segunda-feira, 14 de março de 2016

UM POUCO DE HISTÓRIA: O DIA DE ONTEM E OS DIAS DE CHUMBO


"Por que os organizadores resolveram chamar o evento de domingo de "protesto contra a corrupção" e não "pela deposição da presidente Dilma", que é o verdadeiro motivo? 

Primeiro, porque assim [atraíram] mais gente. Tem muito mais gente contra a corrupção do que contra o governo, isso é evidente. Aliás, todo mundo é contra a corrupção. 

A malandragem é que esse volume de gente na rua vai aparecer nos jornais como os que rejeitam a presidente, engrossando o caldo dos que defendem o impeachment. 

Nem todos ali rejeitam o governo – apenas a corrupção – mas serão utilizados como número para justificar o impeachment no plenário da Câmara do Cunha, ops, dos Deputados. 

Eles não estão inovando nada. No dia 19 de março de 1964, multidões invadiram as ruas de São Paulo, lideradas pelas mesmas forças conservadoras da política, da mídia, da religião e do empresariado sob o slogan "Marcha da Família com Deus pela Liberdade"

Ora, quem vai ser contra a família? Contra Deus? Contra a liberdade? 

Um milhão de ovelhas foram às ruas. E somente 12 dias depois souberam que foram usadas como massa de manobra para justificar o golpe militar de 31 de março. E ajudaram a derrubar o presidente eleito João Goulart, abrindo as portas para 21 anos de terror político e atraso cultural, social e econômico. 

Mas há um segundo motivo para eles disfarçarem o verdadeiro objetivo da marcha. É que derrubar governo não é permitido pela constituição brasileira. 

O artigo 136 do Título V, "Da defesa do estado e das instituições democráticas" faculta ao presidente da República, sem, nas primeiras 24 horas necessitar de autorização do Congresso Nacional decretar o "estado de defesa", durante a vigência do qual, dentre outras medidas que garantam a continuidade do governo eleito, podem até ser presos os que conspiram contra as instituições democráticas. 

Um instrumento semelhante, porém mais radical, o "estado de sítio" permitiu o desmantelamento, em 1955, da conspiração que tentava impedir a posse do presidente eleito Juscelino Kubitcheck e de seu vice, João Goulart. Alegavam os conspiradores, dentre os quais o presidente no poder, Carlos Luz, que eles não deveriam assumir por não terem obtido mais de 50% dos votos, o que na época não era exigido. 

Embora tenham perdido no STF, que confirmou a legitimidade dos eleitos, os conspiradores não se conformaram e só foram barrados quando o então ministro da Guerra, Marechal Lott, valendo-se do estado de sítio afastou manu militari o presidente Luz, que se escondeu no navio Almirante Tamandaré para não ser preso. e nomeou o presidente da Câmara, Nereu Ramos, que não estava na conspiração, em seu lugar e que passou a faixa a JK. 

Os organizadores poderiam ao menos dar ao protesto o seu verdadeiro nome. Algo como "Marcha da Família contra Dilma e contra a Constituição."






(De Alex Solnik, jornalista, no Brasil 247, post intitulado "Marcha da Família contra Dilma e a Constituição" - aqui.

O artigo acima foi publicado no dia 12, antes, portanto, dos protestos de ontem. Reproduzo-o por julgá-lo interessante - e para dizer que nem todos os grupos de comunicação tentaram dissimular suas intenções: o grupo Frias, p. ex., da Folha de São Paulo, desde o início nomeou a manifestação como "ato anti-Dilma". E assim segue o Brasil, pressionado pelas elites e pela mídia, e engessado pelo parlamento, sem qualquer vislumbre de alento econômico. Enquanto isso, apressam-se em formatar a emenda Parlamentarista, ou algo parecido, de modo a que resultem atendidos os interesses de grupos políticos e empresariais. O 'movimento parlamentarista', liderado por Renan Calheiros, disputa com o 'movimento pró-impeachment', capitaneado por Eduardo Cunha. 

As manobras não causam estranheza: é imperioso a políticos encalacrados em escândalos encontrarem uma forma de, tumultuando ainda mais o ambiente, escapar entre as chamas - há analistas, aliás, na expectativa de que "A Lava Jato acaba quando Dilma for derrubada e Lula inabilitado", aqui. A ver -. Algo, porém, parece certo: parlamentares estariam confiantes em que, quanto mais nebuloso tornar-se o cenário, mais talvez aumentem as chances de que o STF postergue a adoção das providências requeridas em relação às falcatruas que lhes são atribuídas. Creio que eles estão enganados. De qualquer modo, mesmo em vindo a ser devidamente punidos, contentariam-se, quem sabe, por haver deixado um legado extremamente valioso para certos setores). 

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