Decisão judicial não se discute, cumpre-se! Mas, pode-se ao menos discutir o autoritarismo dessa falsa premissa?!
Por Denival Francisco da Silva
Há tempos não ouvia com tamanha ênfase essa assertiva: Decisão judicial não se discute, cumpre-se! Mas não é que a ouvi recentemente!
Como? Juízes, não sois “Deuses”, homens é que sois! Se até sobre a existência Divina e as diversas formas de interpretar a religiosidade é viável e factível estabelecer discussões (ainda que em geral nessa seara haja atos de fanatismos e intolerâncias, puro niilismo, como assevera Nietzsche, comprovado historicamente por grandes enfrentamentos), porque atos mundanos (resultado da ação humana) não poderiam ser objetos de divergências e debates?
Esse é um legado autoritário, reacionário e de uma soberba sem igual. Não existem nas relações humanas temas insuscetíveis de discussões. Assim, não está o Poder Judiciário, justo por isso e de modo algum, alheio a críticas ou imune à possibilidade de discussões e debates acerca de temas sobre os quais decidiu, mesmo que definitivamente e em última instância.
Todo ato administrativo – e a decisão judicial é uma vertente dele – em suma é um ato político. Por mais que se queira atribuir ao Judiciário a “capacidade da imparcialidade”, trata-se de mito inalcançável. A tarefa de julgar é humana, assim como humanas são as decisões, as paixões, os preconceitos (no sentido de conceito prévio sobre determinado fato), o aprendizado decorrente dos costumes, valores morais, éticos, religiosos, suas opções políticas (ainda que não declaradas), sua ojeriza, indiferença ou simpatia com o jurisdicionado e suas condutas, etc. Ao ser chamado a decidir, o julgador não consegue – e isso é natural – isolar-se do mundo, cindindo-se unicamente no seu saber jurídico. Ainda que isso fosse possível (registra-se que aqui se trata de uma mera hipótese), a opção pura, simples e sempre atenta à legalidade, sem se permitir nenhuma contextualização ao caso concreto e desprezando quaisquer outros valores e circunstâncias, é política. Por isso, jamais isenta. No mínimo conivente com um modus político em vigor, ainda que resultado de uma legislação antiga e não mais consentânea com a realidade social.
Não se quer com isso propor a negativa da lei, ato do legislador e no nosso modelo democrático legítimo representante do povo, cuja atividade integra o princípio da tripartição dos poderes (apesar de nem toda legislação, lato sensu, emanar exclusivamente do Poder Legislativo). Porém, deve-se ter presente que mesmo sob o aspecto jurídico existe uma hierarquia entre as normas, onde o princípio também se insere, não podendo tê-los desprezados ou diminuídos frente às leis, no momento do exercício do ato de julgar ou de interpretar o direito.
Porquanto, numa sociedade realmente democrática, não existe ato público/administrativo e privado insuscetíveis de críticas e discussões. Na verdade (e eis já uma contradição), não existem verdades absolutas. O que se dirá então em relação às ciências sociais onde não há uniformidade de entendimentos e o conhecimento não é exato!
O fato, todavia, de se permitir discussões sobre as decisões e de se permitir discordâncias sobre o que fora decidido, não implica, óbvio, na possibilidade do descumprimento da decisão judicial. A propósito, é da natureza humana não se conformar com o resultado de um julgamento que lhe seja desfavorável. Mas a obrigatoriedade do cumprimento da decisão, como preceito elementar num Estado Democrático de Direito, repito, não esgota a possibilidade ou impede a discussão e debate sobre o tema.
Diante do princípio da separação dos poderes, os integrantes do Poder Judiciário são dotados de autoridade (não de poderes autoritários) para dizer o direito no caso concreto. Não significa que sejam potestades, com poderes supernaturais, ou ainda, que sejam dotados de um saber magnânimo, de maturidade inconteste, ou de convicções seguras e acertadas acima de todas as análises e projeções expandidas por outros setores políticos e do conhecimento e mesmo pelo senso comum.
Em qualquer hipótese, porquanto, inibir discordâncias ou discussões, por qualquer indivíduo, sobre assuntos decididos finalmente pelo Judiciário, é firmar a arrogância da diferença, autoritarismo puro e ilegítimo diante de um texto constitucional que propugna pelo pluralismo político e liberdade de expressão.
Para além de uma suposta virtuosidade dos integrantes do Judiciário, não existe nada de excepcional na figura humana dos julgadores. São pessoas como qualquer outra (ainda bem!), que convivem no mesmo espaço público de todos, enfrentam as mesmas atribulações do dia-a-dia, têm suas convicções para fora do jurídico (até porque não se é possível isolar o jurídico de outras realidades e muitos dos julgamentos trazem as experiências não jurídicas, conquanto transvestidas de um “juridiquês”) e apenas por condições e regras previamente delineadas, em virtude da investidura no cargo (e não pensem que esse é que os tornam superdotados por ter obtido sucesso em concurso; aliás, nem todos os magistrados ingressam na carreira por concurso e nem por isso podem ser tidos como piores ou melhores julgadores), adquirem a incumbência e tarefa de julgadores.
Os melhores julgamentos não decorrem de um ato de soberba do julgador ou de seu isolamento das coisas do mundo, por vezes soluções dissociadas da realidade. Ao contrário. Quanto mais conectados com o mundo real, mais atentos aos mandamentos constitucionais, sobretudo ao primado de que as regras do devido processo são claramente garantistas, como expressas e vastamente delineadas no texto constitucional de 1988 (por mais que a ignorância reacionária de muitos, inclusive e lamentavelmente dentro do próprio Judiciário, tenda a negar este fato); quanto mais abertos às discussões e debates sobre os temas que lhes são entregues para decisão e nisso, quanto mais se permitirem inovar, acolher novas lições, compreender, melhores serão os resultados daí decorrentes e que, nem por isso, são insuscetíveis de novas reflexões, debatidos ou questionados, em qualquer esfera desde que, até aí, não atinja a coisa julgada. (Fonte: aqui).
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Ocorre que, ao fazer uso da prerrogativa de ingressar com recurso judicial, por exemplo, a parte está discutindo, questionando a decisão - muitas vezes até, se julgado conveniente, havendo interposto previamente mandado de declaração, visando a esclarecer certa ou certas particularidades traçadas no despacho. A isso chama-se respeito à cidadania, à dignidade humana, à Democracia. Donde se conclui: a utilização apriorística dos termos 'autoritarismo' e 'falsa premissa', no contexto acima, se revela descabida.
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Ocorre que, ao fazer uso da prerrogativa de ingressar com recurso judicial, por exemplo, a parte está discutindo, questionando a decisão - muitas vezes até, se julgado conveniente, havendo interposto previamente mandado de declaração, visando a esclarecer certa ou certas particularidades traçadas no despacho. A isso chama-se respeito à cidadania, à dignidade humana, à Democracia. Donde se conclui: a utilização apriorística dos termos 'autoritarismo' e 'falsa premissa', no contexto acima, se revela descabida.
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