terça-feira, 10 de maio de 2016

DA SÉRIE LITERATURA EM TEMPO SOMBRIO: UM CONTO DESCONEXO


Delação, filha dileta da imaginação criadora

Era um fantasioso contumaz, habituado a tirar proveito das armações arquitetadas ao longo da vida. Há pouco galgara o posto de líder do governo de um partido político oponente de um outro, a quem igualmente se dedicara com especial lealdade, tendo sido recompensado, nos longínquos anos 90, com um cargo na Petrobras, onde trocaria figurinhas com um amigo chamado Serveró - sim, Serveró, com 's'. Nomes estranhos há em todas as paragens.

Um dia, Serveró se viu engaiolado em face de falcatruas as mais diversas, praticadas ao longo de anos de até então comovente dedicação à Petrobras. Tentando atenuar a drástica punição a que exemplarmente faria jus, propôs o oferecimento de delação premiada. Sobre o que, informado, o fantasioso contumaz, ex-parceiro de trabalho do candidato a delator em passado distante, viu-se assaltado por súbito temor: e se Serveró revelasse que as falcatruas grupais vinham desde aqueles remotos tempos, quando ambos agiam em dobradinha, em estreita sintonia?

Bolou um estratagema: o uso do nome de outrem para patrocinar jogadas salvadoras, em troca de proveitos próprios e/ou de 'outrens'. Deu início à empreitada. A coisa ia fluindo a contento, até que em certa ocasião um filho de Serveró inventou de gravar as mirabolantes promessas inventadas pelo contumaz cultor da fantasia em troca do silêncio do candidato a delator. Resultado: gaiola, em meio a baita, constrangedor e espetaculoso estardalhaço nacional.

Eis que o fantasioso contumaz desesperou-se. E agora? Ora, craque é craque: a alternativa pintou de imediato: mediante delação premiada, agir de forma coerente ao contido na cruel gravação, implicando os 'outrens' cujos nomes utilizara - e mais alguns - sem esquecer de que esses episódios 'específicos' deveriam figurar em meio a um amplo cipoal convenientemente engendrado, que transcendesse o próprio assalto à Petrobras.

O quadro, hoje, é o seguinte: as acusações contra quase todos os 'outrens', incensadas pela mídia, parecem ter adquirido foros de verdade absoluta, por irrefutáveis, merecedoras de manchetes em caixa alta e à prova de qualquer tentativa de contestação, como, aliás, costuma acontecer relativamente a delações em geral. Mas a situação do fantasioso contumaz enquanto membro da alta instância parlamentar se revela a cada minuto mais periclitante, estando ele, aparentemente, a poucos passos do cadafalso.

Moral:  Imaginação criadora é salutar, mas, quando demasiada, pode criar problemas cuja solução escapa à imaginação.  

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