(I) O mandatário foi chegando e logo avisando: Nada manjo de Economia, isso é assunto para o Guedes!(*) Foi então que os próceres do Deus Mercado determinaram à mídia e formadores de opinião: Batam em quem quiserem, mas preservem o Guedes, pois é quem nos garante, you understand?!
................
(* = Guedes só não poderia mexer mesmo com o BB e a CEF, e com a 'espinha dorsal' da Petrobrás)
As elites de nosso País insistem em se manter desatualizadas daquilo que se pratica como políticas públicas no resto do mundo desenvolvido. Não se cansam de tecer loas a modelos de sociedade como a norte-americana e dizem preferir uma viagem a Miami do que às praias do nordeste brasileiro. É bem verdade que tais planos têm sido objeto de adiamento sistemático, em razão da política criminosa levada cabo pelo presidente que ajudaram a eleger no trato da pandemia. Passaporte brasileiro não assegura mais grande coisa quando se trata de adentrar Estados Unidos ou Europa. E isso para não falar do dólar, agora flertando perigosamente com o patamar de R$ 6,00.
No entanto, o grande paradoxo se revela quando o debate resvala para o tema de política econômica. O discurso neoliberal fincou raízes fortes desde a época do Plano Collor em 1990. A narrativa de que o Brasil não poderia permanecer como uma ilha isolada do resto do mundo veio fortalecer as medidas liberalizantes de toda ordem. Para esse pessoal, era preciso copiar os modelos de privatização levados à frente por Ronald Reagan, Margaret Thatcher, François Mitterand e Felipe Gonzalez. Era preciso abrir nossa economia às importações de todo o tipo, não sendo relevante avaliar os impactos que tal estratégia traria em termos da desindustrialização que poderia trazer junto a passos largos. Dito e feito!
No entanto, o curioso é que em um departamento em especial, nosso País seguiu sendo a autarquia que o ideário liberaloide tanto condenava. Refiro à defesa dos interesses do financismo tupiniquim. Apesar de todo o processo de globalização verificado ao longo das últimas décadas, o peso dos grupos nacionais no sistema financeiro seguiu relevante. E junto com a defesa arraigada do cardápio do Consenso de Washington, as elites do setor lograram criar um espaço impermeável nos meios de comunicação e nas próprias instituições universitárias. Esse processo de autarquização um tanto peculiar, ainda mais em tempos de aprofundamento da internacionalização generalizada, permitiu que as ideias econômicas em mudança nos espaços do centro do capitalismo não alcançassem nossas fronteiras.
Debate interditado.
Assim, as páginas dos grandes jornais e as telas dos meios de comunicação oligopolizados não se abriam ao debate a respeito daquilo que vinha sendo implementado nos Estados Unidos e na União Europeia, a partir da crise econômico-financeira de 2008/9. Ao contrário do movimento de auto crítica das décadas de austeridade que se via avançar no interior de instituições multilaterais, como Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), as elites por aqui repisavam a lengalenga do cardápio neoliberal em estado de putrefação. Mantinham uma postura de subserviência a um projeto que se transformava a olhos vistos nos próprios países que as mesmas idolatravam. Na verdade, elas congelaram no tempo um receituário conservador que muito lhes convinha e impediram que as atualizações em movimento lá fora encontrassem eco aqui dentro.
Mas o que mais impressiona é que nem mesmo as mudanças impulsionadas pelo advento da pandemia global foram recepcionadas pelas elites tupiniquins toscas. Elas continuam rezando o terço de um liberalismo três décadas atrasado e não deve ter sido surpresa que contribuíram de forma decisiva para que uma figura como Jair Bolsonaro fosse eleito Presidente da República em 2018.
O mundo todo parece ter percebido que os tempos atuais passam a exigir com força a recuperação do protagonismo do Estado para avançar na solução da crise econômica e sanitária. As ideias equivocadas a respeito de propostas de uma austeridade burra e sem propósitos vão aos poucos deixando espaço para a necessidade de recuperar políticas anticíclicas na economia. E isso significa recusar ou ao menos flexibilizar as limitações quase ideológicas aos mecanismos de despesas públicas. Em tempos de recessão, ao contrário do que parece sugerir o senso comum e do que martelam os editoriais de economia dos jornalões, cabe ao setor estatal aumentar seus gastos, ainda que isso signifique elevação temporária de déficit nas contas públicas ou aumento das dívidas dos Estados.
Importação de ideias, ma non tropo.
Mas por aqui seguem valendo as ideias de um ultraliberalismo fora de moda. E esses equívocos se avolumam praticamente todos os dias, reproduzindo análises negacionistas e soluções desastrosas. Esse é o caso da interdição do debate a respeito da necessidade mais do que evidente de revogar a Emenda Constitucional 95, que estabeleceu o congelamento das despesas orçamentárias, por meio do teto de gastos por 20 anos. Assim, pretende-se eternizar o desmonte das políticas públicas em áreas essenciais, como previdência social, educação, assistência social e saúde, entre outras. Ora, no debate atual de recursos para vacinas, SUS e auxílio emergencial, nada mais ultrapassado do que ficar agarrado a esses preceitos abandonados nos países do centro do capitalismo mundial.
A política de preços da Petrobrás é outro departamento em que essa visão ideologizada embaça o debate necessário. Ao misturarem a sanha privatizante com o ódio visceral a toda e qualquer tentativa de intervenção do Estado na economia, os representantes das elites aplaudiram com toda a pompa a mudança levada a cabo pela duplinha dinâmica Temer & Meirelles, logo depois do golpeachment perpetrado sobre a Presidenta Dilma Rousseff. Se empolgaram com o fim da intervenção nos preços administrados do petróleo e seus derivados. Acharam o “dernier cri” da modernidade estabelecer um vínculo direto entre a evolução dos preços internos e a flutuação do preço do barril do petróleo no mercado internacional. Uma loucura! Tratar um bem essencial e estratégico como se fosse o tomate no final da feira.
E agora elas batem no governo quando Bolsonaro resolve intervir na direção da estatal e ameaça mudar sua política de preços. Ou então esbravejam quando as negociações no Congresso Nacional apontam para possibilidade de se aprovar a retomada do auxílio emergencial sem as contrapartidas austericidas sempre exigidas pelo superministro Paulo Guedes. Ou ainda quando aplaudem a aprovação da independência do Banco Central e a possibilidade de introduzir, de uma vez por todas, com a força da lei, a real dependência de fato do mesmo em relação dos interesses do financismo.
Enfim, não há nesse 'cozidão' liberal requentado projeto nacional algum e muito menos a preocupação com o futuro das novas gerações e do próprio Brasil. Pensam apenas no seu lucro do aqui e agora. E para tanto sacodem aos quatro ventos essas surradas ideias fora de época e de lugar. - (Fonte: Boletim Carta Maior - Aqui).
No entanto, o grande paradoxo se revela quando o debate resvala para o tema de política econômica. O discurso neoliberal fincou raízes fortes desde a época do Plano Collor em 1990. A narrativa de que o Brasil não poderia permanecer como uma ilha isolada do resto do mundo veio fortalecer as medidas liberalizantes de toda ordem. Para esse pessoal, era preciso copiar os modelos de privatização levados à frente por Ronald Reagan, Margaret Thatcher, François Mitterand e Felipe Gonzalez. Era preciso abrir nossa economia às importações de todo o tipo, não sendo relevante avaliar os impactos que tal estratégia traria em termos da desindustrialização que poderia trazer junto a passos largos. Dito e feito!
No entanto, o curioso é que em um departamento em especial, nosso País seguiu sendo a autarquia que o ideário liberaloide tanto condenava. Refiro à defesa dos interesses do financismo tupiniquim. Apesar de todo o processo de globalização verificado ao longo das últimas décadas, o peso dos grupos nacionais no sistema financeiro seguiu relevante. E junto com a defesa arraigada do cardápio do Consenso de Washington, as elites do setor lograram criar um espaço impermeável nos meios de comunicação e nas próprias instituições universitárias. Esse processo de autarquização um tanto peculiar, ainda mais em tempos de aprofundamento da internacionalização generalizada, permitiu que as ideias econômicas em mudança nos espaços do centro do capitalismo não alcançassem nossas fronteiras.
Debate interditado.
Assim, as páginas dos grandes jornais e as telas dos meios de comunicação oligopolizados não se abriam ao debate a respeito daquilo que vinha sendo implementado nos Estados Unidos e na União Europeia, a partir da crise econômico-financeira de 2008/9. Ao contrário do movimento de auto crítica das décadas de austeridade que se via avançar no interior de instituições multilaterais, como Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), as elites por aqui repisavam a lengalenga do cardápio neoliberal em estado de putrefação. Mantinham uma postura de subserviência a um projeto que se transformava a olhos vistos nos próprios países que as mesmas idolatravam. Na verdade, elas congelaram no tempo um receituário conservador que muito lhes convinha e impediram que as atualizações em movimento lá fora encontrassem eco aqui dentro.
Mas o que mais impressiona é que nem mesmo as mudanças impulsionadas pelo advento da pandemia global foram recepcionadas pelas elites tupiniquins toscas. Elas continuam rezando o terço de um liberalismo três décadas atrasado e não deve ter sido surpresa que contribuíram de forma decisiva para que uma figura como Jair Bolsonaro fosse eleito Presidente da República em 2018.
O mundo todo parece ter percebido que os tempos atuais passam a exigir com força a recuperação do protagonismo do Estado para avançar na solução da crise econômica e sanitária. As ideias equivocadas a respeito de propostas de uma austeridade burra e sem propósitos vão aos poucos deixando espaço para a necessidade de recuperar políticas anticíclicas na economia. E isso significa recusar ou ao menos flexibilizar as limitações quase ideológicas aos mecanismos de despesas públicas. Em tempos de recessão, ao contrário do que parece sugerir o senso comum e do que martelam os editoriais de economia dos jornalões, cabe ao setor estatal aumentar seus gastos, ainda que isso signifique elevação temporária de déficit nas contas públicas ou aumento das dívidas dos Estados.
Importação de ideias, ma non tropo.
Mas por aqui seguem valendo as ideias de um ultraliberalismo fora de moda. E esses equívocos se avolumam praticamente todos os dias, reproduzindo análises negacionistas e soluções desastrosas. Esse é o caso da interdição do debate a respeito da necessidade mais do que evidente de revogar a Emenda Constitucional 95, que estabeleceu o congelamento das despesas orçamentárias, por meio do teto de gastos por 20 anos. Assim, pretende-se eternizar o desmonte das políticas públicas em áreas essenciais, como previdência social, educação, assistência social e saúde, entre outras. Ora, no debate atual de recursos para vacinas, SUS e auxílio emergencial, nada mais ultrapassado do que ficar agarrado a esses preceitos abandonados nos países do centro do capitalismo mundial.
A política de preços da Petrobrás é outro departamento em que essa visão ideologizada embaça o debate necessário. Ao misturarem a sanha privatizante com o ódio visceral a toda e qualquer tentativa de intervenção do Estado na economia, os representantes das elites aplaudiram com toda a pompa a mudança levada a cabo pela duplinha dinâmica Temer & Meirelles, logo depois do golpeachment perpetrado sobre a Presidenta Dilma Rousseff. Se empolgaram com o fim da intervenção nos preços administrados do petróleo e seus derivados. Acharam o “dernier cri” da modernidade estabelecer um vínculo direto entre a evolução dos preços internos e a flutuação do preço do barril do petróleo no mercado internacional. Uma loucura! Tratar um bem essencial e estratégico como se fosse o tomate no final da feira.
E agora elas batem no governo quando Bolsonaro resolve intervir na direção da estatal e ameaça mudar sua política de preços. Ou então esbravejam quando as negociações no Congresso Nacional apontam para possibilidade de se aprovar a retomada do auxílio emergencial sem as contrapartidas austericidas sempre exigidas pelo superministro Paulo Guedes. Ou ainda quando aplaudem a aprovação da independência do Banco Central e a possibilidade de introduzir, de uma vez por todas, com a força da lei, a real dependência de fato do mesmo em relação dos interesses do financismo.
Enfim, não há nesse 'cozidão' liberal requentado projeto nacional algum e muito menos a preocupação com o futuro das novas gerações e do próprio Brasil. Pensam apenas no seu lucro do aqui e agora. E para tanto sacodem aos quatro ventos essas surradas ideias fora de época e de lugar. - (Fonte: Boletim Carta Maior - Aqui).
(Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal).
................
"O mundo todo parece ter percebido que os tempos atuais passam a exigir com força a recuperação do protagonismo do Estado para avançar na solução da crise econômica e sanitária. As ideias equivocadas a respeito de propostas de uma austeridade burra e sem propósitos vão aos poucos deixando espaço para a necessidade de recuperar políticas anticíclicas na economia. E isso significa recusar ou ao menos flexibilizar as limitações quase ideológicas aos mecanismos de despesas públicas. Em tempos de recessão, ao contrário do que parece sugerir o senso comum e do que martelam os editoriais de economia dos jornalões, cabe ao setor estatal aumentar seus gastos, ainda que isso signifique elevação temporária de déficit nas contas públicas ou aumento das dívidas dos Estados."
(II) No auge da crise econômico-financeira de 2008/9, foi o Estado que entrou em cena para salvar o sistema bancário-financeiro da bancarrota: bilhões e bilhões de dólares irrigaram os cofres dos aflitos representantes do Deus Mercado. Presentemente, em meio ao sufoco da pandemia, Biden injeta US$ 1,9 trilhão na economia doméstica norte-americana. E os iluminados insistem em 'fazer pouco' da importância de um Estado forte!
Nenhum comentário:
Postar um comentário