segunda-feira, 2 de novembro de 2015

O DIREITO PENAL DO INIMIGO VERSUS O DIREITO GARANTIDOR


A dura vida de um juiz garantista

Por Luis Nassif

Tradicionalmente, o Judiciário sempre foi visto como um poder garantidor dos direitos individuais, amenizando o instinto naturalmente acusador do Ministério Público.
O garantismo pode servir de biombo para concessões obscuras. Rocha Matos, Paulo Maluf, Luiz Estevão e outros são réus de processos que caminham para a prescrição.
Por outro lado, é a âncora civilizatória que impede o abuso persecutório dos procuradores ou a criminalização de movimentos sociais.
Hoje em dia, o juiz garantista é um personagem vilipendiado, atacado por todos os lados.
Em recente disputa por vaga no STJ (Superior Tribunal de Justiça) houve a divulgação de dossiês de baixo nível contra candidatos, através do repórter Juliano Basile, do Valor. Para queimar um candidato, bastava espalhar (pela ordem) a) que era amigo de Dirceu; b) que era o preferido de Renan; c) que deu sentença branda contra movimentos populares.
A sanha contra os garantistas é generalizada. A maneira de se contrapor aos abusos contra os “nossos” é exigir os mesmos abusos contra os “outros”. É o que promove esse clamor de rebater a prisão da cunhada do tesoureiro do PT com a prisão da esposa de Eduardo Cunha.
Tome-se o caso do juiz Ricardo Augusto Soares Leite, primeiro titular do caso Zelotes.
Tempos atrás, foi alvo de pesadas críticas de procuradores, por ter mandado soltar 32 integrantes do Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST) depois das manifestações na Câmara dos Deputados.
Também suspendeu uma ação contra o BRB, pelo fato da Tesouraria ter descontado um cheque de R$ 2,23 milhões do Banco do Brasil, emitido pela Agrícola Xingu S.A., em nome de Nenê Constantino – atendendo a um pedido do governador do Distrito Federal. O juiz considerou que, como o cheque tinha fundos, não houve prejuízo algum. E que foi de bom tamanho a multa aplicada pelo  Banco Central devido à demora do BRB em comunicar a operação.
Teve seus momentos de Sérgio Moro, autorizando a procuradora do Ministério Público Federal Anna Carolina Resende de Azevedo Maia a invadir a sede da OAB-DF e apreender documentos.
Mas  não autorizou a quebra do sigilo telefônico do ex-Ministro Antonio Palocci, no caso do caseiro Francenildo dos Santos Costa. Considerou não haver “indício de participação do ex-ministro na violação do sigilo bancário do caseiro”. Se teve ou não, são outros quinhentos. O importante é saber se, no inquérito, havia provas.
Na Operação Zelotes, Ricardo negou os pedidos de prisão temporária de 26 investigados e não concedeu a prorrogação do monitoramento das escutas telefônicas e de e-mails dos envolvidos. E – pecado máximo - determinou o sigilo das investigações.
Foi alvo de representação do Ministério Público Federal e de críticas acerbas de lideranças políticas governistas. A pressão bateu no CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que o repreendeu.
Acabou afastado em uma manobra destinado a poupá-lo – foi “promovido” a alguma função no STJ -, abrindo espaço para a substituta. Mesmo sendo membro da Associação dos Juízes Pela Democracia, a juíza tratou logo de convalidar os pedidos do MPF, aceitando mudança total no foco da Zelotes, visando pegar Lula.
As ingênuas lideranças petistas achavam que a entrada de um juiz linha-dura ajudaria a alavancar a Zelotes, como contraponto midiático à Lava Jato. Em vez de uma Lava Jato, passaram a enfrentar duas.
O que aconteceria à juíza se resistisse aos pedidos ou avalizasse alguma ação contra algum aliado da mídia?
O mesmo risco que paira, hoje em dia, sobre qualquer juiz ou Ministro que não atenda ao clamor da turba. Haveria insinuações sobre sua conduta, vazamentos de sua vida financeira, exposição de parentes e amigos, levantamento de sentenças polêmicas, divulgação de dossiês, como fez a Folha contra uma juíza que ousou dar uma sentença contra Daniel Dantas
É importante que, na extraordinária aprovação das decisões da Lava Jato por tribunais superiores, se inclua um elemento relevante: o medo. (Fonte: aqui).
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Pelo visto, o louvável direito garantidor dos direitos (justamente porque a Constituição Federal deve prevalecer erga omnes) foi desbancado pelo direito dos julgadores de garantirem-se pessoalmente, o que é deplorável.  
Uma observação: À magistrada titular da Zelotes é atribuído parentesco com político filiado a partido oposicionista (como 'mau sinal', diga-se), mas para o juiz íntegro deve ser irrelevante ser parente de 'a' ou 'b', ser ou não membro da Associação Juízes pela Democracia ou 'correr o risco' de ser alijado de promoções na carreira em face de campanhas negativas encetadas pela mídia partidarizada. Se o juiz cede a qualquer pressão, está tão somente cedendo à propensão de aderir à lei de gérson e à fogueira das vaidades. 
Se, desgraçadamente, tal amarga realidade está a imperar, resta aos mortais comuns torcer para que o "relevante elemento medo" seja rechaçado no âmbito da instância Guardiã da Constituição, de sorte a que não mais ocorra o que se viu no julgamento da AP 470, que configurou, nas palavras do ministro Luis Roberto Barroso, "um ponto fora da curva".

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