempestades nomeadas na história, e enquanto o mundo continua a aquecer, tempestades como as que atingiram Honduras no ano passado se tornarão mais comuns. Os furacões Eta e Iota lançaram o equivalente a meses de chuva em Honduras em somente duas semanas, resultando em mais de 10 bilhões de dólares em danos. Ao menos 98 pessoas morreram e 175.000 ficaram desalojadas.

Honduras está ficando cada vez mais quente e seca. A temperatura média lá aumentou em mais de quatro graus celsius desde 1960, e o país está preso em um ciclo severo de secas. Fazendeiros de algumas áreas perderam até 80% das suas plantações. O Banco Mundial estima que a América Central e o México poderão produzir até dois milhões de migrantes climáticos até o meio do século.

A seca levou muitas pessoas a deixarem o campo para encontrar trabalho nas cidades ou para pegar a perigosa rota de migração para o norte para os EUA, o que as expõe ao crime organizado e à violência estatal. Pesquisas da Universidade de Duke descobriram que taxas de migração eram maiores após períodos de baixa precipitação, e que essas taxas subiram ainda mais quando a baixa precipitação coincidia com altas taxas de homicídios.

“A maioria das pessoas em países que estão experienciando a migração climática está, normalmente, se movimentando internamente para cidades”, disse Sarah Bermeo, uma das autoras do estudo. “Muitas pessoas frequentemente perguntam por que os hondurenhos não migram internamente? Se eu vivesse em uma área rural e perdesse as minhas plantações e todas as cidades ao meu redor fossem muito violentas, eu não gostaria de migrar para esses locais.”

Sara se juntou ao MS-13 quando era jovem. Isso foi há décadas atrás, mas ela não está mais de cabeça erguida agora como estava antes, quando a taxa de homicídio do país começou a subir para uma das mais altas do mundo. A pobreza crônica e a corrupção governamental permitiram a continuidade da violência de gangues e levaram muitas pessoas a fugirem do país. O número de hondurenhos que estão migrando para os EUA aumentou nos últimos 10 anos. E enquanto o mundo aquece, é esperado que vejamos mais migração e, potencialmente, mais violência.

Os cientistas geralmente concordam que a mudança climática não causará conflitos, mas pode exacerbar os já existentes. Países que já estão atolados em violência serão os menos capazes de aguentar choques climáticos, como secas e furacões. Honduras é altamente vulnerável à mudança climática e um dos menos prontos a se adaptar, de acordo com a Iniciativa Global de Adaptação Notre Dame, que lista os países de acordo com seu risco climático e sua resiliência. O país já está entre os mais pobres da América Central. A pandemia e a seca pioraram a situação, mas foram os furacões Eta e Iota que levaram três milhões de pessoas à beira da fome.

“Esses países que estão em situações frágeis frequentemente são os mais impactados pela mudança climática”, disse Kayly Ober da “Refugees International”. “Era só o que faltava. A América Central está sofrendo com a seca há anos, as pessoas estão vivendo de maneira precária e então veio a covid-19 e as oportunidades econômicas secaram. Estamos vendo uma série de efeitos em camadas.”

Ficar desalojado e acabar em um novo bairro pode ser uma sentença de morte em Honduras ao passo que as gangues controlam as ruas. Novas caras não são permitidas nos bairros – pertencendo às gangues ou não.

“São mortos porque não podem simplesmente ir de um bairro para outro a não ser que eles pertençam à mesma gangue”, explicou Sara. “Eu não acho justo, mas essa é a lei e as pessoas sabem. Eu não sei por que ainda fazem. Muitos foram mortos quando foram visitar suas próprias mães.”

Ingrid Garcia vive em San Pedro Sula com sua parceira, Jessica. Mas perderam sua casa quando uma barragem transbordou na noite que o Iota passou. O casal e suas duas crianças foram morar com os parentes de Jessica, 15 pessoas dividindo uma casa de dois quartos. Dentro de dois meses, Jessica pegou covid-19 e morreu. Ingrid teve que se mudar de novo, e acabou com sua tia em Choloma, uma cidade vizinha com a terceira maior taxa de homicídio em Honduras no ano passado.

Uma pessoa de fora pode não perceber os membros de gangues nos bairros, já que os sinais de filiação são mais sutis hoje em dia. Ao invés de tatuagens nos rostos representando as gangues, os membros podem raspar uma linha na sobrancelha ou vestir certos pares de sapatos que outros reconheceriam como sendo de uma facção ou de outra. Estão sempre observando e se comunicando por meio de aplicativos de mensagens quando estranhos aparecem.

“Estão sempre perguntando, ‘quem é essa pessoa? De onde vem aquela? De onde vem essa aqui?”, disse Ingrid. “Para mim, voltar para Choloma, eles têm gangues diferentes, uma mudança que faz você viver com medo. Se você for na rua, algo pode acontecer ou você pode não voltar, ou pior. Tem mais impacto nos jovens. Em sua maioria, homens.”

O filho de Ingrid acabou de fazer 16, e ela se preocupa com sua segurança todos os dias. As gangues são conhecidas por recrutarem desde os oito anos para cima. A pandemia interrompeu o aprendizado do seu filho e, como muitos hondurenhos, ele está desempregado. Ela o mantém dentro de casa o máximo que pode. Mas ela não sabe por quanto tempo mais isso os manterá a salvo. Tiroteios acontecem frequentemente onde ela vive, embora haja um posto policial do outro lado da rua.

Em uma manhã de agosto, Ingrid visitou o túmulo de Jessica, apenas algumas quadras de onde ela vive agora em Choloma. Ela se sentou na tumba, tirou as folhas, e começou a lembrar os momentos que partilhou com Jessica. Ela só estava lá por alguns minutos quando um dos seus amigos a encontrou e avisou para ela deixar o cemitério. A MS-13 comanda esse bairro e não era seguro para Ingrid ficar lá. Olheiros tinham alertado no chat da gangue que estranhos estavam no cemitério, segundo seu amigo.

Sem sua casa, sem sua parceira, e com uma nova realidade em um bairro perigoso, Ingrid, também, está considerando a estrada para o norte. Ela só tem que juntar o dinheiro e a coragem. “Já passou pela minha cabeça, não vou negar. Talvez me dê uma oportunidade e eu possa estar em outro país, outro lugar, para refazer a minha vida, para começar do zero, como as pessoas dizem, para ver novos rostos; uma vida diferente da que eu levava”, disse Ingrid.

Sara não falou com seu marido desde que foi para o norte em junho. Seu chefe suspeita que ela saiba onde ele está e confiscou seu celular. Ela está se escondendo da gangue com a sua criança, e está com medo de que a matem se descobrirem para onde ele foi. Ela não tem dinheiro para ir embora sozinha, e, a não ser que seu marido ache um jeito de entrar em contato e enviar dinheiro, ela ficará presa em um dos países mais violentos do mundo sendo caçada pela sua antiga gangue. Enquanto isso, ela espera escondida, esperando receber notícias de seu marido, para ficar livre da gangue e começar uma nova vida.

“Vou com ele e minha criança, mas se descobrirem, veremos o que vai acontecer”, disse Sara. “Estamos falando de gangues, você tem que ter coragem, especialmente se tem filhos.”  -  (Boletim Carta Maior - Aqui).

*Publicado originalmente em 'The Nation'  

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