A voz do dono só fala forte quando a mente passa a ter dono
Por Fernando Brito
Mais um absurdo de Eduardo Cunha, a censura na TV Câmara às falas dos deputados que o criticam.
Absurdo, embora nada surpreendente em alguém que se porta não como presidente, mas como dono da casa legislativa.
Há uma esquisita explicação dos responsáveis pela TV Câmara, alegando que, como Cunha não respondera aos deputados na sessão da Câmara em que ouviu o que merecia, “não houve contraditório”, daí o corte nas falas de seus críticos.
Uma baboseira, apenas fez-se a vontade do chefe.
Só que a matéria de O Globo, adiante, faz o mesmo.
Diante de mais uma queixa de Cunha sobre o que a Globo faz com ele, “alguém” responde no texto:
“Procurado pelo GLOBO, Eduardo Cunha disse estranhar que o Grupo Globo se preocupe com as matérias da TV Câmara, quando, segundo ele, as reportagens da TV Globo sobre seu envolvimento na Lava-Jato dão mais espaço a ataques de seus adversários.
As reportagens sobre o parlamentar, assim como todas as outras exibidas na TV Globo, zelam pelo equilíbrio e pela isenção jornalística.”
Ah, sim, as matérias exibidas na TV Globo são isentíssimas….
É, o ano começaria divertido com uma frase desta, se nela não estivesse contido um drama, muito bem retratado no ensaio do excelente Pernambuco, “O cinismo da liberdade de imprensa”, do qual reproduzo um trecho:
Jornalistas sempre tiveram dificuldade em se assumir como trabalhadores. Mas, em outros tempos, tinham alguma clareza sobre as relações de hierarquia enganosamente disfarçadas por meio da aparente informalidade no convívio profissional. Afinal, não são todos jornalistas?
Sim, são todos jornalistas, e isto é o que geralmente escapa quando se critica a “grande mídia”: não se trata de uma estrutura à parte, mas de uma engrenagem movida por jornalistas, que submetem outros jornalistas.
“Nós fazemos o jornal do fulano de tal e ele quer essa matéria na primeira página todo dia”, disse certa vez um chefe de reportagem a um perplexo repórter – e o tal do fulano nem era o dono do jornal, mas um simples chefe de redação, talvez mais realista que o rei. Tratava-se de uma pauta artificialmente sustentada para servir de arma durante a então campanha eleitoral para governador do Rio de Janeiro, em benefício do candidato da “casa”, afinal vitorioso. Foi em 1986, mas poderia ter sido hoje: por mais que a prática do jornalismo venha se transformando radicalmente nos últimos anos, as relações de poder permanecem intactas. E, vez por outra, afloram com essa clareza sem cerimônia nem subterfúgios, absolutamente reveladora da maneira pela qual as coisas funcionam num jornal.
De minha parte, como sou antigo nisso, sei que tinha razão o Graciliano Ramos ao dizer que de “liberdade completa ninguém desfruta” e, por igual, também não há opressão absoluta. O patrão pode nos “roubar” o texto em quase tudo, pode nos calar a voz em algum grau, não em todo e em toda parte.
O problema – e que está se tornando cada vez mais frequente – é quando não entregamos ao patrão só nossos textos, entregamos as nossas mentes. (Fonte: aqui).
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No longínquo 2010, num encontro de jornalistas, Judith Brito, então presidente da ANJ, Associação Nacional de Jornais, emitiu o seguinte juízo a respeito da atuação da imprensa: "Na situação atual, em que os partidos de oposição estão muito fracos, cabe a nós dos jornais exercer o papel dos partidos".
A realidade vigente está a demonstrar que a mídia continua a seguir a orientação da ANJ, só que indo além: é irrelevante o fato de os partidos de oposição estarem fortalecidos, em face da adesão de setores da 'situação': a contundência midiática é maior do que antes.
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