sexta-feira, 6 de novembro de 2020

OS EUA ESTÃO BEM?

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NOTAS
.A entrevista abaixo, concedida ao jornal The Guardian, foi publicada no Brasil pelo site Carta Maior, e é datada de 01.11, antes, pois, das eleições presidenciais americanas.
.06.11, às 18h - Apuração dos votos: Biden favorito - mas Trump, matematicamente, está no páreo. 
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'Acho que o candidato democrata vai ganhar a Casa Branca na terça-feira (3). Veja como e por quê - e o que o presidente fará'
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(The Guardian) - Você está na política ou perto dela há mais de 50 anos. O que você acha da eleição de terça-feira?

(Robert Reich) - Nunca estive com mais medo pelo meu país do que agora. Outros quatro anos de Donald Trump seriam devastadores. Mesmo assim, suspeito que Biden vai ganhar.

Mas em 2016, as pesquisas…

As pesquisas estão melhores agora, e a liderança de Biden é maior do que a de Hillary Clinton.

E o colégio eleitoral?

Biden também está liderando nos chamados estados "indefinidos" ["swing states" são aqueles onde tanto pode ganhar um democrata quanto um republicano] que deram a Trump uma vitória no colégio eleitoral em 2016.

Trump contestará a eleição?

Não há dúvida. Ele acusará que houve cédulas fraudulentas pelo correio em qualquer estado indefinido em que Biden vença e que o governador é republicano - estados como Flórida, Geórgia, Ohio e Arizona. Ele pedirá a esses governadores que não certifiquem os eleitores de Biden até que as cédulas fraudulentas sejam eliminadas.

Qual é o objetivo dele?

Negar a Biden a maioria dos eleitores e jogar a decisão para as câmaras estaduais, onde os republicanos provavelmente terão a maioria.

Isso vai funcionar?

Não, porque tecnicamente Biden só precisa de uma maioria de eleitores já nomeados. Mesmo que os disputados sejam excluídos, espero que ele ainda obtenha a maioria.

E os votos atrasados?

Trump exigiu que todas as cédulas sejam contadas até a meia-noite do dia das eleições. Não cabe a ele. Depende de cada legislatura estadual e tribunais estaduais. A maioria contará as cédulas, desde que sejam postadas até o dia da eleição.

Essas questões acabarão na suprema corte?

É possível que algumas questões acabem lá, mas os juízes sabem que precisam parecer imparciais. Na semana passada, eles recusaram um pedido de extensão do prazo para recebimento de cédulas pelo correio em Wisconsin, mas permitiram que as extensões continuassem em vigor na Pensilvânia e na Carolina do Norte.

Mas a suprema corte decidiu a eleição de 2000 para George W Bush.

A última coisa que John Roberts, o presidente do tribunal, deseja é outro Bush x Gore. Com seis nomeados republicanos agora na corte, ele sabe que sua legitimidade está em jogo.

Trump convocou 50.000 partidários para monitorar as pesquisas enquanto as pessoas votam, chamando esses recrutas de o “exército de Trump”. Você espera violência ou intimidação?

Não o suficiente para afetar o resultado.

Suponha que você esteja certo e que Biden vença. Trump vai aceitar o resultado?

Eu duvido disso. Ele não pode perder. Ele continuará a alegar que a eleição foi roubada dele.

Os democratas retomarão o Senado?

A disputa está muito apertada para dizer.

Se não ganhar o Senado, Biden conseguirá fazer alguma coisa?

Biden foi senador por 36 anos e já trabalhou com muitos dos atuais republicanos. Ele acredita que pode persuadi-los a trabalhar com ele.

Ele está certo?

Temo que ele seja otimista demais. O partido Republicano não é o que costumava ser. Agora responde a uma base ‘trumpiana’ muito mais conservadora.

Se os republicanos mantiverem o Senado, o que podemos esperar de um governo Biden?

Reversões de ordens executivas e regulamentos de Trump - que irão restaurar as proteções ambientais e trabalhistas e fortalecer a Affordable Care Act [sistema de saúde subsidiado para pessoas carentes e idosos]. Biden também preencherá o Executivo com gente competente, que fará a diferença. E ele vai acabar com a política externa isolacionista e autônoma de Trump.

E se os democratas retomarem o Senado?

Isso vai ajudar, mas mantenha suas expectativas baixas. Tanto Bill Clinton quanto Barack Obama tiveram congressos democratas em seus primeiros dois anos, mas gastaram todo seu capital político limpando a bagunça econômica que seus predecessores republicanos deixaram para trás. Biden vai herdar uma bagunça econômica ainda maior e uma pandemia. Com sorte, ele promulgará um grande pacote de estímulo, reverterá os cortes de impostos republicanos de Trump para os ricos e distribuirá e administrará uma vacina para a Covid. Tudo importante, mas nada surpreendente.

Se Biden vencer, ele será o homem mais velho a ser presidente. Isso será um problema para ele governar?

Não vejo razão para ser um problema. Ele é saudável. Mas duvido que ele vá buscar um segundo mandato, o que afetará a forma como ele governa.

O que você quer dizer com isso?

Ele será um presidente de transição, em vez de transformacional. Ele não mudará a estrutura de poder subjacente na sociedade. Ele não vai liderar um movimento. Ele diz que será uma “ponte” para a próxima geração de líderes, o que eu acho que ele quer dizer que tentará estabilizar o país, talvez curar algumas das feridas da nação, para que possa entregar as chaves para os visionários e construtores de movimento do futuro.

Será que Trump vai desaparecer no pôr do sol?

Dificilmente. Ele e a Fox News continuarão a ser as forças mais poderosas do lado republicano, pelo menos pelos próximos quatro anos.

E o que acontece se toda a sua premissa estiver errada e Donald Trump ganhar um segundo mandato?

Os EUA e o resto do mundo estão seriamente ameaçados. Prefiro não pensar nisso.  -  (Carta Maior - Aqui).

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(Robert Reich, ex-secretário do Trabalho dos Estados Unidos, é professor de políticas públicas na Universidade da Califórnia em Berkeley e autor de Saving Capitalism: For the Many, Not the Few and The Common Good. Seu novo livro, The System: Who Rigged It, How We Fix It, acabou de sair. Ele é colunista do Guardian EUA).

*Publicado originalmente em 'The Guardian' | Tradução de César Locatelli

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