sexta-feira, 6 de setembro de 2019

UM GIRO EM TORNO DO MITO DA DÍVIDA PÚBLICA


O mito da dívida pública no limite

Por André Araújo

A base doutrinária do neoliberalismo da Escola do Rio, para travar o orçamento da União e manter estática a recessão iniciada em 2014, é o propalado aumento dito “insuportável” da dívida pública da União. A alegação cai em ouvidos de uma população que, em 99% dos casos, desconhece os rudimentos do tema, o que torna fácil a propagação dessa lenda do “LIMITE DA DÍVIDA PÚBLICA”, estamos à beira da insolvência.
O Brasil nunca quebrou por dívida pública muito mais perigosa, a DÍVIDA PÚBLICA EM MOEDA ESTRANGEIRA, que existia antes de 1994, enquanto a dívida publica interna era de valor modesto. Foi o Plano Real quem criou a dívida pública doméstica em títulos, com a troca de 43 moedas pobres, como Sunaman, Siderbrás, Cibrazem, etc. por Notas do Tesouro Nacional-NTN, que equivaliam a dinheiro líquido. A dívida pública interna em títulos foi criação dos neoliberais do Plano Real e tornou-se agora sua arma para desmontar o Estado como agente econômico.
Entre 1946 e 1983 o Brasil DEIXOU DE PAGAR DÍVIDA EXTERNA por três vezes e nem por isso o Brasil deixou de crescer às maiores taxas do mundo.
Já na dívida interna é tecnicamente impossível a insolvência porque o devedor pode emitir sua própria moeda e liquidar a dívida.
O LIMITE É CIRCUNSTANCIAL, DEPENDE DO PIB E DOS JUROS
Porque 73,7 % ou 75,3% do PIB é o limite da dívida pública brasileira? Ninguém explica porque não existe uma racionalidade nesse limite.
Dívida pública em MOEDA SOBERANA teoricamente não tem limite, pode ser resgatada com emissão de moeda pelo Estado. não importa o volume.
As duas variáveis básicas são a taxa de crescimento do PIB e a taxa de juros que o Estado paga para os portadores de títulos.
O TOMADOR DA DÍVIDA PÚBLICA
Dívida pública em títulos de um Estado soberano é quase-moeda, é moeda com juros. Aliás, grandes países nem estão pagando mais juros, ao contrário, estão cobrando para guardar o dinheiro dos detentores de liquidez, que basicamente é o SISTEMA FINANCEIRO. Os juros são ESTIPULADOS pelo emissor e não pelo mercado, é assim em Washington, Frankfurt, Tokyo e Brasília, os bancos são OBRIGADOS, na prática, a comprar os títulos como reserva.
A taxa de juros básica que o Estado brasileiro paga pela dívida pública não é para atrair investidores, é para segurar a taxa de inflação.
Os investidores podem se contentar com taxas menores na ausência de outro lugar para entesourar sua liquidez, não há alternativa no Brasil atual.
O primeiro grande comprador de títulos federais geralmente é o BANCO CENTRAL. Nos EUA o Federal Reserve System detém UM TERÇO da dívida pública federal em sua carteira, geralmente os bancos centrais empoçam esses títulos como contrapartida de depósitos compulsórios ou voluntários do sistema financeiro, aí incluindo bancos, fundos de investimento, seguradoras e tesourarias de grandes empresas, bem como o saldo credor da própria União. Em última escala, são os Bancos Centrais que estipulam o limite da dívida pública e são eles que fazem o “mercado” desses títulos, comprando e vendendo todo dia como ajuste de liquidez do sistema. Nos EUA, para um orçamento federal de US$ 4,7 trilhões, existe uma dívida em títulos de US$ 23 trilhões, mais de quatro vezes o orçamento. Nessa proporção, no Brasil, nossa dívida pública seria de R$ 14 trilhões, no entanto é hoje metade disso. Há muito espaço para a dívida crescer, desde que se pague juro menor ou até negativo.
Portanto é uma lenda que o título público de um Estado em sua própria moeda compete com outros papeis no mercado, ele tem características de liquidez que nenhum outro papel tem e pode existir inclusive sem pagar juros, como hoje existe no Japão e na União Europeia. Hoje no mundo circulam US$16 trilhões em títulos públicos sem juros ou com juro negativo e o mundo não acabou por causa disso.
Nessa linha, o limite apregoado pelos neoliberais e repercutido pela mídia por ignorância ou má-fé, ou uma combinação das duas coisas, é IRREAL.
Não há esse limite. A dívida pública da União pode ainda crescer muito, o limite é dado pela voluntariedade do Banco Central. Na minha análise há espaço para crescer, desde já, mais R$50 bilhões por mês por leilões de menor taxa (compra quem aceita a menor taxa) e com o Banco Central como comprador de última instância. O ideal seria um título novo, Notas de Investimento Público, cujos valores se destinem exclusivamente para a conta INVESTIMENTOS DA UNIÃO, o que fara o PIB crescer de 3 a 5% a ano, mantendo equilibrada a proporção dívida PIB em cinco anos.
SEM INVESTIMENTO PÚBLICO O PIB NÃO CRESCE
O investimento público no Orçamento da União para 2020 será de R$19 bilhões, para um orçamento de R$3,6 trilhões, o menor índice de investimento público desde 1946.  Esse nível, praticamente simbólico, compromete o futuro do País e é incompreensível quando há espaço para um programa de investimento público com aumento controlado da dívida pública, que se auto financia porque o investimento público leva ao aumento do PIB e este compensa a dívida nova emitida. É mais lógico aumentar o PIB do que paralisar o governo por falta de arrecadação e esta cai porque o PIB não cresce, MAS a expansão da dívida pública para financiar investimento público PRECEDE o crescimento do PIB, sem aquele o PIB não tem como crescer.
A atual política de cortes retroalimenta a recessão. Quanto mais se corta, mais cai o PIB e, em consequência, a arrecadação, em um círculo vicioso que é preciso quebrar com o investimento público financiado por mais dívida pública girada pelo Banco Central. Espaço há, desde que se queira.
O DEBATE QUE NÃO HÁ
É impressionante o coro de uma só voz sobre a austeridade suicida que vem desde a gestão Levy no governo Dilma até hoje, a partitura não muda.
Cortar mais e mais, em plena recessão, aprofunda a recessão, aumenta o desemprego, leva à paralisia dos governos nos três níveis; é preciso um pouco mais de inteligência e criatividade. Esse tipo de receita nunca deu certo e não dará no Brasil; contar com o milagre do mercado salvador é fantasia pura: o mercado não salvou países em crise em momento algum da História Econômica, quem salvou em 1933 e em 2008 foi o Estado.  -  (Fonte: Aqui).

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Foi em sintonia com o entendimento acima que fizemos o seguinte comentário - eivado de ironia - a propósito do igualmente pertinente post "A destruição do Brasil" - Aqui -, de autoria do economista Paulo Kliass, publicado anteontem, 4, neste Blog:

"Aparentemente, a imediata revogação da EC 95 seria a medida óbvia. Mas é pouco provável que se venha a concretizar: os credores (internos/externos) iriam 'receber' muito mal tamanha 'afronta'. Quem lhes garantiria céu de brigadeiro no que respeita ao serviço da dívida, que, como observado, alcançou R$ 357 bilhões somente no que tange aos juros, no ano passado? Nada disso, sem essa! É fato que o apoio ao social pode dar ensejo ao aumento dos níveis de consumo por parte dos mais pobres, o que contribui, a médio prazo, para alavancar a arrecadação e a própria economia, formando o chamado círculo virtuoso. Mas, não, melhor matar dois coelhos com uma cajadada: sucatear o que se impuser e entregar o patrimônio nacional na bacia das almas, sob a alegação de que é preciso angariar verbas para setores básicos, de crucial interesse para o povo, sacou?"

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