Augusto de Campos e a música brasileira em 1966
Por Paulo Cesar de Araújo
Em dois artigos publicados no jornal Correio da Manhã, o primeiro em junho e o segundo em outubro de 1966 (mais tarde incluídos na coletânea de textos Balanço da Bossa), Augusto de Campos fazia uma acurada análise do panorama da moderna música popular brasileira e situava com destaque o trabalho que Roberto e Erasmo Carlos realizavam naquele momento. Augusto de Campos observava que, enquanto as duas principais figuras da jovem guarda cantavam descontraídas, com espantosa naturalidade, em estilo claro e despojado, muitas outras estrelas da MPB apelavam para efeitos melodramáticos, num estilo de interpretação teatral que nada tinha a ver com o estilo de interpretação da bossa nova. E exemplificava citando Elis Regina, Wilson Simonal e Leny Andrade, que teriam "enveredado para o campo do virtuosismo vocal exacerbado, imitativo da improvisação instrumental do jazz e dos be-bops americanos, artificiosos, pleno de afetações e maneirismos que faziam da música mais simples verdadeiros labirintos melódicos". Roberto Carlos, ao contrário, não se valia de nenhuma peripécia vocal ou gestual, e sim da simplicidade interpretativa característica da bossa nova. "Apesar do iê, iê, iê ser música rítmica e animada, e, ainda que os recursos vocais, principalmente de Erasmo, sejam muito restritos, estão os dois Carlos, como padrão de uso da voz, mais próximos da interpretação de João Gilberto do que Elis e muitos outros cantores de música nacional moderna, por mais que isto possa parecer paradoxal."
Augusto de Campos ia mais longe e aplicava a Roberto e Erasmo aquele conceito oswaldiano modernista que seria tão caro aos tropicalistas: a antropofagia cultural.
"Como excelentes tradutores que são, de um estilo internacional de música popular, Roberto e Erasmo Carlos souberam degluti-lo e contribuir com algo mais: parecem ter logrado conciliar o mass-appeal com um uso funcional e moderno da voz. Chegaram assim, nesse momento, a ser veiculadores da informação nova em matéria de música."
Defesa mais clara, precisa e contundente Roberto e Erasmo, até então, jamais haviam tido de qualquer outro intelectual brasileiro. (Fonte: aqui).
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