"Está em curso para votação na próxima semana um projeto de lei que enterra o processo penal pensado a partir da Constituição Federal. O pacote anticorrupção vem aí para aplicar no varejo uma das técnicas que mais prendem no mundo, recriar um aparato da ditadura e eliminar institutos penais que limitam o poder de punir do Estado. Tudo isso nas chamadas “10 medidas contra a corrupção”.
Ou melhor: esqueça as “10 medidas”. Isso virou apenas o título de algo profundamente maior e mais perigoso. A cada relatório que passa na Câmara, mudam-se por completo as alterações no sistema punitivo brasileiro e são introduzidas matérias que nunca foram debatidas, nem com quem foi iludido e assinou aquela petição do MPF, nem com quem é da área.
Pelo que está sendo submetido à aprovação, o MPF conseguiu introduzir no projeto de lei o plea bargain na legislação brasileira. Isso significa a forma de negociação de pena típica daqueles filmes americanos em que a acusação força o réu a assumir a culpa e impõe uma condenação menor do que seria pela mão de um juiz.
POR CONTA DO 'PLEA BARGAIN', OS NORTE-AMERICANOS ESTÃO EM 1º LUGAR NO RANKING DO ENCARCERAMENTO
Somente por esse ponto, já é possível constatar que as 10 medidas não são contra a corrupção tão-somente, mas são contra o pobre. Contra o negro e a negra que cada vez mais são a clientela preferida do sistema penal. São eles que, fragilizados, terão de confessar crimes e aceitar penas impostas pela acusação para não enfrentar o processo comandado por uma Magistratura que quer se ver livre de julgar. É em nome da guerra às drogas, e não em nome da corrupção, que será feito o processo de aprofundamento do cárcere como poucas vezes já visto. Digo isso com provas e com convicção.
Como disse Rubens Casara, “esse modelo de ‘acordo’, no qual a vontade de uma das partes é viciada pela coação consistente na ameaça de uma pena mais grave, fez parte do projeto que gerou o grande encarceramento nos Estados Unidos da América, país em que a liberdade é tratada na lógica neoliberal como mais uma mercadoria. Lá a maioria dos estudiosos percebeu que não deu certo, aqui querem importar essa fórmula ineficaz e perversa”.
Casara resumiu brilhantemente o sadismo da proposta, que é a morte do processo penal brasileiro.
Além disso, como se não bastasse, as dez medidas fazem o favor de criar uma “Comissão de análise de denúncias de corrupção”, que não faz parte do Poder Judiciário, mas tem poder de investigar denúncias sem o conhecimento do denunciado, podendo, inclusive, “tomar as medidas cabíveis”. Qual a chance disso não virar um aparelho de perseguição política e macartismo?
Aliás, é difícil compreender quem que comemora a recriação da SNI. O MPF, tão inspirado em aprovar as medidas, certamente sai no prejuízo por dividir seu poder de investigação com outro grupo que pode vir a ser tão reacionário quanto. Já a minoria das carreiras certamente dispensa mais um instrumento de perseguição política travestido de moralismo.
Essa experiência de órgãos corregedores que, em nome do combate à corrupção, exercem poder sobre os investigados não é jaboticaba. Na Alemanha, havia a Gestapo, que hoje ocupa a lata do lixo dos livros de história, mas que, curiosamente, inspira não só esse projeto, como também nossas instituições acusatórias. Na Ditadura brasileira havia o Serviço Nacional de Investigação (SNI), morto com a redemocratização. Pena que pretendem ressuscitá-lo. (...)."
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O texto acima foi extraído do artigo "SOBRE AS MEDIDAS ANTICORRUPÇÃO / PACOTE ANTICORRUPÇÃO ENTERRA O PROCESSO PENAL BRASILEIRO" - AQUI -, de autoria de Breno Tardelli, diretor de redação do site jurídico JUSTIFICANDO. Data de publicação do artigo: 27 DE NOVEMBRO DE 2016.
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Eis que nesta data o ministro Sérgio Moro, da Justiça e Segurança Pública, lança o seu Pacote Anticrime (clique AQUI para conhecê-lo), alterando o contido em várias leis brasileiras e sobre o qual nos permitimos alinhar breves observações preliminares:
.O mecanismo denominado Plea Bargain, que permeou o (malogrado) projeto de Medidas Anticorrupção 2016 acima referido, retorna em sua 'plenitude saxã'.
.Presentemente, 'todo mundo' aplaude o pacote ministerial, e o Capitão Augusto, do PR-SP, líder da Bancada da Bala, já declarou que o pacote "passa tranquilamente pela Câmara" (aqui). De fato, as condições 'estruturais' parlamentares nunca pareceram tão acolhedoras, aparentemente.
.Mas, desta feita ao menos uma entidade (entre tantas e tantas) apressou-se em trazer para a linha de frente a Lei Que Sobre Todos Prevalece (ou Deveria Prevalecer), a Constituição Federal, que, aliás, jamais ou muito raramente é mencionada por operadores diversos, inclusive aqueles incumbidos de distribuir Justiça. Eis como, segundo o G1 (AQUI), reagiu a Defensoria Pública do Rio de Janeiro:
"...a entidade disse que enxerga com preocupação as propostas de alteração legislativa anunciadas pelo governo, em especial as mudanças previstas para Códigos Penal, Processo Penal e Lei de Execuções Penais. “Diversas medidas violam frontalmente os princípios constitucionais da presunção de inocência, da individualização da pena e do devido processo legal, como por exemplo a prisão antes do trânsito em julgado da condenação, o acordo penal e a ampliação da subjetividade judicial na aplicação das penas e de seus regimes de cumprimento” (...). A entidade declarou que "um projeto que se propõe a aumentar a eficiência do sistema de Justiça não pode enfraquecer o legítimo e regular exercício do direito de defesa, nem esvaziar garantias fundamentais".
Não obstante, muitos certamente fazem coro ao Capitão Augusto e consideram que o pacote tem tudo para prosperar. Caso tal se confirme, restará àqueles que, a exemplo da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, insistem em defender a prevalência da Constituição da República RECORRER aos préstimos do Supremo Tribunal Federal, que, se for caso, realizará o exame de constitucionalidade em época em que certamente o ministro Moro lá já estará instalado (impedido de participar do julgamento, claro, mas não de opinar).
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ADENDO em 05.02: Clique AQUI para ler PACOTE ANTICRIME DE MORO PONTO A PONTO: VEJA COMO A LEI É HOJE E O QUE PODE MUDAR, publicado no Congresso em Foco.
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ADENDO em 08.02: Clique AQUI para ler "O NOVO CONTRABANDO DE SÉRGIO MORO", por João Telésforo.
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