sexta-feira, 3 de agosto de 2012

A GAROTA DO (MEIO) SÉCULO

Canção simples, compassada, letra em formato de crônica (crônica embalada em bossa), tristeza e alegria coexistindo (tudo é triste, mas de repente o mundo inteirinho se enche de graça), espécie de intimismo expansivo (se é que isso existe), assim é "Garota de Ipanema", que ontem completou cinquenta anos. Cinquenta anos, e a beleza de sempre.  A seguir, a saga da Garota:

Há 50 anos estreava a "Garota de Ipanema" num restaurante do Rio

Au Bon Gourmet, Copacabana, 1962. Vinicius de Moraes, Tom Jobim, João Gilberto e Os Cariocas.

Por Augusto Valente

A lenda é bem conhecida: num dia de sol de 1962, um jovem compositor e um poeta conversam e tomam cerveja num bar próximo à praia, no bairro de Ipanema, na zona sul do Rio de Janeiro. Entre as beldades que passam pela calçada, uma moça de 17 anos, olhos verdes, cabeleira esvoaçante, chama em especial a atenção da dupla.

Lendas servem para fazer a história mais suculenta, dar-lhe impacto, tornar ainda mais excepcional o que já é notável. Por isso, basta Arquimedes entrar no banho e logo já sai gritando "Eureka!". Por isso se gosta de pensar que Beethoven escreveu toda sua Sinfonia Pastoral em meio à natureza, passeando pelos bosques de Viena – sem atentar para a necessidade de concentração, material para escrita, um piano.

Da mesma forma, reza o mito que Tom Jobim e Vinicius de Moraes compuseram a canção Garota de Ipanema ali mesmo, em pleno Bar Veloso, às vistas de sua jovem musa inspiradora.

O musicólogo brasileiro Ruy Castro – conhecido tanto por seu amor pela minúcia como por seu humor – rebate: a dupla de criadores já observara Heloísa Pinto (mais tarde, Helô Pinheiro) repetidas vezes, a caminho da escola, da costureira, até do dentista. E não era do estilo de Jobim e Moraes escrever música à mesa do bar – embora lá passassem as melhores horas de sua vida, admite o estudioso.

Arrancada com Getz/Gilberto
Seja como for, naquele ano nascia um dos maiores sucessos de todos os tempos, não só da bossa nova – estilo musical emergente no Brasil – como da música popular internacional. Consta que a revelação ao público se deu em 2 de agosto de 1962, no restaurante Bon Gourmet, no bairro vizinho de Copacabana. No mesmo ano, o cantor Pery Ribeiro lançava a primeira gravação.

Porém a triunfal campanha internacional da Garota de Ipanema só começou, de verdade, com sua inclusão no álbum Getz/Gilberto, de 1964, da gravadora de jazz Verve. O LP reunia três brasileiros – o cantor e genial violonista João Gilberto, sua esposa Astrud Gilberto, vocalista de afinação duvidosa, o piano minimalista de Tom Jobim – e um norte-americano – o saxofonista Stan Getz, devidamente iniciado nos mistérios rítmicos da bossa nova.

O álbum conquistou de pronto os Estados Unidos, abocanhando vários prêmios Grammy, o Oscar da música. A canção principal, naturalizada The girl from Ipanema, alcançou o quinto lugar na parada de sucessos dos EUA e o 29º na Inglaterra, além de colocações semelhantes em diversas partes do mundo.

Leveza inovadora
Desde meados da década de 50, no Rio de Janeiro, um grupo de jovens músicos e intelectuais, a maioria da classe média-alta local, vinha desenvolvendo a chamada "bossa nova". Costuma-se descrever esse gênero musical como um feliz encontro entre o samba e o cool jazz. Mas note-se que o próprio Antônio Carlos Jobim rejeitava essa definição – assim como o termo "jazz samba" –, preferindo atribuir à "bossa" uma origem cem por cento brasileira.

O texto de Garota de Ipanema é despretensioso, frívolo até, coisa que, no início de 1960, representava uma pequena revolução. Enquanto a canção popular brasileira das décadas anteriores se deleitava no sofrimento e no patético – "O meu primeiro amor morreu como a flor ainda em botão, deixando espinhos que dilaceram meu coração..." –, o poeta-diplomata Vinicius de Moraes falava de sol, mar, corpos dourados, rebolado.

Até mesmo na parte mais melancólica da canção, ele supera sem drama a indiferença da bela de Ipanema: "Ah, se ela soubesse que quando ela passa, o mundo inteirinho se enche de graça, e fica mais lindo por causa do amor". A versão norte-americana, de Norman Gimbel, manteve o tom singelo, "americanizando-o" com alusões ao samba e admiradores exclamando boquiabertos: "Aaaah...".

A melodia de Garota de Ipanema é relativamente simples, baseada na variação de uns poucos motivos, só se expandindo na romântica seção central. Grande parte do fascínio e novidade para os ouvintes de 1960 vinha mesmo do ritmo. Na gravação de Gilberto-Jobim, a melodia paira sobre o acompanhamento. Como era típico da bossa nova, em vez de seguir um esquema previsível, "quadrado", os acordes emprestados do jazz dançam "fora de hora" – "sincopados" é o termo musical –, como que suspensos no ar.

O peso da popularidade
Em versão instrumental ou em português, inglês, italiano, francês, a canção já foi gravada e regravada mais de 200 vezes, 40 delas apenas entre 1963 e 1965. Os intérpretes vão desde o próprio Tom Jobim e praticamente todos os cantores e instrumentistas populares brasileiros, a Ella Fitzgerald, Frank Sinatra, Sarah Vaughan, Nat King Cole, Louis Armstrong, Stevie Wonder, The Supremes, Nana Mouskouri, Caterina Valente, Cher, Amy Winehouse ou o flautista clássico James Galway.

E, como quase nada é sagrado, cabe lembrar a paródia gay de Stephen Sondheim, já em 1966, The boy from...; e a sátira do artista polivalente alemão Helge Schneider, Die Frau aus Castrop-Rauxel.
Somente a balada dos Beatles Yesterday pode gabar-se de ter mais versões.

Porém, na trajetória de hit internacional, a Garota de Ipanema perdeu muito de sua sutileza musical. Ao ponto de se tornar lugar comum nas trilhas sonoras de Hollywood, diluída e inócua, geralmente em segundo plano, degradada a muzak, música de shopping-mall.

O que aconteceu, nestes 50 anos? Será que ao dar o salto, da praia para a Billboard, o que era jovem e revolucionário se tornou conservador, eternamente middle aged, kitsch? O evergreen continua sendo repetido, sem piedade. Mas será que, depois de ser massacrada por Madonna, a banda metal Sepultura, Mike Tyson e tantos outros, The girl from Ipanema sobrevive, "linda, cheia de graça"?

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Acho que a Garota sobrevive, sim.
Fonte: aqui. Para ver/ouvir a Garota, AQUI.

2 comentários:

Laura Macedo disse...

A "Garota de Ipanema" é uma das canções eternas da nossa MPB. Grata pelo link.
Super beijo
Laurinha

Dodó Macedo disse...

Seu trabalho de pesquisa MPB é o máximo, querida.
Beijos.