segunda-feira, 12 de outubro de 2020

NO BRASIL, CLIMA E FLORESTA TORNARAM-SE QUESTÃO DE POLÍCIA

Militares se articulam para apropriação crescente de recursos do meio ambiente em um cenário de pandemia e crise social. PLOA 2021 aumenta montante destinado à Defesa.


Por Tatiana Oliveira

No apagar das luzes de agosto, o governo enviou ao Congresso o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), que detalha as expectativas de despesa para 2021. O documento reforça as especulações que vinham sendo feitas desde 18 de agosto, quando uma versão do documento vazou à imprensa. De um lado, a peça revela a estratégia agressiva dos militares a fim de garantir recursos para as suas áreas. De outro lado, mostra que o governo cedeu à pressão e optou por proteger recursos para o Ministério da Defesa.

A imprensa havia divulgado a informação de que militares pressionaram o governo para ampliar a fatia de recursos “ressalvados”, ou seja, aqueles sobre os quais o Legislativo tem baixo poder de veto. Relatou-se, ainda, que a equipe econômica pretendia abrir ampla negociação a respeito das ações subordinadas à aprovação do Legislativo. No entanto, uma série de atropelos e um suposto acordo entre militares e a Junta de Execução Orçamentária, aparentemente sem o conhecimento do Ministério da Economia, teria garantido a proteção dos recursos para Defesa em 2021.

Mas essa não foi a única polêmica envolvendo o orçamento público e os militares no governo durante o mês de agosto. No dia 21, a Defesa anunciou que gastaria R$145 milhões com a compra de microssatélites, sob a alegação de que os novos equipamentos seriam mais eficazes para o monitoramento do desmatamento e das queimadas na Amazônia. A aquisição favorece o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), vinculado à Defesa. O Inpe, que vem sendo desacreditado e sucateado, afirmou não ter sido consultado sobre esta aquisição. O órgão também questionou a compra, alegando que não há vantagem em relação aos instrumentos que já se encontram em uso.

Quem tem poder no governo Bolsonaro?

Tais notícias deixam dúvidas sobre quem terá o poder para direcionar a prioridade dos gastos no governo Bolsonaro, se o Ministério da Economia ou os militares. Além disso, no contexto da pandemia da Covid-19 e da piora significativa da qualidade de vida dos brasileiros (enlutados, doentes e desempregados), parece inapropriado insistir que os gastos com o equipamento da Defesa definam a prioridade orçamentária do governo. Mas o que diz o projeto de lei orçamentária para o próximo ano?

Na comparação com 2020, o PLOA para 2021 aumenta os recursos destinados à Defesa. A comparação foi feita entre os projetos de lei orçamentária de ambos os anos. Os dados foram extraídos do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP). Para 2021, a Defesa terá R$ 110,8 bilhões. Isto representa R$ 5,1 bilhões extras em comparação com o previsto na proposta orçamentária anterior (R$ 105,7 bilhões). Também é necessário considerar que, no correr do ano orçamentário, recursos podem ser adicionados (ou subtraídos) desta previsão inicial.

Em relação a outros ministérios, a tendência foi de recuo: Saúde, Educação, Infraestrutura e Meio Ambiente tiveram perdas reais. Educação, crianças e adolescentes e saúde sofreram cortes. Na saúde, a perda foi de cerca de R$ 40 bilhões. Na Infraestrutura, a aposta do governo são concessões, privatizações, finanças mistas e títulos verdes. Embora trate-se de um setor que se beneficia, comumente, pela concessão de créditos suplementares, a redução do orçamento antecipa o desejo do governo em experimentar novas modalidades de financiamento disponíveis no mercado.

Militares disputam recursos do Meio Ambiente

O Meio Ambiente parece levar para o próximo ano a grave crise que corrói suas capacidades. Na comparação com o PLOA de 2020, a pasta, cujo orçamento já vinha caindo de forma dramática, perdeu 35%. O Programa de Prevenção e Controle do Desmatamento e dos Incêndios nos Biomas (6014) não aparece nesta proposta. A Funai teve leve aumento no orçamento. Mas os novos recursos não são suficientes para repor as perdas dos últimos anos.

Com a criação do Conselho Nacional da Amazônia, o ministério passou a concentrar recursos e funções de órgãos com mandato legal para administrar a política ambiental. Em 2020, créditos suplementares garantiram a entrada dos militares na disputa pelo meio ambiente. Para 2021, o grupo se esforçou para garantir, no projeto de lei, os recursos para implementação das suas políticas.

Por tudo isso, é possível dizer que o clima e a gestão das florestas, no Brasil, tornaram-se questão de polícia. Além disso, a articulação dos militares para apropriação crescente de recursos e a opção por proteger uma agenda de gastos fútil, no cenário de pandemia e de crise social, parece um enorme equívoco. O desinvestimento em áreas fundamentais para garantir direitos cobra o seu preço climático, social e econômico.  -  (Aqui).

(Tatiana Oliveira é assessora política do Inesc - Instituto de Estudos Socioeconômicos)

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