sexta-feira, 6 de julho de 2012

PALAVRAS SINGULARES


Apessoados

Por Luís Fernando Veríssimo

Nossa língua tem mistérios nunca devidamente estudados — ou então já fartamente esclarecidos sem que nós, os comuns, ficássemos sabendo. Por exemplo: nunca entendi o que quer dizer “bem-apessoado”. Se existe “bem-apessoado” deve existir “mal-apessoado” — significando exatamente o quê?
 
Eu sei, eu sei, diz-se que alguém é “bem-apessoado” quando tem uma boa aparência. O “bem-apessoado” é agradável aos olhos, sua companhia é sempre bem-vinda e seu visual melhora qualquer ambiente.
 
Já o “mal-apessoado” deve ser alguém que não se completou como pessoa, que falhou na sua representação humana. Pode até ter um belo interior, mas não o exterioriza.
 
Desconfio que a expressão “bem-apessoado” surgiu como eufemismo. Quando não se podia dizer que alguém era bonito, dizia-se que era bem-apessoado. Como chamar uma mulher de vistosa quando não se pode chamá-la de linda. “Vistosa” é um adjetivo suficientemente vago — descreve montanhas tanto quanto mulheres — para não melindrar ninguém.
 
Curiosamente, não se usa, que eu saiba, “bem-apessoada”. O termo só se aplica a homens. O que leva a outra conclusão: “bem- apessoado” seria uma maneira de um homem falar da beleza de outro homem sem, epa, mal-entendidos.
 
— Bem, você não acha o George Clooney maravilhoso?
 
— Bem-apessoado, bem-apessoado.
 
Outrossim, outro termo intrigante que raramente tive a oportunidade de usar é “outrossim”.
Descobri que a palavra quer dizer exatamente o que parece, outro “sim”, ou um “sim” adicional, mas que nunca é usada neste sentido.
 
“Outrossim” é como ponto e vírgula: poucos sabem como e onde empregá-lo corretamente. Nas poucas vezes em que usei “outrossim” — e ponto e vírgula também — foi com uma certa trepidação, como quem invade a propriedade de alguém sem saber se vai ser corrido pelos cachorros, no caso os guardiões do vernáculo.
 
Há quem sugira que só se possa usar o ponto e vírgula com autorização expressa da Academia Brasileira de Letras.
 
Outra palavra estranha é “amiúde”. Ninguém mais a usa, pelo menos não amiúde. Mas ela pode voltar, graças à música “Geni” que o Chico Buarque resgatou do seu musical “A ópera do malandro” e é um dos pontos altos do seu show atual. A Geni vai com todo o mundo...
“E também vai amiúde
com os velhinhos sem saúde.”

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