V. Kazanevsky.
O jornalismo busca-pé
Por Luciano Martins Costa
Se é possível definir as características da mídia tradicional do Brasil neste
período pós-Copa do Mundo, pode-se dizer que o jornalismo se tornou errático,
como um desses rojões de festa junina chamados de busca-pé.
Se o observador atento empilhar as primeiras páginas dos
principais diários de circulação nacional e analisar as manchetes e os títulos
das reportagens principais, vai concluir que a nossa imprensa anda
desorientada.
Trata-se, porém, de uma interpretação equivocada: os
jornais apenas parecem não ter um rumo, mas há por trás de cada decisão
editorial uma lógica e um objetivo claro.
Infelizmente, para os editores,
os fatos de cada dia não pedem licença para acontecer. A sensação de
inconstância que pode ser produzida pela leitura dos jornais nasce da
determinação dos editores de buscar uma finalidade específica em todos os tipos
de evento.
Sem mais disfarces, a imprensa hegemônica no Brasil tem se
dedicado a instrumentalizar os acontecimentos com o objetivo de promover uma
visão específica de mundo, que é explicitada constantemente nos editoriais e nos
principais artigos das editorias de opinião.
Para o leitor constatar esse
fenômeno, basta começar a leitura pelos textos opinativos, em vez de priorizar
as manchetes: ali vai encontrar uma espécie de guia para interpretar
praticamente tudo o que um jornal considera essencial em cada
dia.
Eventualmente, esse modelo de jornalismo pode produzir contradições,
mas quem se importa?
Os editores parecem considerar que o mundo é
refundado a cada nova edição e, portanto, o que foi dito hoje pode ser
reinterpretado de maneira exatamente oposta amanhã, dependendo de quem é
beneficiado ou prejudicado pela notícia.
A informação em si deixa de ser
importante: o que vale é convencer o leitor de que a interpretação que o jornal
dá aos fatos é a única correta.
Obediência aos
dogmas
Essa característica é escancarada no noticiário político,
onde as preferências dos jornais se manifestam de maneira mais homogênea e mais
explícita. Mas também se pode observar como a opinião pré-existente define a
visão sobre os fatos da economia, que por sua vez reflete o viés político a
priori.
Nesse círculo onde o valor de cada notícia é condicionado por um
conjunto de dogmas que não podem ser questionados, não há possibilidade de se
produzir uma visão inovadora do contexto social onde os fatos acontecem. Uma
interpretação conservadora sempre se impõe sobre qualquer evento.
Mesmo
quando os jornais falam, por exemplo, de inovação, o leitor que está
familiarizado com esse tema, que acompanha os debates internacionais sobre o
assunto, sente imediatamente o cheiro de mofo das coisas velhas.
No
noticiário econômico dos jornais chamados genéricos, há um limite claro para a
interpretação dos indicadores, de medidas oficiais e decisões de negócios. Os
jornais especializados abordam a conjuntura econômica de maneira mais
equilibrada e estimulam a reflexão, ao apresentar detalhes dos fatos específicos
de cada setor e das empresas mais destacadas.
Os jornais genéricos criam
uma conjuntura econômica de conveniência política, a partir de fatos
selecionados arbitrariamente, para produzir o cenário que convém ao seu
propósito de determinar a opinião dos eleitores.
Esse raciocínio pode ser
aplicado, por exemplo, no caso que envolve uma análise divulgada pelo banco
Santander, na qual há uma clara interferência no debate eleitoral. Depois da
reação do governo federal, o presidente do banco vem repetindo que se tratou de
um equívoco, que o banco não pensa daquela maneira e que os responsáveis teriam
sido demitidos sumariamente. O presidente do Santander sabe quanto pode perder
ao comprometer publicamente a instituição com um dos lados da política, se esse
lado for derrotado nas eleições.
Nesta quarta-feira (30/7), os jornais se
dão conta da armadilha que criaram para si mesmos. Juntando lé com cré, no
ambiente de baixa densidade reflexiva das redações, chega-se à perigosa
conclusão de que o episódio pode colocar em dúvida o acerto de futuras análises
feitas pelo mercado, que a imprensa costuma acatar como se fossem manifestações
dos deuses.
Então, o busca-pé da imprensa ricocheteia e já busca outra
direção. (Fonte: aqui).
................
Por volta de 2010, Judith Brito, então presidente da Associação Nacional de Jornais, declarou que, diante da fragilidade da oposição ao governo federal, esse papel deveria ser assumido pela mídia (como, aliás, já se vinha observando). A recomendação de Judith foi seguida à risca. Mas, como todo desvirtuamento tem seu preço, parcela razoável do público pode se dar conta da dessintonia entre avaliações formuladas e realidade.
Dessintonia? Como assim? Isso mesmo. Em 2013, por exemplo, depois de a mídia repercutir contundentes injeções de pessimismo aplicadas por analistas econômicos em geral e de seu staff - as quais certamente desestimularam investimentos privados Brasil afora e inibiram o consumo por parte do público -, martelou-se insistentemente que o PIB 2013 não passaria de 1,9%. Encerrado o ano, anunciou-se o PIB: 2,3%, conforme se vê aqui, percentual que colocou o Brasil entre os melhores desempenhos no mundo. Pergunta-se: a quanto o indicador teria chegado se a onda de pessimismo desenfreado não tivesse acontecido?
Que persistem gargalos no modelo econômico do Brasil é fato - mas isenção ao ponderá-los é essencial.
terça-feira, 5 de agosto de 2014
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