Anastasia "pedalou" juristas para que pareçam ter dito o contrário do que disseram
Por Fernando Brito
Se alguém ainda nutria alguma esperança pela dignidade do Senado brasileiro, a aprovação do Relatório Anastasia deixa claro que não há mais o que esperar.
Talvez o problema fosse só ‘descuido’ ou ‘desatenção’ dos nobres senadores.
Porém, não fosse a explícita intenção de ‘adaptar’ qualquer coisa que caiba na lacuna CRIME, até se poderia acreditar em incompetência. A manobra, no entanto, ficou vergonhosamente escrachada.
O objetivo é um só: tirar a presidenta a qualquer custo.
Alexandre Melo Franco Bahia, um dos autores citados por Anastasia, acha curiosa a criativa interpretação dada pelo relator. Em sua página no facebook, Alexandre externa sua perplexidade.
Ter sua doutrina (in: “Comentários à Constituição do Brasil”) citada no Relatório do Senador (e Prof.) Anastasia é um sentimento duplo:
– Legal, por ver o reconhecimento do seu trabalho;
– Curioso, por outro lado, por ver ser “pinçado” um trecho e omitido o trecho seguinte, de forma a dar a entender justamente o contrário do que os Profs. Lenio Luiz Streck, Marcelo Cattoni e eu dissemos no texto…
Ao leitor que não se contenta com pouco, veja o que diz a “Breve Nota Crítica ao Relatório Anastasia: contra a admissibilidade do processo de impeachment por crime de responsabilidade da Presidente da República – Por Lenio Luiz Streck, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes Bahia”
Para os autores,
A citação feita no Relatório Anastasia do texto dos comentários ao art. 85 da Constituição da República que escrevemos não considera de modo adequado a integridade do texto, nem do trecho referido.
Outro autor citado por Anastasia, o juiz Alexandre Morais da Rosa, diz que o senador confunde, em seu relatório, “julgamento administrativo com penal, convenientemente abraçando-se com a tese da analogia, da interpretação ampliada, da simples conveniência e oportunidade, buscando escapar da ausência – flagrante – de conduta típica.”
“É julgamento de Direito Penal e, portanto, munido das garantias do devido processo legal, dentre eles o da correlação entre acusação e decisão. A decisão do Congresso deve guardar congruência entre a acusação e a decisão. Não se trata de juízo final, em que se poderia julgar a presidente como pessoa, mas sim pela conduta imputada. Assim, distante das questões de conveniência e oportunismo(…) a prevalecer a mesma lógica, um Ministro do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, poderia ser cassado pela conveniência e oportunidade do parlamento, sem a realização de conduta típica?
Parece que o Dr. Anastasia “pedalou” as ideias alheias, achando que no Direito de verdade – ao contrário do julgamento do Senado – os fins justificam quaisquer meios…
(Fonte: aqui).
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Convém enfatizar que, a propósito dos equívocos do relator Anastasia, e tendo presente a referência ao juiz Alexandre Morais da Rosa, acima citado, este blog divulgou no dia 6 passado o seguinte post, de autoria do magistrado:
Erro do parecer do senador Antonio Anastasia compromete o processo de impeachment
Erro do parecer do senador Antonio Anastasia compromete o processo de impeachment
O parecer apresentado pelo Senador Antonio Anastasia, do PSDB, encaminhando para o recebimento da acusação da Presidenta Dilma Rousseff, padece de um erro de trajeto que pode torná-lo imprestável, justamente porque:
1) Confunde julgamento administrativo com penal, convenientemente abraçando-se com a tese da analogia, da interpretação ampliada, da simples conveniência e oportunidade, buscando escapar da ausência – flagrante – de conduta típica. Invoca a Lei de Introdução ao Código Penal, especificamente na ausência de pena, mas esquece-se de que o Supremo Tribunal Federal já declarou constitucional, pelo menos em tese, o art. 28 da Lei 11.343/06 (uso de drogas), em que não há sanção (reclusão ou detenção), embora discuta a legitimidade da criminalização (RE 635.659), bem assim que as disposições inseridas na Lei 1.079/50 deram-se pela Lei 10.28/2000, que trouxe alterações “penais”, expressamente indicando as administrativas no art. 5o (confira aqui).
2) Com isso, o relator (aqui) deixou de reconhecer as garantias penais:
– Não há crime sem lei anterior que a defina. Não há pena sem prévia cominação legal (Código Penal, art. 1º);
- Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória (Código Penal, art. 2º).
– Não há crime sem lei anterior que a defina. Não há pena sem prévia cominação legal (Código Penal, art. 1º);
- Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória (Código Penal, art. 2º).
3) Se assim for, desnecessária seria a existência de tipicidade – descrição de conduta vedada em lei – para que o processo de impeachment possa ir adiante. Tanto assim, aliás, que o pedido inicial parte justamente da verificação de violação à regra de conduta.
(NOTA DESTE BLOG: Ou seja, no âmbito do direito penal, é indispensável que exista tipo legal - ou seja, a explicitação do ato violador - e que a infração praticada pelo acusado se encaixe perfeitamente no tipo penal explicitado na lei. É o que se chama de SUBSUNÇÃO. Esse requisito, condição essencial, não resultou atendido no processo de impeachment).
(NOTA DESTE BLOG: Ou seja, no âmbito do direito penal, é indispensável que exista tipo legal - ou seja, a explicitação do ato violador - e que a infração praticada pelo acusado se encaixe perfeitamente no tipo penal explicitado na lei. É o que se chama de SUBSUNÇÃO. Esse requisito, condição essencial, não resultou atendido no processo de impeachment).
4) Conforme já deixei assentado (aqui), o impeachment: É julgamento de Direito Penal e, portanto, munido das garantias do devido processo legal, dentre eles o da correlação entre acusação e decisão[1]. A decisão do Congresso deve guardar congruência entre a acusação e a decisão[2]. Não se trata de juízo final, em que se poderia julgar a presidente como pessoa, mas sim pela conduta imputada. Assim, distante das questões de conveniência e oportunismo[3].
5) Logo, se o julgamento escapa das garantias penais, por mecanismos retóricos, cabe ao Supremo Tribunal Federal, mais uma vez, garantir a autonomia e eficácia do Direito Penal, especialmente da taxatividade e legalidade.
6) Independentemente da coloração partidária, então, a prevalecer a mesma lógica, um Ministro do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, poderia ser cassado pela conveniência e oportunidade do parlamento, sem a realização de conduta típica?
7) Vamos aguardar a manifestação do Supremo Tribunal. (...). (AQUI).
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