segunda-feira, 19 de agosto de 2013

EÇA, MACHADINHO E MACHADÃO


Inveja de Eça de Queiroz teria motivado criação de 'Memórias póstumas de Brás Cubas'

Por Marco Rodrigo Almeida

Uma certa mulher de olhos oblíquos e dissimulados não é o único mistério da obra de Machado de Assis (1839-1908).

Muita página já foi gasta com a dúvida torturante: Capitu traiu ou não Bentinho, o ciumento narrador de "Dom Casmurro" (1899)?

Mas um outro dilema, ainda mais antigo e, aparentemente, tão insolúvel quanto, atormenta alguns professores e pesquisadores: o que explica o salto abissal de qualidade de Machado a partir de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", em 1880?

João Cezar de Castro Rocha, crítico e professor de literatura da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, dedicou-se a essa questão, com lupas de detetive, na última década. O resultado está no livro "Machado de Assis: Por Uma Poética da Emulação".

O professor argumenta que o pulo do gato que propiciou a passagem do "Machadinho" do início da carreira ao "Machadão", nome maior da literatura brasileira, teve origem na rivalidade com o português Eça de Queiroz (1845-1900).

Tudo teria começado em fevereiro de 1878, quando "O Primo Basílio", de Eça, foi publicado no Brasil. A relação adúltera de Luísa com o primo e as críticas demolidoras aos costumes da burguesia de Lisboa escandalizaram leitores dos dois continentes.

Machado, em dois artigos publicados em abril do mesmo ano, fez severas restrições à trama. Apontou falhas estruturais, condenou a inconsistência psicológica de Luísa e descreveu a relação entre os primos como "um incidente erótico, sem relevo, repugnante, vulgar".

"A análise de Machado foi considerada um dos pontos altos de seu exercício crítico, mas é esteticamente tradicional e moralmente conservadora", diz Castro Rocha.

Quando publicou os dois ensaios sobre Eça, Machado era autor de quatro romances ("Ressurreição", "A Mão e a Luva", "Helena" e "Iaiá Garcia"), "corretos, regulares e medíocres", na visão do professor. "São histórias de corte tradicional, em que todos os elementos são esclarecidos pelo narrador."

Mas o furacão Eça apareceu no meio do caminho do comedido escritor brasileiro. Para Castro Rocha, a consagração de um escritor mais moço e que também escrevia em português agudizou a insatisfação de Machado com seus próprios romances e o levou a uma reformulação radical.

Em dezembro de 1878, seriamente enfermo, o "bruxo do Cosme Velho" partiu para uma temporada em Nova Friburgo. Voltou de lá, três meses depois, com o primeiro esboço de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", furacão ainda mais avassalador que o de Eça.

A narrativa do "defunto autor", irônica, fragmentária, inventiva, foi um divisor de águas na literatura nacional e inaugurou a grande fase do autor nos contos e romances ("Quincas Borba", "Dom Casmurro").

A chave para essa reinvenção, defende Castro Rocha, está na "poética da emulação" do título de seu estudo. Machado abasteceu-se do cânone literário (em "Brás Cubas", o caldeirão inclui a Bíblia, Xavier de Maistre, Sterne, Shakespeare e muito mais) de forma despudorada, criando a partir disso uma obra inovadora.

Teria Machado, então, escrito sua primeira obra-prima com a pena da galhofa, a tinta da melancolia e os papiros da inveja? "Inveja no sentido de produzir algo tão bom quanto. Trata-se de uma rivalidade estética com Eça que o levou a se arriscar. A tese é controversa, e não tenho a pretensão de que seja a única explicação. Machado é complexo demais para ser resumido", diz. (Fonte: aqui).

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É interessante a especulação concebida pelo professor João Cezar, mas o Bruxo transcende esse nível de discussão. Machado, desde os primórdios, já era Machadão. Sugiro a leitura dos quatro comentários expostos na 'fonte' acima (blog Luis Nassif OnLine).
(Lembro agora: num dos primeiros contos de Machado, o personagem, no final, dá-se conta de que tudo - quase tudo o que o conto relatava - não passara de um sonho. Seria um sinal, mesmo longínquo, dos delírios enfileirados nas memórias de Cubas?...).

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