quinta-feira, 22 de março de 2012
EUA: DIRTY HARRY REDIVIVO
Lei que permite assassinatos causa revolta nos EUA
João Ozorio de Melo, no Consultor Jurídico
Uma campanha no Facebook convoc(ou) os americanos para a "marcha de um milhão de encapuzados" ("Million Hoodies March"), que pretende ocupar praças e ruas de Nova York, (ontem) quarta-feira (21/3). A marcha (foi) uma homenagem a Trayvon Martin, de 17 anos, um estudante negro que foi morto por um patrulheiro voluntário de um condomínio, por parecer um "suspeito". O estudante caminhava à noite pela calçada, "observando as casas", com a cabeça coberta pelo capuz de seu agasalho de moletom. George Zimmerman, de 28 anos e branco, matou Trayvon, que estava desarmado, mas não foi preso. Ele está protegido por uma lei estadual da Flórida.
O Departamento de Justiça e o FBI anunciaram, na terça-feira (21/3), que estudam uma maneira de interferir no caso, que se iniciou na noite de 26 de fevereiro. Zimmerman, que patrulhava as ruas de um condomínio de Sanford, Flórida, telefonou para a Polícia para denunciar a presença de um "suspeito" na área. Ele descreveu o "encapuzado" e comentou (conforme gravação liberada pela Polícia): "Esses filhos da puta sempre se safam". Ele ignorou a ordem do operador policial de não segui-lo, porque uma viatura policial já estava a caminho. Confrontou o garoto e lhe deu um tiro no peito. A Polícia sequer tentou prender Zimmerman. Declarou à imprensa que, se o prendesse, poderia ser processada, por infringir a lei estadual Stand Your Ground Law (Lei não ceda terreno).
Essa lei estadual, aprovada em 2005 pelo então governador Jeb Bush (irmão do ex-presidente George Bush) e subsequentemente copiada por mais 15 estados americanos, mudou o conceito de legítima defesa, seguindo os preceitos de uma outra lei, conhecida como Castle Doctrine (Doutrina do Castelo), e Defense of Habitation Law (Lei da Defesa da Habitação). A doutrina da legítima defesa previa que a pessoa tinha a obrigação de recuar antes de usar "força fatal", e só usá-la como último recurso. A Castle Doctrine estabeleceu que o cidadão, quando é ameaçado dentro de sua casa, não tem de recuar coisa alguma. Pode matar, com garantia da imunidade prevista no princípio da legítima defesa. A doutrina, com raízes na Common Law, prescreve que a casa é "o castelo do cidadão".
A Stand Your Ground Law absorveu esse conceito e o estendeu para virtualmente qualquer lugar no estado — a rua, a quadra de basquete, o bar, o restaurante, a calçada pela qual o estudante Trayvon caminhava com um lanche e um refrigerante, que comprara na loja, enquanto falava com a namorada pelo celular e usava o capuz da jaqueta sobre a cabeça, porque estava chovendo. Nos termos da lei, basta que a pessoa se sinta ameaçada ou que entenda que sua vida está em perigo para ter o direito de matar. Na conversa com a namorada, pelo celular, o estudante lhe contou que estava sendo seguido. Ela pediu para ele correr. Ele respondeu que só ia andar mais rápido. Zimmerman foi a seu encalço.
Sua última informação ao operador da Polícia foi a de que o "suspeito" tinha alguma coisa na mão. Mais tarde, ao lado do corpo, a polícia encontrou o celular, o lanche e o refrigerante.
Depois de aprovada, a lei ganhou rapidamente um apelido: Make my Day Law (em tradução livre, "Lei Me Ajude a Ganhar Meu Dia"). O apelido foi emprestado do roteiro do filme Sudden Impact, em que o violento investigador policial Harry Callahan, representado pelo ator Clint Eastwood, diz a um suspeito que o ameaça em uma lanchonete: "Vá em frente, me ajude a ganhar meu dia". Ele sabia que se o suspeito tentasse agredi-lo, ele podia atirar nele e matá-lo (o que aconteceu), sem ter de se defender mais tarde. Bastava alegar legítima defesa. Pela lei da Flórida, basta que o autor do crime forneça à polícia uma argumentação plausível para sustentar a legítima defesa. A acusação não pode, obviamente, contestar com a versão da vítima.
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A Stand Your Ground Law foi aprovada em 2005 pelo então governador da Flórida Jeb Bush, irmão do ex-presidente George Bush, paladinos do Velho Oeste do século vinte-e-um, sob o caloroso aplauso de Bush pai. Mas, como as coisas mudam, Clint Eastwood, há um bom tempo também diretor, com certeza recusaria dirigir a película ou nela atuar como ator coadjuvante.
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