Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Martinha e Wanderléa
Cinquenta anos de Jovem Guarda
Por Leandro Reis
Corria o ano de 1965, a ditadura militar completava seu primeiro ano, Pelé jogava no Santos, o Brasil empurrava o Maracanazo para as gavetas da história com um bicampeonato da Copa do Mundo e o esporte nunca fora tão aclamado pelo país que rumava para ficar conhecido exatamente devido à habilidade dentro das quatro linhas. Mas naquele agosto de 1965 a TV Record, grande emissora da época, foi proibida de transmitir ao vivo os jogos nas tardes de domingo. Era preciso tapar o buraco da programação. Então, no 22 de agosto, surgiu o programa que mudaria não só a música pop brasileira, mas a cultura jovem. Era a "Jovem Guarda", que teria vida até 1969.
Cinquenta anos depois, as tardes musicais apresentadas por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa era a alternativa light à música de protesto, encabeçada por nomes como Geraldo Vandré nos Festivais da MPB, também exibidos pela Record até 1969. Inaugurando o pop rock brasileiro, a Jovem Guarda foi espelho para a juventude ávida por novos ídolos.
"Roupas e cabelos, sem contar linguagem e som", diz o produtor Marcelo Fróes, autor do livro "Jovem Guarda – Em Ritmo de Aventura", em referência a importância comportamental daquele período. É da época o estouro (essa também uma delas) de gírias que muitos se acostumaram a ouvir das bocas dos pais e avós: abafar, biruta, broto, barra limpa, casquinha (ouça "Mandamentos do Broto", de Celly Campello), prafrentex...
Os pilares da música, lembra Marcelo, vieram da gringa. Vários sucessos da Jovem Guarda, inclusive, são releituras de canções já conhecidas nos anos 1960 nas paradas dos Estados Unidos e da Inglaterra. "As bases da Jovem Guarda são a cultura do rock desde os anos 1950 e a beatlemania mundo afora desde 1964", diz.
Do "berço do pop nacional", como diz o produtor, saiu muita gente que pavimentou o resto da carreira sem maiores problemas – além do trio de apresentadores. "Fevers, Renato (de Renato & Seus Blue Caps), Jerry Adriani, Wanderley Cardoso, além de outros jovenguardistas atrasados como Odair José e Reginaldo Rossi, que estouraram fazendo outras coisas naquela década. Antônio Marcos e Vanusa também foram filhos da Jovem Guarda e fizeram muito sucesso."
Política
Atrações de primeira categoria, os músicos da Jovem Guarda foram tachados de alienados pelos fãs mais puristas da MPB, visto que nada falavam por meio das canções sobre um contexto político conturbado. "O patrulhamento (ideológico) se deu por causa da ditadura. Todo mundo esperava que os artistas fossem panfletários. Era injusto", opina Marcelo. Havia, também, uma rusga com a bossa nova, movimento imediatamente anterior a Jovem Guarda. "Havia ressentimento porque a Jovem Guarda vendia muito mais", diz o produtor.
No olho do furacão, o cantor Jerry Adriani diz ao C2 que, embora a proposta da Jovem Guarda não fosse política, preconceitos sociais foram questionados. "Você acha que existiria a liberdade de homem usar brinco e cabelo comprido se não fosse a Jovem Guarda? A minissaia veio da Inglaterra, mas se a Wanderléa não usasse, não seria exemplo pra todo o Brasil", diz.
Sobre a desavença com os bossanovistas, Jerry entende que a briga dizia respeito a uma espécie de aculturação da Jovem Guarda. "Rock não existe só nos EUA. A bossa nova não começou aqui e depois foi pra lá? Ela própria foi acusada de transformar samba em jazz. A Jovem Guarda nacionalizou o rock, foi um rock com brasilidade."
Que fim levou
Os Incríveis
Dona do hit "Era Um Garoto Que, Como Eu, Amava os Beatles e os Rolling Stones", a banda continuou tocando até 1973, além de fazer algumas reuniões recentes.
Eduardo Araújo
A voz de "O Bom" deu uma passada no rock progressivo e, mais tarde, flertou com a country até fincar os dois pés na música sertaneja.
Martinha
Sucesso com canções próprias no auge das versões, Martinha seguiu carreira na música romântica e criou uma série sucessos para artistas como Chitãozinho & Xororó e Leandro & Leonardo.
Wanderley Cardoso
"O Bom Rapaz" foi outro que se deu bem na música romântica. Depois de prêmios internacionais e 87 lançamentos, o cantor comemorou recentemente 50 anos de carreira com CD e DVD.
"Cada show era uma camisa rasgada", lembra Jerry Adriani
Uma das caras mais famosas da Jovem Guarda, o cantor Jerry Adriani diz que deve muito de sua carreira de mais de 50 anos àquele momento da história cultural brasileira. Em conversa com o C2 por telefone, Jerry lembrou do impressionante assédio das fãs, rivalidade com Wanderley Cardoso e outros assuntos.
Como foi sua entrada na Jovem Guarda?
Comecei cantando em uma banda de rock (Os Rebeldes). Mas a música italiana estava muito em evidência, estava estourando mesmo, baladões e tudo o mais. Como eu tinha uma influência italiana da família, gravei dois discos com esse nome que criei: Jerry Adriani. Achei que o som do nome de família (Alves de Sousa) não dava pra música italiana. Nesse meio tempo, o pessoal da (gravadora) CBS sentiu que havia uma nova demanda de música em português, cantores surgindo – entre eles o Roberto Carlos, que era da CBS. Nessa época gravei "Um Grande Amor”" (1965). O disco estourou, e as televisões começaram a procurar os artistas. Então me chamaram pra cantar no programa "Jovem Guarda".
O que aquele momento representou pra você?
A Jovem Guarda foi tão importante que tem vida até hoje, 50 anos depois. Foi uma coisa que, pra aquela geração, representou uma base muito sólida, realizou sonhos, quebrou preconceitos – porque não havia rock brasileiro feito para os jovens. A meu ver, foi um divisor de águas na música.
Havia muito assédio?
Era um negócio gigantesco. Em uma época sem internet, você ia tomar um café num lugarejo no interior e, em cinco minutos, o lugar estava tomado de gente. Não dava pra entrar nem sair. Nos hotéis, as pessoas ludibriavam os porteiros, entravam nos quartos, se escondiam embaixo da cama.
Existe uma história de que você perdia várias camisas rasgadas.
Cada show era uma camisa rasgada. Era fatal. Me lembro que em Recife havia aqueles lutadores do "Telecatch" (programa de luta-livre) no hotel dizendo que não ia acontecer nada de assédio. Saí com uma camisa, rasgaram. Subi, botei outra, desci e rasgaram de novo. Botei outra, rasgaram também. Aí falei "vou assim mesmo".
Você era rival do Wanderley Cardoso?
Havia isso de "Jerry contra Wanderley", depois "Jerry contra Roberto". Sempre existiu rivalidade, mas era uma coisa mais de mídia, igual rivalidade entre Beatles e Rolling Stones.
Ainda tem contato com aquela galera?
Todo mundo. O que a gente tem menos contato é com o Roberto. Era o contrário, naquela época eu era muito chegado nele. Assisti a "Help!" (filme de 1965, dos Beatles) com ele e Wanderléa no cinema.
O top 5 da jovem guarda
A Pescaria (1965)
Erasmo Carlos
Depois de sair do grupo Renato & Seus Blue Caps, Erasmo Carlos investiu na carreira solo. E seu primeiro disco já foi um sucesso. "A Pescaria" veio com uma série de hits, entre eles "Festa de Arromba" – um dos grandes símbolos da Jovem Guarda –, "Terror dos Namorados" e "Minha Fama de Mau", uma das grandes canções de sua carreira. Já neste trabalho se observa a forte veia rock’n’roll de Erasmo, desde o rock americano dos anos 1950 – "Dia de Escola" (versão de "School Days", de Chuck Berry), "No Tempo da Vovó" – até o surf rock dos Beach Boys – "Sem Teu Carinho".
Um Grande Amor (1965)
Jerry Adriani
Como disse ao C2, o cantor que começou a carreira cantando rock e mudou para o italiano – com dois discos bem-sucedidos, "Italianíssimo" e "Credi A Me" – voltou ao português já com um álbum estourado. "Um Grande Amor" mostra Jerry Adriani no auge da juventude vocal, emulando Elvis Presley em versões de clássicos norte-americanos, como "Querida (Don't Let Then Move)" e “Não Quero Mais Amar (I've Got Sand in My Shoes)".
Wanderléa (1967)
Wanderléa
O quinto disco da Ternurinha veio embalado por versões de "River Deep, Mountain High" – interpretada também por Tina Turner –, "Pushin' Too Hard", entre outras canções naturais dos Estados Unidos. Mas há neste álbum um dos grandes sucessos de Wanderléa, criado por Erasmo Carlos: "Prova de Fogo". Para completar o time de peso, a cantora ainda teve a cozinha dos grupos Os Wandecos e The Fevers.
Ronnie Von (1966)
Ronnie Von
O Príncipe teve sua grande fase na trinca psicodélica – "Ronnie Von nº3" (1969), "A Misteriosa Luta do Reino de Parassempre Contra o Império" (1969) e "A Máquina Voadora" (1970) –, mas sua estreia teve grande impacto no mundo da Jovem Guarda. Ronnie Von odeia o disco, talvez por conter muitas versões, entre elas o hit "Meu Bem", releitura de "Girl", dos Beatles, que fez um sucesso gigantesco e o levou a apresentar o programa "O Pequeno Mundo de Ronnie Von", criado na TV Record.
Jovem Guarda (1965)
Roberto Carlos
Pelo título já se vê: este é o álbum mais importante da Jovem Guarda. O disco saiu três meses depois da estreia do programa de TV, impulsionando a cultura pop que começava a nascer naquela geração. É o quinto disco de Roberto Carlos, e decerto um dos que mais reúne sucessos. Estão lá "Quero Que Vá Tudo Pro Inferno", "Lobo Mau", "Sorrindo Para Mim", "Eu Te Adoro Meu Amor", "Mexerico da Candinha", "Escreva Uma Carta Meu Amor", entre outras canções que se tornaram símbolos da juventude interessada em dançar e se divertir com baladas românticas e letras ingênuas. (Fonte: aqui).
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Clique aqui para ler "Primórdios da Jovem Guarda - Jovem Guarda teve início no Rock nacional dos anos 50", publicado neste blog em abril passado. Lá, deixei um breve comentário:
"A Jovem Guarda foi marcante. Até hoje curto as baladas, muitas das quais - a maioria, no início - versões de ingênuos sucessos norte-americanos e ingleses. O Rock n Roll foi o que se pode chamar de objeto da globalização saudável."
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