sexta-feira, 6 de junho de 2014

SOBRE A EXTRADIÇÃO DE PIZZOLATO

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Condenação sem o direito de recorrer pode ser obstáculo a extradição de Pizzolato

Por Deborah Berlinck

O fato do ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato ter sido condenado no julgamento do mensalão, sem o direito de recorrer da sentença, pode ser um obstáculo para a extradição dele para o Brasil. Quem levanta a hipótese é Michele Caianiello, jurista e professor da Universidade de Bolonha, explicando que a medida é uma exigência que consta na Constituição italiana. O argumento será um dos mais fortes defendidos pelos advogados de Pizzolato.
Em entrevista ao GLOBO, o professor analisa as possibilidades e riscos da decisão italiana e diz que a sorte do brasileiro pode ser decidida já na manhã desta quinta-feira, quando as duas partes — Pizzolato de um lado e procuradores do Brasil de outro — vão se confrontar na frente de três juízes da Corte de Apelação de Bolonha.

O GLOBO: O fato de Pizzolato ser italiano complica sua extradição?
MICHELO CAIANIELO: A meu ver, não. O artigo 6 do Tratado de extradição entre Brasil e Itália prevê a possibilidade de recusa (da extradição) por conta da cidadania. Mas isso não vai ser um obstáculo porque é facultativo. O mesmo artigo prevê que se for negada a extradição por motivo de cidadania, a Itália, neste caso, teria que iniciar um processo (para julgar Pizzolato) pelos mesmos motivos. Acho impossível que a Itália inicie um processo neste caso.

O GLOBO: Pizzolato quer um novo julgamento na Itália. É possível ?
Parece-me difícil. Isso só aconteceu em casos muito relevantes, como o dos desaparecidos argentinos, quando se decidiu julgar aqui militares que também tinham cidadania italiana. Mas era um caso de violação muito grave, em que morreram (nas mãos dos militares) também cidadãos italianos.

O GLOBO: É possível que ele cumpra pena brasileira na Itália ?
Ele poderia pedir para cumprir a pena aqui, mas seria preciso primeiro que a Itália reconheça a sentença brasileira. Neste caso, seria necessário um procedimento similar ao da extradição: uma Corte de Apelação decide e, depois, há possibilidade de recurso da Corte de Cassação. Cumprir a pena na Itália, de acordo com as leis italianas, lhe daria algumas vantagens. Se o fato ocorreu antes de 2006, ele poderia se beneficiar de um indulto.

O GLOBO: A defesa de Pizzolato vai argumentar que ele foi julgado apenas uma vez. Esse é um problema para a extradição ?
Esse pode ser um problema, sim. Porque nossa Constituição prevê o duplo grau de jurisdição, que é o direito de recurso da sentença na Corte de Cassação. O Sétimo Protocolo da Convenção Europeia dos Direitos Humanos também prevê o direito a um segundo grau de julgamento. Isso pode ser derrogado, mas somente em casos especiais. Uma das razões de recusa de extradição é se há disposições contrárias aos princípios do ordenamento jurídico italiano. É uma fórmula muito ampla, mas que pode ser usada. No entanto Pizzolato foi julgado pela Suprema Corte brasileira, ou seja, não é um juiz qualquer. Mas ainda assim, pode ser uma razão de recusa (da extradição) se os juízes italianos julgarem que há violação dos direitos fundamentais ele não ter tido recurso. Há espaço para esta interpretação.

O GLOBO: Outro argumento são as precárias condições dos cárceres brasileiros. O governo brasileiro vai dar garantias, isso é suficiente?
Difícil dizer. Temos uma jurisprudência com algumas novidades nos últimos anos. Até há alguns anos, o estado dos cárceres não era razão para recusar extradição. Quem não queria ser extraditado tinha que provar que o cárcere para onde seria extraditado era um risco. Depois houve uma sentença na Corte Europeia dos Direitos Humanos que disse que dispensou a prova: bastava que existisse um risco de pena desumana ou degradante. Neste sentido, se alargou a possibilidade de recusa de extradição. Relatórios como da Human Rights Watch também podem ser considerados como prova suficiente.

O GLOBO: A defesa de Pizzolato também vai argumentar que o Brasil só enviou à Corte de Apelação de Bolonha uma parte da sentença de Pizzolato. Isso pode ser um problema ?
Sim, mas é um problema limitado. O tratado de extradição prevê que os documentos não são suficientes, a Corte de Apelação pode pedir mais documentos, adiando a audiência para outra data. Mas isso pode ser resolvido facilmente.

O GLOBO: O fato de que a Justiça italiana recusou três vezes a soltar ou dar prisão domiciliar à Pizzolato é bom sinal para o Brasil ?
Sim, é um bom sinal. A única coisa que os juízes consideram, neste caso, é o perigo de fuga. A probabilidade de que juízes acolham o pedido de extradição (do Brasil) pesa.

O GLOBO: O senhor acha que a recusa do Brasil em extraditar Cesare Battisti (condenado na Itália à prisão perpétua por terrorismo) pode pesar na decisão de não extraditar Pizzolato ?
Na minha opinião, se os juízes decidirem que Pizzolato deve ser extraditado, o governo italiano não vai recusar. Pode recursar, claro, já que a última palavra caberá ao ministro da Justiça. Mas não acho que o fará. É um passo político muito importante e delicado. Não acho que o governo italiano tem vontade de abrir esta frente de batalha com o Brasil.

O GLOBO: Mas a decisão do Tribunal vai ser apenas jurídica, não?
Sim, sem nenhuma dúvida. Mas não se pode excluir a recusa da extradição. (Fonte: aqui).

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A decisão sobre a extradição de Pizzolato foi adiada para outubro. Os julgadores teriam solicitado  informações adicionais acerca das condições carcerárias a que o réu seria submetido.

Mas deverá pesar também, e muito, o não oferecimento, pela Justiça brasileira, do duplo grau de jurisdição, direito previsto em nossa Constituição Federal e consagrado por 'n' países, Itália entre eles.

A propósito do duplo grau, convém reler o post "Ação Penal 470: o que poderá acontecer após o fim" (com seus 'links'), que ressalta a posição externada pelos juristas Valério Mazzuoli e Luiz Flávio Gomes.

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