quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

A LAVA JATO E SEU PODER DE MANDO


O Poder Judiciário no jogo político

Por André Araújo

No programa PAINEL de sábado passado na Globonews o analista de risco político Cristopher Garman, da respeitada consultoria EURASIA, muito consultada por bancos, Murilo Aragão, veterano analista dono da Arko Advice, provavelmente a maior consultoria política entre as usadas por multinacionais no Brasil, e o professor da Faculdade de Direito da USP e da FGV José Guilherme Faria, traçaram um panorama da crise política e do processo do impeachment ora iniciado.
Garman comentou sobre a imprevisibilidade do desenrolar de todo o processo do impeachment diante da incapacidade de prever os desdobramentos da Lava Jato, como se a operação fosse um vulcão que pode irromper a qualquer momento.

O analista político deixou transparecer que para ele a Lava Jato é tal qual um fenômeno da natureza, incontrolável e imprevisível. Ora, não é nada disso. A Lava Jato é uma operação conduzida por 12 pessoas que detêm posições de poder e podem mover o processo para o lado que quiserem, do modo que preferirem e na velocidade que escolherem.

Ao assim fazer podem graduar à sua vontade o impacto dos atos dessa operação sobre os demais poderes, Legislativo e Executivo, sobre movimentos do governo e do Congresso, sobre todo o processo político.

Por outro lado, Murilo Aragão e também José Guilherme Faria advertiram que a invocação contínua do Poder Judiciário pelo Legislativo acaba arrastando o Judiciário, especialmente o STF, para a política. Nas decisões sobre fatos e atos políticos, a interpretação exclusivamente técnica acaba entrando na escolha política e o Tribunal acaba se transformando em parte do jogo político, e não mero mediador, ao tomar partido de um lado entra subrepticiamente no próprio centro do jogo.

Somando os dois contextos, a Lava Jato, conduzida por um grupo restrito de detentores do poder de investigar, prender, processar, confiscar bens, e as decisões do STF sobre a própria atividade do Congresso, tem-se a formação de um verdadeiro partido político ativista com superpoderes sobre a condução do Estado brasileiro.

Não se conhece na História dos grandes países um Judiciário com tais poderes extraordinários sobre o Executivo e o Legislativo, nessa extensão e por tanto tempo, sem contrapesos e barreiras, com absoluta liberdade de agir.

Pode-se dizer sem maiores riscos de erro que um grande País nesse quadro é INGOVERNÁVEL, qualquer que seja o Chefe de Estado. Se um reduzido Comitê de Última Instância pode, a qualquer momento e de forma incontrastável, prender qualquer Ministro ou  Congressista em absoluta união com a Polícia, que, por sua vez, não se subordina ao Poder Executivo, tem-se no coração do Estado uma completa anarquia dentro do Poder; na realidade, o verdadeiro poder maior é esse Comitê de 12 pessoas que não tem contrapeso algum em nenhuma outra esfera do Estado.

Os Estados são entes aéticos e amorais, de natureza operacional, que só podem ser dirigidos por um núcleo autoritário na sua cúpula, tal qual um navio tem que ter no comando um único capitão, independentemente de ser democracia ou ditadura. Um Estado não pode ser dirigido estando fragmentado em ilhas de poder independentes, uma podendo eliminar a outra a qualquer momento. Um Estado nessa situação comete suicídio porque cessa sua operacionalidade, sua capacidade de exercer soberania.

Grandes democracias como a França e os Estados Unidos têm núcleos duros centrais de comando que não se submetem à interferência sem limites de Comitês de Última Instância, que podem a qualquer momento inviabilizar todo o processo de governar, quebrar uma negociação política, inviabilizar uma aliança, tratado, projeto, concessão.

Chegamos a esta situação, que nunca ocorreu antes em outros Governos do Estado brasileiro, por anomia, por incapacidade de exercer o Poder centralizado, permitindo-se a fragmentação perigosíssima que leva um analista político a dizer que não dá para fazer previsão sobre a política brasileira porque a Lava Jato é imprevisível. O fato de existir esse poder imprevisível MAS controlado por pessoas que podem perfeitamente programar o que vão fazer, quer dizer, é imprevisível para outros mas não para eles,  é um fator de demolição da estrutura de comando do Estado brasileiro: nenhum Estado pode ser governado se não sabe o que pode acontecer amanhã por ação de um poder paralelo.

Pode sim existir imprevisibilidade EXTERNA, uma guerra, uma catástrofe natural, um ato de terrorismo, mas uma imprevisibilidade DENTRO DO ESTADO é demais. O Brasil inventou algo inédito em ciência política. (Fonte: aqui).

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Ontem, 9, foi o Dia Internacional de Combate à Corrupção, esse atentado para lá de hediondo que reclama combate e punição não só permanentes, mas ABRANGENTES. E por que tal ênfase na palavra ABRANGENTES? Esclareço: não estou falando em abrangência quanto a casos de corrupção alheios à Lava Jato (conquanto isso fosse o ideal), mas à própria Lava Jato: 

a) A operação foi deflagrada em março de 2014, já com um marco inicial previamente estabelecido: 2004. O argumento: teria sido a partir daí que a corrupção se tornou 'sistêmica';

b) Com o passar dos meses, delatores premiados, a exemplo do corrupto confesso e ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco e dirigentes de empreiteiras, declararam que a roubalheira teria tido início no final dos anos 90. (Paulo Francis diria que foi bem antes... );

c) Por que a alusão ao 'final dos anos 90' despertou interesse? Porque soou verossímil. E por quê? Por uma razão de Direito: a mudança do regime jurídico a que a Petrobras passou a ser subordinada:

.a partir de 1997, a Petrobras deixou de ser regida pela Lei de Licitações (8.666/93), passando para as regras da Lei 9.478/97, complementada no ano seguinte pelo Decreto nº 2.745, que instituiu o "Regulamento do Procedimento Licitatório Simplificado";

.dessa forma, as 'amarras' que emperravam a ação empresarial da Petrobras foram 'afrouxadas', e as decisões, sobremaneira 'agilizadas', 'dinamizadas', conferindo 'autonomia individual'  a diretores e resultando na negociação de papéis da Petrobras em Wall Street, por exemplo (embora o objetivo final não tenha sido alcançado: a privatização da empresa...);

.como sustenta o jurista Celso Antonio Bandeira de Mello: o afrouxamento da legislação norteadora da Petrobras significou a "'abertura da porteira' à corrupção desenfreada";

d) Eis que agora, o corrupto diretor Cerveró confessa, em delação premiada, que Delcídio do Amaral auferiu vantagens ilícitas (dez milhões de dólares) quando exercia o cargo de diretor de Petrobras, no governo FHC!

e) Diante do que, afigura-se lícito indagar: Por que razão os doutos patrocinadores do processo da Lava Jato insistem em manter inalterado o marco inicial das investigações (2004)? E a ABRANGÊNCIA do combate à corrupção, como fica? Não vem ao caso? 

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