segunda-feira, 2 de junho de 2014

DESAFIOS DO BRASIL


Para calcular o Brasil

Por José Luís Fiori

As “grandes potências” se protegem coletivamente, impedindo o surgimento de novos estados e economias líderes, através da monopolização das armas, da moeda e das finanças, da informação e da inovação tecnológica. Por isso, uma “potencia emergente” é sempre um fator de desestabilização e mudança do sistema mundial, porque sua ascensão ameaça o monopólio das potências estabelecidas”.
[
J.L.F. “História, Estratégia e Desenvolvimento. Para uma Geopolítica do Capitalismo”, Editora Boitempo, 2014, SP, p: 35 ( no prelo )]

No Século XX, o Brasil deu um passo enorme e sofreu uma transformação profunda e irreversível, do ponto de vista econômico, sociológico e político. No início do século, era um país agrário, com um estado fraco e fragmentado, e com um poder econômico e militar muito inferior ao da Argentina. Hoje, na segunda década do século XXI, o Brasil é o país mais industrializado da América Latina, e a sétima maior economia do mundo; possui um estado centralizado e democrático, uma sociedade altamente urbanizada – ainda que desigual - e é o principal player internacional do continente sul-americano.

Além disso, é um dos países do mundo com maior potencial de crescimento pela frente, se tomarmos em conta seu território, sua população e sua dotação de recursos estratégicos, sobretudo se for capaz de combinar seu potencial exportador de commodities com a expansão sustentada do seu próprio parque industrial e tecnológico. 

Tudo isso são fatos e conquistas inquestionáveis, mas esses fatos e conquistas colocaram o Brasil frente a um novo elenco de desafios internacionais, e hoje, em particular, o país está enfrentando uma disjuntiva extremamente complexa.

As próprias dimensões que o Brasil adquiriu, e as decisões que tomou no passado recente, colocaram o país dentro do grupo dos estados e das economias nacionais que fazem parte do núcleo de poder do “caleidoscópio mundial”: um pequeno número de estados e economias nacionais que exercem - em maior ou menor grau - um efeito gravitacional sobre todo o sistema, e que são capazes, simultaneamente, de produzir um “rastro de crescimento” dentro de suas próprias regiões.

Queiram ou não queiram, esses países criam em torno de si “zonas de influência”, onde têm uma responsabilidade política maior que a dos seus vizinhos, enquanto são chamados a se posicionar sobre acontecimentos e situações longe de suas regiões, o que não acontecia antes de sua ascensão. Mas ao mesmo tempo, os países que ingressam nesse pequeno “clube” dos países mais ricos e poderosos têm que estar preparados, porque entram automaticamente num novo patamar de competição, cada vez mais feroz, entre os próprios membros desse “núcleo” que lutam entre si para impor a todo o sistema, os seus objetivos e as suas estratégias nacionais de expansão e crescimento.

Neste momento, o Brasil o já não tem como recuar sem pagar um preço muito alto. Mas por outro lado, para avançar, o Brasil terá que ter uma dose extra de coragem, persistência e inventividade. Além disso, terá que ter objetivos claros e uma coordenação estreita entre as agências responsáveis pela política externa do país, envolvendo a sua diplomacia, a sua política de defesa, articuladas com sua política econômica e com sua política de difusão global de sua cultura e dos seus valores. E o que é mais importante, o Brasil terá que sustentar uma “vontade estratégica” consistente e permanente, ou seja, uma capacidade social e estatal de construir consensos em torno de objetivos internacionais de longo prazo, junto com a capacidade de planejar e implementar ações de curto e médio prazo, mobilizando os atores sociais, políticos e econômicos relevantes, frente a cada situação e desafio em particular.

Mais difícil do que tudo isso, entretanto, será o Brasil descobrir um novo caminho de afirmação da sua liderança e do seu poder internacional, dentro e fora de sua zona de influência imediata. Um caminho que não siga o mesmo roteiro das grandes potências do passado, e que não utilize a mesma arrogância e a mesma violência que utilizaram os europeus e os norte-americanos para conquistar, submeter e “civilizar” suas colônias e protetorados.

Em segundo lugar, como todo país que ascende dentro do sistema internacional, o Brasil terá que questionar, de forma cada vez mais incisiva, a ordem institucional estabelecida e os grandes acordos geopolíticos em que se sustenta. Mas o Brasil terá que fazê-lo sem o uso das armas, e através de sua capacidade de construir alianças com quem quer que seja desde que o Brasil mantenha seus objetivos e valores, e consiga expandir-se e conquistar novas posições dentro da hierarquia política e econômica internacional. Esse objetivo já não mais obedece a nenhum tipo de ideologia nacionalista, nem muito menos a qualquer tipo de cartilha militar; obedece a um imperativo “funcional” do próprio “sistema interestatal capitalista”: nesse sistema, “quem não sobe cai” [1]. Mas ao mesmo tempo, “quem sobe” tem que estar preparado, porque será atacado e desqualificado inevitavelmente e de forma cada vez mais intensa e coordenada, dentro e fora de suas próprias fronteiras, caso não se submeta à vontade estratégica dos antigos donos do poder global. Em qualquer momento da história, é possível acovardar-se e submeter-se, mas atenção, porque o preço dessa humilhação será cada vez maior e insuportável para a sociedade brasileira.

NOTA: [1] Elias, N. O Processo Civilizador, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, vol 2, p: 134.
(Fonte: aqui).


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Uma das muitas vertentes que compõem o painel de desafios do Brasil no mundo: o fortalecimento da relação com a China, hoje o nosso maior parceiro comercial, à frente dos EUA, que, por motivos óbvios, se sentem 'incomodados'. Vale notar que a parceria Brasil/China se estende para empreendimentos no setor primário da economia brasileira, bem como para o pré-sal. 
A disputa geopolítica EUA X China está longe de acabar, e na América Latina o Brasil tem um peso especial; é altamente estratégico. 
Ao Brasil compete ampliar relações comerciais com todos e especialmente com as duas potências citadas, mas cuidando de descartar propostas leoninas, como a Alca ("Acordo" de "Livre" Comércio das Américas) de triste memória - e que, felizmente, ficou só na tentativa.

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